É importante refletirmos, antes de mais, acerca do uso do pronome você em português de Portugal. Ainda hoje, no padrão do português europeu, o uso explícito você no tratamento entre interlocutores pode ser considerado pouco delicado ou ofensivo, nomeadamente pelos falantes mais cultos ou mais velhos. Assim, é mais polido usar formas mais tradicionais, como o senhor ou o nome da pessoa a quem nos dirigimos1.
Contudo, você torna-se forma de tratamento respeitosa em certas regiões e regionalmente ou socialmente marcada; em classes sociais mais altas, é até usado como forma de tratamento de intimidade. Por outro lado, é também verdade que há um alargamento notório do uso deste pronome como forma de tratamento, «principalmente entre as classes menos cultas e entre algumas pessoas das novas gerações, que generalizam o uso de você para se dirigirem, indiscriminadamente, a qualquer pessoa, contribuindo, assim, para atenuar distinções sociais ou geracionais» (Fundação Calouste Gulbenkian, Gramática do Português, pág, 2710)
Quanto ao uso da forma especial do pronome oblíquo usada com a preposição com – consigo –, ou o uso de si, são formas aceitáveis mesmo no discurso mais polido e sem margem de ofensa. Contudo, alguns falantes acham que são formas, ainda assim, demasiado diretas, e, portanto, preferem associar-lhe as expressões nominais como as ilustradas em (1) e (2):
(1) «Está tudo bem consigo, Dona Maria?»
(2) «Trouxe isto para si, Dona Maria.»
Note-se que o título dona pode pressupor alguma intimidade.
Há também quem opte por «com a Senhora» e «para a Senhora», como indicação de respeito:
(3) «Está tudo bem com a Senhora?»
(4) «Trouxe isto para a Senhora.»
Relativamente ao uso de vosso, convosco e com vocês, é de notar que, de facto, se não há tanta formalidade no discurso, a opção por estas formas é aceite – não há qualquer preferência pelo uso das formas convosco e com vocês:
(5) «O carro é vosso?»
(6) «Está tudo bem convosco?»
(7) «Está tudo bem com vocês?»
Ainda assim, não é demais referir que as restrições associadas ao uso de vocês – e das suas formas alternativas – não são exatamente as mesmas que as do pronome você: é comum a todas as classes sociais, «excepto no que respeita ao facto de esta forma de tratamento não ser aceite pelas gerações mais velhas e pelas pessoas mais cultas quando dirigidas a pessoas mais velhas ou hierarquicamente superiores» (ibidem, pág. 2713). Por isso, num contexto de alguma formalidade, será, também, aconselhável adotar construções que mitiguem o pronome (8) e (9):
(8) «O carro é dos Senhores?»
(9) «Está tudo bem com os Senhores?»
1 A Gramática do Português (pág, 2710), da fundação Calouste Gulbenkian, refere que: «na maioria dos dialectos do Brasil, você é bastante mais generalizado do que em português europeu, correspondendo a um uso informal, semelhantes aos do pronome tu em português europeu. É possível que o alargamento do uso de você em português europeu se deva a uma forte influência do português do Brasil devida às telenovelas brasileiras, com muita audiência em Portugal, e também à forte imigração de brasileiros para Portugal.»