Em relação à primeira pergunta, uma correção: em escola e veado, figura um e, que é uma letra (ou melhor um grafema), e não um som.
Relativamente ao problema levantado – ensinar o uso do grafema <e> em início de palavra (escola) ou no meio (veado) quando o som associado a este grafema é pronunciado [i] -, deve observar-se que muitas vezes o grafema e corresponde a um [i] na pronúncia. Por exemplo, na pronúncia padrão do português de Portugal, a letra e, em começo absoluto de palavra, lê-se e pronuncia-se geralmente como [i], quando corresponde a vogal átona seguida de consoante: elefante = [i]lefante, [i]xame1.
Aceitando que na aprendizagem da leitura e da escrita se deve partir do som para a ortografia2, não se afigura difícil explicar que o grafema e no começo de escola, como os de espaço, escada, estar ou esmagar, se pronuncia [i]. Também a letra e que se escreve no interior de palavra, como em veado ou geografia, imediatamente antes de letra vocálica – a ou o –, representa um [i], que se encontra em sílaba átona e é seguido de vogal tónica.
Devem, porém, assinalar-se certas oscilações regionais na pronúncia deste e inicial, as quais podem chegar ao extremo de este grafema não ter realização fonética. É o que se verifica, por exemplo, na pronúncia corrente do português europeu centro-meridional nos casos acima mencionados: escola – "chcola"; espaço – "chpaço"; escada – "chcada"; estar – "chtar" (na fala popular, reduzido a "tar"); esmagar – "jmagar"3. Neste caso, não é descabido adotar uma pronúncia mais lenta e articular o chamado «e mudo», ou seja, o e que se escreve, por exemplo, em levar ou monte e cujo símbolo fonético é [ɨ]4. Sabendo, portanto, que a letra e representa vários sons e que, entre eles, se conta o referido «e mudo», palavras como escola ou esmagar poderão soar como [ɨ]scola e [ɨ]smagar, assim se materializando o som que permite validar a letra e na leitura dessas palavras.
1 Contudo, não é infrequente entre falantes de Portugal pronunciar o grafema <e> de elefante ou exame ou como [e] (ê fechado): [e]lefante, [e]xame.
2 Sobre a prioridade do som na metodologia do ensino-aprendizagem da leitura e da escrita, sustentam as linguistas Maria João Freitas, Dina Alves e Teresa Costa (Maria João Freitas, Dina Alves e Teresa Costa, O Conhecimento da Língua: Desenvolver a Consciência Fonológica, Lisboa: Ministério da Educação/ Direcção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular, 2007, p. 22): «Em termos de metodologia de iniciação à leitura e à escrita, a questão que se coloca é a seguinte: devemos (1) partir do som para chegar ao grafema ou (2) partir do grafema para chegar ao som? Por ser a oralidade o modo que é mais familiar à criança, devemos ter a oralidade como ponto de partida e a escrita como ponto de chegada. A orientação na apresentação das unidades, nos momentos iniciais, deve corresponder a 'o som x é representado, na escrita, pela letra y ' [...].»
3 Sempre com o s chiado, isto é, com uma fricativa palatal, surda ou vozeada, conforme os contextos, como é típico do português de Portugal antes de outra consoante. O símbolo fonético da fricativa palatal surda é [ʃ], e o da fricativa palatal vozeada é [ʒ].
4 Em relação à pronúncia da sequência inicial es- seguida de consoante em palavras como escreve e estrelinha, um estudo indica que as crianças pequenas começam apenas por produzir a oclusiva (por exemplo, nos vocábulos mencionados os sons representados por c e t), para, num segundo estádio, produzirem a vogal [ɨ] seguida ou não da consoante fricativa (ver nota 3) – cf. Maria João Freitas, "A sílaba na gramática do adulto e na aquisição da língua materna, in Manual de Linguística Portuguesa, Berlin/ Boston: De Gruyter, 2016, pp. 678-680. Note-se que, neste estudo se menciona a palavra escola para «[...] dar conta da esporádica presença de [ɨ] inicial em algumas produções artificiais do português europeu padrão ([ɨ]scola)» (p. 680), possibilidade também referida na Gramática do Português (Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2013-2020, p. 3310, n. 165). O recurso aqui proposto, de adotar uma pronúncia pausada de modo a fazer emergir a vogal [ɨ], poderá, portanto, afigurar-se artificial, mas não totalmente, uma vez que a realização de um segmento vocálico no início de escola e outras palavras começadas por esc- parece latente no conhecimento dos falantes da infância à idade adulta.