Aceitam-se as expressões indefinidas «um certo» e «um outro», apesar de a associação dos seus elementos constituintes – por um lado, um, uma, e, por outro, certo e outra – gerarem entre si alguma redundância, visto todos indicarem «coisa ou alguém não definido» (no caso de certo, será mais a referência a uma entidade que, podendo definir-se, não se identifica claramente). Por esta razão, há quem considere que «um certo» e «uma outra» são expressões incorretas, induzidas pelo francês. No entanto, trata-se de usos enraizados na língua, que até se justificam em certos contextos – por exemplo, «um certo Leonardo pintou a Mona Lisa».
Mas, para remontar à doutrina de alguns gramáticos normativistas, refira-se, por exemplo, que Rodrigo Sá Nogueira (Dicionário de Erros e Problemas de Linguagem, Lisboa, Clássica Editora, 1989, p. 362/363) não tinha dúvidas em condenar «um certo», argumentando assim:
«Um, uma, uns, umas são formas do artigo indefinido, e certo, certa, certos, certas são formas de um adjetivo definido. Ora, não é lógico ligar uma ideia indefinida com uma definida. – Pode argumentar-se deste modo: – mas é que hoje o adjetivo certo adquiriu valor indefinido. Assim, quando digo: "certos indivíduos têm por costume...", não pretendo "determinar, definir os indivíduos, a que me refiro...", mas dizer que "alguns indivíduos têm por costume..." – Se assim é, teremos que a construção "um certo indivíduo..." equivale a "Um algum indivíduo...", o que seria uma construção pleonástica [...].»
Também «um outro» deveria ser rejeitado, segundo Sá Nogueira (idem, p. 365):
«Um, uma, uns, umas são formas do artigo indefinido, e outro, outra, outros, outras são formas de um adjetivo definido ou indefinido [...]: se vai precedido do artigo definido o, a, os, as, ele é definido, é "um de entre dois", ele corresponde ao lat. alter, [alter]a, [alter]um; se vai só, ele é indefinido, é "um de entre muitos", "um qualquer", ele corresponde ao lat. alius, [ali]a , [ali]ud. - Na expressão "Tenho um outro livro", pois, há dois elementos indefinidos: "um" e "outro", o que constitui uma espécie de pleonasmo [...].»
Já Vasco Botelho de Amaral, no seu Grande Dicionário de Subtilezas e Dificuldades do Idioma Português (1958), não condenava totalmente o uso de «um certo» e «um outro», porque os encontrava nos autores clássicos portugueses, embora fizesse advertências sobre para o seu abuso:
«Um certo. Denota subserviência ao francês o uso exagerado de um certo, uma certa, etc. Há muitas vezes grande vantagem na omissão do indefinido. O emprego moderado não pode, contudo, criticar-se. Vejamos: "o nome ilustre a um certo amor obriga" (Os Lusíadas, II, 58); [...] "um certo perfume de santidade"(O Monge de Cister, II, 94). Em Camilo é frequentíssimo um certo, uma certa, uns certos, umas certas [...].»
«Um outro. O seu abuso é afrancesado. Empregando a expressão moderadamente, imitaremos Rui de Pina, Vieira, Latino [Coelho], Camilo, etc., etc. [...].»
Em suma, à luz de alguma doutrina normativa, atendendo a que mesmo entre autores clássicos se acham as expressões em causa, aceita-se o emprego de «um certo» e «um outro», tendo sempre em mente, porém, que também estarão (quase) sempre disponíveis «certo» e «outro», sem artigo indefinido, com vantagem para a economia e concisão do estilo.