Na tradição gramatical de linha mais tradicional e purista, condenava-se o uso do verbo haver (e do verbo fazer) com valor de expressão temporal em situações em que não concordava com o tempo principal (veja-se nesta resposta a posição de gramáticos como Napoleão Mendes de Almeida ou Vasco Botelho de Amaral). Nesta linha, as frases (1) e (2) estariam corretas dada a concordância temporal do verbo haver com o verbo principal:
(1) «O João trabalhava naquele local havia muitos anos.»
(2) «O João trabalha neste local há muitos anos.»
No entanto, atendendo aos usos atuais do verbo haver, nas situações em que expressa um valor de tempo adjunto1, não me parece que se possam considerar incorretos os usos que não se regem pela concordância verbal entre o tempo do verbo principal e o tempo do verbo haver, pelo que será aceitável uma frase como (3) na qual o verbo haver se refere a um evento passado:
(3) «O João trabalhava naquele local há dois anos.»
Aliás, a frequência deste uso parece indiciar um gramaticalização em curso (como o demonstra Móia no estudo aqui disponível).
Por estas razões, poderemos considerar aceitável a frase apresentada pelo consulente com o verbo flexionado tanto no presente como no pretérito imperfeito:
(4) «Não trabalhava há/havia dois anos.»
Não obstante, note-se que a combinação do tempo do verbo haver com o tempo do verbo principal pode expressar valores distintos que convém ter em consideração. O verbo haver pode surgir em expressões temporais de localização temporal:
(5) «Este incidente aconteceu há dois anos.» (assinala o momento temporal do evento)
Poderá também surgir em expressões temporais de duração:
(6) «Eu falo sobre este incidente há dois anos.» (expressa a duração do evento denotado pelo verbo principal – falar–)
Assim, ao combinar-se com o verbo principal e com os tempos em que este é flexionado, o verbo haver pode expressar, como vimos em (6) a duração, se concordar com o tempo do verbo principal:
(7) «O João faz este trabalho há dois anos.» (presente à presente)
(8) «O João fazia este trabalho havia dois anos.» (pretérito imperfeito à pretérito imperfeito)
Todavia, numa frase como (9), a opção pela não concordância com o tempo do verbo principal torna a frase dúbia, pois não fica claro se a expressão com haver expressa duração ou localização temporal:
(9) «O João fazia este trabalho há dois anos.»
A forma de desfazer a ambiguidade, não existindo outros dados do contexto que condicionem a interpretação, passará pela concordância temporal (como em (8)), para expressar a duração, ou pela associação da partícula atrás à frase, para expressar a localização:
(10) «O João fazia este trabalho há dois anos atrás2.»
Nos casos em que o verbo principal localiza um evento no passado, apresentando-o como concluído, a opção pelo presente do verbo haver parece ser a única opção disponível (considerando um momento de enunciação presente como referência):
(11) «O João fez este trabalho há dois anos.»
(12) «*O João fez este trabalho houve dois anos.»
Atendendo ao que ficou aqui dito, julgamos que as duas últimas frases apresentadas pelo consulente têm uma leitura preferencial de localização temporal, daí a opção pelo presente do verbo haver (considerando, de novo, o momento de enunciação presente como referência):
(13) «Aquelas ideias já foram esquecidas há tempos (atrás).»
(14) «Estive nos Estados Unidos há dois anos (atrás).»
Disponha sempre!
*assinala a inaceitabilidade da frase.
1. Este conceito refere-se às expressões não obrigatórias que, na frase, dão informações temporais. Cf. Raposo et al., Gramática do português. Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 557-581.
2. O uso de atrás em expressões temporais introduzidas pelo verbo haver tem sido muito criticado pelo facto de ser um expressão redundante. Aceitamo-la por duas razões: (i) porque consideramos que a expressão «há x tempo atrás» tem já algum grau de cristalização, pelo que os falantes a usam sem noção do valor individual de cada um dos seus constituintes: (ii) porque funciona como um teste de natureza sintático-semântica útil para analisar a função da expressão temporal (de localização ou de duração).