DÚVIDAS

Coordenação de modificadores do substantivo

Li no jornal Público a seguinte frase:

«Nas últimas duas semanas, 32 palestinianos e sete israelitas morreram na mais recente onda de violência em Jerusalém e na Cisjordânia – a mais grave dos últimos anos e que muitos consideram ser o início de uma terceira intifada (revolta), depois das iniciadas em 1987 e em 2000.»

A minha dúvida é a seguinte: é aceitável coordenar uma oração relativa com outra estrutura que não uma oração relativa? Ou seja, para escrever «e que» não temos de ter antes um que? Creio que a frase deveria ser como a apresento de seguida, mas queria ter a certeza:

«Nas últimas duas semanas, 32 palestinianos e sete israelitas morreram na mais recente onda de violência em Jerusalém e na Cisjordânia – que é a mais grave dos últimos anos e que muitos consideram ser o início de uma terceira intifada (revolta), depois das iniciadas em 1987 e em 2000.»

Muito obrigado.

Resposta

Gramaticalmente, ambas as frases estão corretas. A segunda pode ser mais explícita do ponto de vista sintático, mas a primeira aproveita a possibilidade de coordenar grupos sintáticos com a mesma função sintática – no caso, «a mais grave dos últimos anos» (que, afinal, é uma construção elíptica, porque omite certos elementos de uma oração que se subentendem: «a que é mais grave») e «que muitos consideram ser o início de uma terceira intifada (revolta)» são expressões de natureza adjetival, com a função de modificador apositivo.

É de assinalar que, na coordenação de grupos sintáticos, não é obrigatório que estes tenham o mesmo tipo de estrutura. Isto diz a Gramática do Português da Fundação Calouste Gulbenkian (2013, pág. 1768)[1]:

«As estruturas de coordenação mais típicas envolvem a coordenação de palavras ou de constituintes da mesma classe [...].

Nestes casos, existe paralelismo estrutural[2] entre os constituintes coordenados. O paralelismo estrutural, ainda que muito frequente, não é, contudo, um requisito absoluto das estruturas coordenadas. Assim, a coordenação de constituintes de classes sintagmáticas distintas é possível, como se ilustra em (21):

(21) a. Um molho [SA muito picante] e [SP com uma cor escura] acompanhava a carne.

       b. [SAdv Aqui] e [SP no rio Guadiana] apareceram cianobactérias que causaram a morte de muitos peixes.

       c. [SAdv Hoje] ou [Or sempre que precisares de algum livro], deves ir à biblioteca.

       d. Nas férias, ela só quer duas coisas: [SN um bom livro] e [Or que a deixem em paz].

       e. Os bombeiros não confirmaram [SN a natureza acidental do incêndio] nem [Or que o fogo continuava a alastrar].

[...] Existe, [...] nestes exemplos, um requisito de paralelismo funcional[3] e de paralelismo semântico[4] [...]. Isso significa que ambos os termos coordenados têm de desempenhar a mesma função gramatical e ter o mesmo valor semântico [...] que teriam caso ocorressem sozinhos na oração. [...]»

[1] N. E. – Siglas usadas na passagem citada: SA = sintagma adjetival; SP = sintagma preposicional; SAdv = sintagma adverbial; Or = oração; SN = sintagma nominal.

[2] N. E. – Quando se fala em paralelismo nos estudos literários e linguísticos, pretende-se dizer o mesmo que «semelhança ou correspondência entre construções» (cf. paralelismo no Dicionário Houaiss). Assim, por «paralelismo estrutural», entenda-se «semelhança estrutural entre constituintes da frase».

[3] N. E. – Por «paralelismo funcional», entenda-se «igual função sintática» (ver nota 3).

[4] N. E. – Por «paralelismo semântico», entenda-se «semelhança de significado» (ver nota 2).

ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de LisboaISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa