1. Na atualização do Consultório, a pontuação volta a motivar uma questão, desta feita relacionada com as expressões «ave Maria» e «salve Maria», relativamente às quais se pretende determinar se deveriam ter vírgula antes dos nomes próprios, que têm a função de vocativo, apesar de na tradição religiosa tal não fazer parte dos usos. Uma resposta esclarece que a concordância do verbo haver com sentido temporal com o verbo principal é considerada de regra pela linha mais tradicional de gramática. Todavia, parece verificar-se alguma tendência para a cristalização do verbo no presente do indicativo. Ainda neste contexto, há situações de especialização de usos que importa considerar, uma vez que o verbo haver tanto pode contribuir para a expressão da duração («Ele faz este trabalho há dois anos.») como para a localização («Ele fazia este trabalho há dois anos.») e, nestes casos, como aqui se explica, a concordância pode interferir nos sentidos veiculados. Esclarece-se ainda o significado da expressão latina «in Liborium», usada por Camilo Castelo Branco na obra A queda de um anjo. Por fim, uma questão sobre a compatibilidade do adjetivo quieto com o verbo ser e uma outra sobre a regência do adjetivo coetâneo.
Primeira imagem: Ave Maria, de Paul Gauguin, 1891.
2. A despenalização da morte assistida será discutida na Assembleia da República portuguesa no próximo dia 20 de fevereiro (ver notícia). Este debate traz à atualidade vocábulos e expressões como «suicídio assistido», «morte assistida» ou eutanásia, cujos significados importa esclarecer. A eutanásia significa, etimologicamente, "morte sem sofrimento" ou "morte boa". Este termo é utilizado para referir um ato praticado por alguém com o objetivo de proporcionar uma morte sem sofrimento a um paciente terminal, afetado por dores intoleráveis, a pedido deste último, que deseja intencionalmente pôr fim à vida. O «suicídio assistido» é um ato praticado pelo paciente, que, encontrando-se numa situação de doença terminal, com dores insuportáveis, decide pôr termo à vida. Neste caso, a função de um terceiro será a de facilitador/colaborador, pois apenas ajuda, de forma indireta, o paciente a autoadministrar os fármacos letais. Em termos sintéticos, a diferença entre os dois termos reside no agente responsável pela ação de pôr termo à vida. O conceito de «morte assistida» engloba a eutanásia e o «suicídio assistido». Pode usar-se, ainda, o termo ortotanásia, que se refere à situação de suspensão ou de minimização dos tratamentos destinados a prolongar a vida de um paciente em situação terminal. O contrário de ortotanásia é a distanásia, que designa a ação de prolongar a vida de um paciente terminal através do recurso desproporcionado a tratamentos ou máquinas.
O Ciberdúvidas abordou já questões linguísticas relacionadas com esta temática, como se pode recordar nas respostas «Eutanásia», «Eutanásico» e «Bioética».
3. COVID-19 é a designação atribuída pela Organização Mundial de Saúde à doença provocada pela ação do coronavírus. O nome escolhido é um acrónimo formado a partir do inglês "coronavirus disease". Trata-se de um nome próprio que deve ser escrito com letras maiúsculas e com um hífen antes de 19, opção que segue as indicações da Classificação Internacional de Doenças. O vírus, por seu turno, foi designado oficialmente SARS-CoV-2. Isto significa que afirmações como «contágio por coronavírus Covid-19» não são corretas, devendo ser substituídas por «contágio por SARS-CoV-2». Tal como indica a Fundéu, para o espanhol, o que também se aplica ao português, se se preferir lexicalizar o nome da doença, usando-o como substantivo comum, a palavra deverá ser escrita em minúsculas, não usando maiúscula inicial (covid-19). Quando se designa a doença pelo nome, será correta uma afirmação como «(A doença) COVID-19 continua a fazer vítimas».Cf. A locução «à tona de», o verbo discriminare o termo infodemia – campo aberto para manifestações de sinofobia
4. O professor universitário e tradutor Marco Neves lança, no dia 18 de fevereiro, um novo livro intitulado Almanaque da Língua Portuguesa (ed. Guerra e Paz). Trata-se de uma publicação que, segundo a editora, é «uma homenagem feliz à língua portuguesa. Aqui se contam histórias deliciosas, curiosidades e efemérides incríveis. Aqui se resolvem dúvidas e erros. Um livro divertido e inspirador». A obra inclui ainda as listas de erros mais irritantes e palavras mais feias e bonitas do português, na opinião dos leitores do blogue Certas Palavras.
5. «Se ti sabir, ti respondir; se non sabir, tazir, tazir»1. Esta frase retirada do Burguês gentil-homem, uma comédia ballê, de Molière, de alguma forma, soa-nos familiar, ao mesmo tempo que traz estranheza. Isso acontece porque está escrita não em francês mas em sabir, uma língua franca que se falou no Mediterrâneo durante séculos e que desapareceu completamente. Tratava-se de uma língua oral, usada como facilitadora por diplomatas, comerciantes e marinheiros e que resultava, julga-se, de uma mescla do italiano, com os seus dialetos, com espanhol, provençal, português, árabe, turco e línguas berberes. Seria falada no Mediterrâneo oriental e nos portos de Tripoli, Tunes e Argélia e ainda, possivelmente, em Marrocos. Estes e outros pormenores relacionados com o sabir poderão ser lidos no artigo da BBC News, redigido em espanhol (aqui).
6. A vida e a obra de João Malaca Casteleiro constituem o tema central dos programas produzidos pela Associação Ciberdúvidas da Língua Portuguesa para a rádio pública portuguesa. O linguista, recentemente falecido, é aqui evocado pelas palavras de Margarita Correia, professora da Faculdade de Letras de Lisboa e presidente do Conselho Científico do Instituto Internacional da Língua Portuguesa, e pelo gramático brasileiro Evanildo Bechara.
O programa Língua de Todos é repetido no sábado, dia 15 de fevereiro, depois do noticiário das 09h00; e o Páginas de Português tem repetição no sábado, dia 22 de fevereiro, às 15h30). Hora oficial de Portugal continental, ficando ambos os programas disponíveis posteriormente aqui e aqui.
1. «Se sabes, responderás; se não sabes, silêncio, silêncio.»