Com efeito, poderemos considerar a existência de elipse nas frases apresentadas pelo consulente.
A frase «Eu nunca sei como, quando e onde ele vai atacar» terá a seguinte realização plena :
(1) «Eu nunca sei como ele vai atacar, quando ele vai atacar e onde ele vai atacar.»
A frase é composta por três orações coordenadas, apresentadas elipticamente. A elipse permite omitir a oração «ele vai atacar».
Há também elipse em «O cão morrerá, se não de fome, de sede», uma vez que a frase corresponde à seguinte frase plena:
(2) «Se não morrer de fome, o cão morrerá de sede.»
Neste caso, deu-se a elipse da forma verbal morrer, que é recuperada pelo contexto.
Disponha sempre!
N. E. (20/02/2024) – Sobre a resposta acima apresentada, o gramático Fernando Pestana enviou as seguintes observações:
«Se me permitem discordar da análise feita sobre a primeira oração, não creio haver elipse.
Se há elipse em "Eu nunca sei como, quando e onde ele vai atacar", o que nos impediria de ver elipse em "Convidei o João e o Pedro"? Nada.
No entanto, tanto nesta como naquela, a conjunção e liga termos coordenados, de mesma classificação morfossintática, e não orações: «o João e o Pedro» (núcleos nominais, objetos diretos); «como, quando e onde» (advérbios interrogativos; adjuntos adverbiais).
Se há elipse em «Eu nunca sei como, quando e onde ele vai atacar», também haveria elipse em «Como, quando e onde ele vai atacar?», o que não me parece adequado, pois os advérbios coordenados incidem, em conjunto, sobre a locução verbal, de modo que há apenas uma oração em todos esses exemplos.
Talvez por necessidade de maior esclarecimento, sublinho: o ponto é que as conjunções têm dois papéis basilares na construção das frases: (a) ligam termos de mesma classificação morfossintática e (b) ligam orações.
No caso do «como, quando e onde», o e cumpre o papel (a), de modo que me parece descartada a hipótese da elipse oracional, pois, se assim fosse, a conjunção praticamente sempre ligaria orações, e não termos de mesma classificação morfossintática, havendo elipse em todas as orações abaixo:
1. Ela é linda e inteligente.
2. Comprei uma TV e um celular.
3. Gosto de morango e de uva.
4. Dei um presente à Maria e ao João.
5. Tenho necessidade de carinho e de compreensão.
6. A casa foi fechada pelo Pedro e pela Sandra.
7. Não quero saber quando, onde e como você os ajudará, mas sei que o fará.
Isto é, a leitura sintática obrigatória teria de ser forçosamente esta:
1. Ela é linda e É inteligente.
2. Comprei uma TV e COMPREI um celular.
3. Gosto de morango e GOSTO de uva.
4. Dei um presente à Maria e DEI UM PRESENTE ao João.
5. Tenho necessidade de carinho e TENHO NECESSIDADE de compreensão.
6. A casa foi fechada pelo Pedro e FOI FECHADA pela Sandra.
7. Não quero saber quando VOCÊ OS AJUDARÁ, onde VOCÊ OS AJUDARÁ e como você os ajudará, mas sei que o fará. [...]»
Acerca das observações de Fernando Pestana, a réplica da consultora Carla Marques:
«O conceito de elipse não é estilístico. Descreve a situação em que na frase há material linguístico omitido que "é semanticamente recuperável de modo explícito a partir de expressões linguísticas que ocorrem no mesmo enunciado em num enunciado anterior [...] ou a partir do contexto situacional" (Raposo, Gramática do Português, p. 2351). A elipse pode afetar domínios nominais ou domínios frásicos e ocorre desde que o contexto permita recuperar o material linguístico omitido. Pode ter natureza anafórica ou catafórica e o material elítico é idêntico ao material antecedente, o que permite a recuperação.
No caso em apreço, não consideramos que se trate de uma simples coordenação porque a omissão do material antecedente (neste caso, catafórico) leva à agramaticalidade:
(1) "*Eu nunca sei como."
Se lermos esta frase, teremos sempre tendência a recuperar algum material linguístico, o que sem contexto não será possível.
Esta situação é diferente de uma coordenação de grupos nominais, por exemplo. Veja-se a gramaticalidade de (3), em que se omitiu um dos elementos coordenados em (2):
(2) "Eu vi o Luís e a Rita."
(3) "Eu vi o Luís."
Isto significa que a coordenação de substantivos ou adjetivos tem uma natureza distinta da coordenação de advérbios interrogativos, que não são autónomos e sempre incidem sobre material linguístico para dar corpo à interrogação.
Assim, concluímos que a frase em análise só é gramatical porque a recuperação do material linguístico leva a que se possa preencher o constituinte oracional que é introduzido pelos advérbios interrogativos, o que acontece tanto numa interrogativa direta como indireta, como se vê em (4) e (5), onde (5) precisa de contexto para ser aceitável:
(4) "Como e quando vens?"
(5) ?"Como?"»