Antologia - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
 
Início Outros Antologia Portugal
Textos de autores lusófonos sobre a língua portuguesa, de diferentes épocas.
Já me fizeram cargo os meus censores
de ter muito latim portuguesado.
Mais honra me fizeram que eu mereço.
em dar sobejo preço os tais senhores,
dar sobeja importância a quatro trovas
que nuns borrões lancei por desenfado.
e à luz dei só por míngua de dinheiro.
Mas, pois tão alto vai esse arruído,
permitam-me acudir por meu cliente.
Se cunho português dei a latinas
vozes, e é crime pôr-lhe cunho alheio.
réus desse crime...

Bem sei, Ilustríssimo Senhor, que me acusarão de gastar assim o tempo nestas particularidades que pertencem à meninice, de um modo tão rasteiro e fora do discurso quer ninguém, que pretende a algum grau de literatura, gastar o seu tempo em ler o que escrevo. Mas não o julgou assim Plutarco, Quintiliano nem aqueles restauradores das letras humanas  Erasmo nem Luís Vives, em muitas das suas obras, ainda que decorado com o horroroso cargo de mestre de Filipe II. Estes referidos autores pus...

Não direi:
Que o silêncio me sufoca e me amordaça.
Calado estou, calado estarei,

Pois que a língua que falo é doutra raça.
Palavras consumidas se acumulam,
Se represam, cisterna de águas mortas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,

Vasa de fundo em que há raízes tortas.
Não direi:
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que me não conhecem.

Nem...
Musa língua é o que é
Cavalo marinho arborescente
Algibeira virando bolso
Língua de palmo, amiga da onça
Nuínha, sem agás
Pé de meia, língua de vaca
Sodades só do trema, nada
Não, atacador sem laço, ó cedilha
Há-de haver a tua vez.

A musa é eu?

Paris, 6 de Junho de 1790



Lembras-me, amigo Brito, quando a pluma
Para escrever, magnânimo, meneio.
Ama o meu Brito a lusitana língua,
Pura como ele, enérgica, abastada,
Estreme de bastardo francesismo
E que a joio não trave 2 de enxacoco 3;
E quando lê, rejeita a frase espúria
...


Fuja daqui o odioso
Profano vulgo1, eu canto
As brandas Musas, a uns espíritos dados
Dos Céus ao novo canto
Heróico, e generoso
Nunca ouvido dos nossos bons passados.
Neste sejam cantados
Altos Reis, altos feitos,
Costume-se este ar nosso à Lira 2nova.
Acendei vossos peitos,
Engenhos bem criados.
Do fogo, que o Mundo outea vez renova.
Cada um faça alta prova
De seu espírito em tantas
Portuguesas conquistas, e vitórias,
De ...

O céu 'strela o azul e tem grandeza.
Este, que teve a fama e à glória tem,
Imperador da língua portuguesa,
Foi-nos um céu também.

No imenso espaço do seu meditar,
Constelado de forma e de visão,
Surge, prenúncio claro do luar,
El-Rei D. Sebastião.

Mas não, não é luar: é luz do etéreo.
É um dia; e, no céu amplo de desejo,

A madrugada irreal do Quinto Império
Doira as margens do Tejo.




Pomo gerado entre a pedra e a abelha
do pólen do silêncio.
Um súbito desejo te desperta
luz viva em fibras de coragem.

Ardes em labaredas sobre a mesa
onde desperto te incendeio.

Forma exacta cintilas pululando
na memória. Ó ar! Ó espiga!

E passáro e flecha sobre mim revoas.
Que mão resiste? Que bosque?

Como um cão caminhas no meu rosto
e a mão segue os teus passos, verdadeira.

Em cachos perduras na memória
de todas as coisas viva...

Até podem não ser nada complicadas a falar nem na sua maneira de ser. Até é possível que sejam pessoas extremamente simpáticas e de trato agradável. Mas aí está. Por qualquer razão que pode ser simplesmente o desempenharem um cargo importante, o usarem um nome ilustre, o terem uma fortuna considerável, as referências que lhes são feitas trazem o tal verbo complicado. E então o senhor não vai, desloca-se; o senhor Sicrano não fala, usa da palavra; o senhor Beltrano não estuda um assunto, debru...

A língua é um instrumento de prazer. Por vezes doce, por vezes amarga.
Para usar e abusar. Para aceitar e para recusar. Para dizer. Para amar. Para
mentir. Para lutar. Para viver.

A língua pode ser meiga, suave, túrgida, bífida, trabalhadeira. Ou então
brusca, áspera, terrível, iracunda, traiçoeira. Como os sentimentos. À flor da
pele.