Não é de fácil resposta a questão que apresenta. Com efeito, o conceito de abstracto não é tão fácil de delimitar, nem mesmo de descrever, como gostaríamos. Não foi por acaso que este conceito foi retirado da TLEBS ou, como agora se diz, Dicionário Terminológico.
Vejamos o que nos dizem os gramáticos. Segundo Cunha e Cintra, na Nova Gramática do Português Contemporâneo, os nomes concretos designam os seres propriamente ditos; «nomes de pessoas, de lugares, de instituições, de um género, de uma espécie ou de um dos seus representantes». Dão como exemplo: «homem, Pedro, Maria, cidade, Lisboa, Brasil, senado, fórum, clero, árvore, cedro, Acaiaca [município brasileiro], cão, cavalo, Rocinante». Os nomes abstractos designam «noções, acções, estados e qualidades considerados como seres». Dão como exemplo: justiça, verdade, glória, colheita, viagem, opinião, velhice, doença, limpeza, largura, optimismo, caridade, bondade, doçura, ira (págs. 177 e 178).
Evanildo Bechara, na Moderna Gramática Portuguesa, págs. 112 e 113, diz que os nomes concretos «designam seres de existência independente: casa, mar, sol, automóvel, filho, mãe». Acrescenta que «nomeiam pessoas, lugares, animais, vegetais, minerais e coisas». Dos nomes abstractos, diz que designam «seres de existência dependente» e dá como exemplo: prazer, beijo, trabalho, saída, beleza, cansaço. Diz ainda que «nomeiam ações (beijo, trabalho, cansaço), estados e qualidades (prazer, beleza) considerados fora dos seres como se tivessem existência individual».
Inês Duarte e Fátima Oliveira, na Gramática da Língua Portuguesa, Mira Mateus e outras, págs. 211 e 212, analisando frases em que entram os nomes urso, verdade, rapto e gulodice, falam de diferentes valores de abstracção ou de concretude, considerando urso mais concreto do que rapto, uma vez que designa um objecto físico, animado, localizável no tempo e no espaço. Rapto designa um evento que pode igualmente ser localizado no espaço e no tempo. Estabelecem com estas quatro palavras uma escala de três posições, considerando urso mais concreto do que rapto, e este mais concreto do que gulodice e verdade.
Também Mário Vilela, na Gramática da Língua Portuguesa, e Rodrigues Lapa, na Estilística da Língua Portuguesa, referem a dificuldade de delimitar, com rigor, nomes concretos e nomes abstractos. Este último dá exemplos de contextos em que a mesma palavra pode ser mais ou menos abstracta. Filipe Azevedo refere igualmente que, mais do que um contraste entre concreto e abstracto, há uma escala com níveis diversos de abstracção para a qual contribui muitas vezes o contexto. Associa igualmente alguns nomes abstractos aos nomes não-contáveis.
Voltemos à palavra ano. Se tivermos em conta a definição de Cunha e Cintra, consideraremos ano um nome abstracto, pois não se enquadra na definição apresentada para os nomes concretos, podendo ser inserido nas noções. Por outro lado, trata-se de uma realidade mensurável, subdivisão de um conceito mais abstracto, que é tempo. Poderíamos então dizer que ano é mais concreto do que tempo, tão concreto, que dele medimos a duração exacta, rigorosa. Poderemos também dizer que a palavra ano pode surgir em contextos em que é mais concreta do que noutros. Na expressão «No ano em que eu nasci», a palavra tem um valor mais concreto, parece-me, do que em «verdes anos» ou em «Foram anos difíceis».
É, pois, difícil garantir o grau de abstracção ou de concretude de algumas palavras, entre as quais parece situar-se ano.