Apesar de o linguista inglês David Crystal considerar como língua materna (LM) o repertório de usos e construções de uma criança de 5/6 anos, idade que marca o período crítico de aquisição de LM, a verdade é que este conceito não se restringe a essa frase.
Com efeito, em qualquer lugar do mundo, uma criança adquire como sua LM a que é falada no seio da família e comunidade em que se insere. Este processo é constituído por uma sucessão de hábitos, isto é, de respostas aos estímulos que advêm do mundo extralinguístico. Contudo, muitos estudiosos entendem que o período crítico de aquisição de LM extrapola esta idade e só termina na puberdade, período que coincide com o final do processo de lateralização1 das funções linguísticas no hemisfério esquerdo do cérebro.
O processo de aquisição da LM, por seu lado, ocorre num contexto em que o jovem ainda não ingressou no ensino. Na escola, a criança passa a ter língua portuguesa (no caso de Portugal ou Brasil) numa perspetiva de ensino de língua materna. Não significa isto que vai aprender a sua LM como aprende a matemática, onde os seus conhecimentos são rudimentares, mas, sim, que vai aprender, além do código da escrita, estruturas que, não lhe sendo estritamente desconhecidas, são invulgares e têm menos frequência de uso na oralidade, como é o caso da mesóclise. Sendo assim, não se pode considerar que «construções que têm baixa ocorrência na língua do povo» não sejam parte integrante da língua materna de um falante.
1 A lateralização corresponde à forma como as funções neurológicas são mais dominantes de um lado do cérebro do que do outro. Ver:
Ferreira, Tânia (2011). Padrões na Aquisição/Aprendizagem da Marcação do Género Nominal em Português como L2. Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, pp- 9 - 10.
Martins, Cristina (2016). O papel diferenciado de subsistemas de memória de longo prazo nos processos de aquisição e de aprendizagem de uma L2. In: A Línguagem na Pólis. Imprensa da Universidade de Coimbra, p. 15.