1. As relações entre as línguas podem estabelecer-se de inúmeras formas, mas neste processo há sempre espaço para algum tipo de tensão: em muitas situações, há línguas que ocupam espaços comuns e que tendem a competir entre si, o que pode levar a que uma dada língua ocupe gradualmente o espaço de outra, minimizando-a; há outras línguas que divergem entre si para sobreviver ou para consolidar a autonomização e afirmação de um dado território. São relações de poder, que nem sempre são conduzidas de forma consciente pelos falantes, mas que podem acarretar consequências de importância maior para as línguas.
♦ Encontramos tensões desta natureza na relação entre as duas línguas oficiais de Portugal: o português e o mirandês, que coexistem em Terras de Miranda. Trata-se de um processo no qual a segunda língua, minoritária e enfraquecida, precisa de que se envidem todos os esforços para evitar que simplesmente desapareça. Tal possibilidade vindoura fica a dever-se ao facto de as gerações mais novas estarem a deixar de usar a «lingoa do lar, do campo e do amor», como a descrevia Leite de Vasconcelos. Este é o panorama que encontra a jornalista Luísa Pinto na sua reportagem sobre o estado do mirandês* (que também poderá ler lida em língua mirandesa: «Ua lhéngua nun se morre anquanto andubir ne l sentir i ne l falar», exclusivo para assinantes do jornal Público).
♦ Aqui ao lado, na Galiza, o português encontra a sua língua irmã, o galego, também ela ameaçada na sua forma original pela pressão exercida pelo castelhano, que se tem vindo a introduzir no idioma galego de forma tão persistente e contínua que atualmente a maioria dos falantes faz uso de uma língua fortemente espanholizada. O português partilhou com o galego a sua génese, mas foi divergindo dele a partir do século XIV, devido sobretudo ao afastamento político entre regiões. No entanto, são ainda hoje inúmeras as afinidades que unem estas línguas, havendo quem defenda que o galego na sua forma mais pura teria a ganhar com uma aproximação ao português, uma relação que poderia inclusive ter implicações económicas muito positivas. Esta é uma posição sustentada pelo engenheiro galego José Ramóm Pichel, ao advogar a ideia da unidade das línguas em entrevista* ao Portal Galego da Língua.
♦ Noutras latitudes, observamos também outras tensões entre as línguas no interior de um mesmo país. Dessa relação nos fala Margarita Correia, professora universitária e linguista, ao analisar no seu artigo a situação do Mali, país onde a nova Constituição determina que o francês, antiga língua de estado, passe a conviver com as restantes treze línguas nacionais, o que acarreta também problemas para a organização do sistema de ensino, que, a partir do 4.º ano, era até agora exclusivamente francófono. O caso aqui relatado demonstra como a evolução política pode conduzir a uma rejeição da língua do colonizador. Nos países onde Portugal assumiu esse papel de colonizador, esta rejeição política não é tão evidente, mas encontramos alguns sinais que merecem reflexão: por exemplo, em Moçambique, a língua portuguesa é língua materna para pouco mais de 10% da população**, tendo uma importância relativa face aos bantos ou ao próprio inglês; já em Angola, o português é falado por cerca de 70% dos falantes, mas há setores que defendem a importância de salvaguardar a língua banta umbundo, a segunda língua mais falada, enquanto traço estruturante da cultura africana.
* textos partilhados com a devida vénia.
** Diz-nos Alexandre António Timbane que «[h]oje, o número de falantes do português como língua segunda aumentou para pouco mais de 10,7%, mas as características se distanciam do português europeu. Por outro lado, as L[inguas]B[antas]continuam firmes dentro e fora das cidades e nenhuma delas está em vias de extinção.» (A variação linguística do português moçambicano: uma análise sociolinguística da variedade em uso. RILP - Revista Internacional em Língua Portuguesa - nº 32 - 2017, p. 25). Gregório Firmino, por sua vez, esclarece que, segundo os Censos de 2017, cerca de metade da população assume saber falar português (47,4%), mas destes só cerca de 16% tem a língua portuguesa como língua materna. O português de Moçambique, ao estar a ser falado por parte da população, está a sofrer um processo de nativização acentuado, que o afasta do padrão europeu e cuja aceitação ainda não está estabilizada. (Ascensão de uma norma endógena do português em Moçambique: desafios e perspectivas. Gragoatá, Niterói, v.26, n.54, 2021, p. 163-192.)
2. O verbo haver pode ser seguido da sequência «por + adjetivo»? A questão motiva uma resposta centrada na descrição de um dos possíveis comportamentos sintático-semânticos de um verbo que oferece muitas dificuldades aos falantes. A atualização do Consultório contempla ainda outros assuntos: a origem do substantivo pontífice; a diferença entre o conceito de vogal temática e o de índice temático; a pronúncia correta das palavras rogos, gozos e dileto; os efeitos de sentidos resultantes da construção do verbo acompanhar com as preposições a ou até; a grafia do termo martainha; o hiperónimo de navio e barco e os critérios a adotar na correção de documentos de avaliação em contexto de uso de diferentes variedades do português.
3. No Dia Mundial contra a Pena de Morte, a consultora do Ciberdúvidas Sara Mourato aprofunda a questão da origem das expressões «pena de morte» e «pena capital», traçando o caminho da evolução semântica dos termos que compõem as expressões.
4. A diferença entre as construções «tem-no» e tem-lo» é abordada por Inês Gama, colaboradora do Ciberdúvidas, num apontamento divulgado no programa Páginas de Português, na Antena 2.
5. Destaque para as seguintes notícias:
– A professora Maria Regina Rocha, consultora do Ciberdúvidas durante mais de duas décadas, vai ser homenageada pelos 50 anos de docência (notícia);
– O Plano Nacional de Leitura lançou o guia Projeto de leitura – ensino básico e secundário;
– As escritoras Andreia C. Faria e Lídia Jorge venceram o prémio PEN Clube de 2023, na categoria poesia e narrativa, respetivamente (notícia);
– O livro Misericórdia, de Lídia Jorge, já muito premiado, encontra-se na corrida aos prémios franceses Médicis e FEMINA bem como ao Prémio Oceanos (anúncio da editora D. Quixote).