Antes de mais, recorde-se que a «dêixis é um sistema de elementos linguísticos que dependem, para sua interpretação, do contexto situacional»1 e, em concreto, que a «dêixis espacial permite referir entidades através do seu posicionamento relativamente ao espaço ocupado pelos intervenientes no ato de enunciação, em particular o falante e o ouvinte.»2
Neste âmbito, há verbos de orientação espacial que, normalmente, ativam uma significação de orientação deítica, indicando o ponto de origem do movimento e/ou o final. É o caso de verbos como ir, vir, aproximar-se, afastar-se. Tomando o eu como ponto de referência de identificação do aqui, estes verbos indicam o movimento para um lugar longe do eu ou de um lugar para perto do eu.
No caso do verbo saltar, só o contexto nos poderá dizer se ele está a ser usado como verbo deítico indicador de movimento. Numa frase como a que se apresenta em (1), à partida o verbo tem o sentido de «impulsionar o corpo para se elevar do chão» (in Dicionário Priberam, em linha), pelo que não parece ter um uso deítico:
(1) «Naquele momento, eu saltei.»
Não obstante, em (2), o verbo, ao associar-se à preposição para, já constrói uma significação deítica, indicando um movimento que se orienta de perto para longe do eixo eu-aqui:
(2) «Naquele momento, eu saltei para a rua.»
O mesmo acontece em (3), onde se refere o ponto de origem e o ponto de destino do movimento:
(3) «Eu saltei da janela para a rua.»
Este é um assunto que exigiria um estudo do comportamento semântico do verbo saltar associado ao seu comportamento no contexto de referência deítica, o que não nos é possível aqui desenvolver.
Não obstante, poderemos concluir provisoriamente que, em contextos em que se associa as preposições indicadoras de movimento, o movimento expresso pelo verbo saltar pode ter uma interpretação deítica. Sem recurso a estes auxiliares deíticos, só o contexto poderá esclarecer se verbo expressa uma deslocação do posicionamento do eu (ou de alguém referido no discurso) de um aqui para um lá, o que poderá acontecer numa frase como (4):
(4) «Eu saltei a fogueira.»
Disponha sempre!
1. Raposo et al., Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian, p. 319.
2. Id., ibid., p. 395.