DÚVIDAS

«Loja do Cidadão» vs. «Loja de Cidadão»

A atribuição [da] designação «loja do cidadão» parece coerente e em uso desde que tal instalação passou a ser disponibilizada.

Contudo, pretendeu-se "reescrever a história" em Leiria, e algum intelecto, talvez instalado num corpo feminino, o que não sei, ou, talvez um pretenso arauto das novas ideologias de género, entendeu que passe a ser «loja de cidadão», substituindo a partícula do por de. Pensei tratar-se de um engano na identificação na entrada, mas concluí que em todos os locais assim se afixa. Aparenta-se estar perante a idiossincrasia de um indivíduo ou grupo que livremente dispõe de nós (quase) todos para se impor. Em todo o caso, o que gostarei de saber é mesmo se a língua portuguesa sai ou não vilipendiada e como se deve escrever e designar a referida loja.

Agradeço.

Resposta

Os espaços de atendimento que, em Portugal, eram denominados Lojas do Cidadão, conforme o Decreto-Lei 74/2014 de 13 de maio, passaram a ser referidos por Lojas de Cidadão1, de acordo com o disposto no n.º 2 do art.º 6.º do Decreto-Lei 105/2017 de 23 de agosto - citamos:

«2 — Para efeitos de republicação, onde se lê «Lojas do Cidadão», «Loja do Cidadão», «Espaços do Cidadão» ou «Espaço do Cidadão», deve ler -se, respetivamente, «Lojas de Cidadão», «Loja de Cidadão», «Espaços Cidadão» ou «Espaço Cidadão»»

No documento citado, não se explica a que se deve a alteração.

Supondo, como o consulente sugere, que à alteração assistiu alguma preocupação com questões de igualdade de género, pode admitir-se que a intenção do uso do nome cidadão sem artigo definido terá sido a de esbater a assimetria do contraste de género no plural, já que é o masculino que prevalece na concordância adjetival com nomes de géneros diferentes coordenados (p. ex., «o João e a Rita estão cansados», e não *«o João e a Rita estão cansadas»).

Não configura a alteração feita pelo legislador um erro linguístico, pois a supressão do artigo definido tem muitas vezes o efeito de conferir características adjetivais ao substantivo:

(1) roupa de criança – roupa infantil

(2) roupa de homem – roupa masculina

(3) médico de família – médico "familiar"

No entanto, se a intenção foi atenuar a redundância e o reforço de marcas do género masculino (a do artigo definido masculino o e a do nome cidadão), cabe duvidar da eficácia de tal alteração. Na verdade, o género masculino está gramaticalizado, razão por que sempre coincide referencialmente com sexo ou género concretos, como acontece com as denominações de entidades não animadas – «o leite», «a ponte» –, cujo género é arbitrário2. Na alteração no referido decreto-lei, não se conseguiu evitar o emprego da forma cidadão, gramaticalmente pertencente ao género masculino, mas também usado no plural – cidadãos – como forma comum aos dois géneros, o que determina que se diga (pelo menos, por enquanto) «o João e a Rita são cidadãos portugueses», e não *«o João e a Rita são cidadãs portuguesas».

Por último, não parece, portanto, que haja na mudança em causa uma incorreção que conduza ao desvirtuamento da língua portuguesa. O que terá existido foi a procura de uma neutralização da palavra cidadão com resultados duvidosos, se é que a intenção foi atender à chamada linguagem inclusiva.

1 Em Portugal, uma Loja de Cidadão consiste num espaço de prestação de serviços públicos que reúne várias entidades públicas e privadas, «com o objetivo de facilitar a relação dos cidadãos e das empresas com a administração pública» (Agência para a Modernização Administrativa; página consultada em 07/02/2020).

2 A comparação com línguas irmãs do português aponta para isso mesmo: por exemplo, em castelhano, la leche, que é do género feminino, é o mesmo que «o leite»; e el puente, no masculino, corresponde «a ponte».

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