Trata-se de uma variante, entre outras (p.ex. trougue), do radical do pretérito perfeito do indicativo do verbo trazer. São formas bastantes antigas e tinham até ao século XX (ou ainda têm) uso dialetal. Surgiram por analogia com houve, 3.ª pessoa do singular do pretérito perfeito de haver.
Sobre a génese desta e doutras variantes de trouxe, diz o filólogo e linguista francês Paul Teyssier (1915-2002), no seu estudo A Língua de Gil Vicente (Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2005; manteve-se a ortografia do original):
«[As formas de perfeito] oferecem-nos um bom exemplo das acções e reacções analógicas que interferem na formação das flexões verbais. Gil Vicente diz normalmente trouxe, como a língua literária moderna. Este trouxe representa foneticamente *tracsui, que deve derivar do perfeito clássico traxi, cuja terminação terá sido modificada por analogia com os perfeitos em -ui do tipo placui, jacui. Quanto à variante rústica trougue, resultada mesma acção analógica, mas que se verificou de modo mais completo: segundo o modelo de placere, placui, e de jacere, jacui, ter-se-á formado *tracere, *tracui, e daí, por evolução fonética normal, tracui >trougue, como placui > prougue e jacui>jougue. Finalmente, a terceira forma atestada em Gil Vicente, trouve, que, como vimos, também tem nítido valor rústico, é o resultado de uma outra analogia, que consistiu em assimilar todos os perfeitos em -ougue a houve, perfeito de haver: disse-se trouve em vez de trougue, como prouve em vez de prougue e jouve em vez de jougue.»1
Será, portanto, de trouve que decorre troube, forma que exibe a chamada"confusão de v com b", o betacismo tão característico dos dialetos setentrionais portugueses.
1 Ver também Edwin B. Williams, Do Latim ao Português (Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 2001, pp. 245/246).