DÚVIDAS

Concordância de predicativo:
«ela é o novo diretor da escola»

Na Internet leio muitas vezes que a regra de uso dos substantivos biformes e uniformes é simples:

Os substantivos biformes possuem uma forma para o masculino e outra para o feminino:

Ele é um menino muito educado/Ela é uma menina que canta bem.

Ele é um ator famoso/Ela é uma atriz fantástica.

Já os substantivos uniformes têm uma só forma para ambos os géneros:

Ele é um estudante da FLUL/Ela é uma estudante da FLUL.

O João é o nosso principal cliente/A Joana é a nossa principal cliente.

Porém, já há muito tempo que reparei que nem sempre tal é o caso. Talvez esteja enganado, mas parece-me que com alguns substantivos biformes que possam ser referência tal como ao sexo masculino quer ao feminino, pode-se usar a forma masculina para representar ambos. Não sei bem porquê, mas as seguintes frases não soam tão estranho. Aliás, até me parece ser mais sofisticado que se usasse a regra acima descrita:

Ela é um deputado do Partido Socialista.

A Joana continua a ser um dos melhores alunos da nossa escola.

A minha mãe foi sempre um cidadão exemplar para a nossa sociedade.

A Paula Mendes exercerá temporariamente as funções de diretor da escola.

Quando crescer, ela diz que gostaria de ser um professor na escola onde estuda agora.

Marta Braga foi o último ministro da saúde competente que Portugal teve.

Resposta

A maioria das frases apresentadas têm uma justificação gramatical que analisaremos de seguida.

As construções apresentadas caracterizam-se por serem frases copulativas nas quais o predicativo do sujeito é um nome.

Nas frases copulativas que têm como predicativo do sujeito um adjetivo, normalmente tem lugar concordância entre o predicativo e o sujeito:

(1) «A Maria é simpática.»

(2) «A Rita é esperta.»

No entanto, nas construções que têm um nome como predicativo do sujeito, essa concordância não é considerada obrigatória. Neste âmbito, poderemos perspetivar duas situações, ambas entendidas como tendências gramaticais e não como regras normativas. Seguimos aqui a análise proposta na Gramática do Português1:

(i) «Quando o nome predicativo é um classificador ou um nome que define o tipo de entidade a que pertence o referente do sujeito – entre os quais se incluem os nomes que denotam uma profissão, um cargo, uma relação pessoal ou de família – existe uma forte tendência para se concordar o sujeito com o nome predicativo, sobretudo quando este tem duas versões em género bem estabelecidas»2;

(ii) «sobretudo como nomes de profissões ou de ocupações, a concordância não é de forma alguma obrigatória»3.

Assim sendo, fica clara a oscilação verificada sobretudo com os nomes de profissões ou ocupações, o que poderá justificar o uso do masculino no predicativo nas seguintes frases apresentadas pelo consulente:

(3) «Ela é um deputado do Partido Socialista.»

(4) «A Joana continua a ser um dos melhores alunos da nossa escola.»

(5) «A Paula Mendes exercerá temporariamente as funções de diretor da escola.»

(6) «Quando crescer, ela diz que gostaria de ser um professor na escola onde estuda agora.»

(7) «Marta Braga foi o último ministro da saúde competente que Portugal teve.»

Note-se que, em qualquer das frases, o feminino é também possível e, nalgumas situações, eventualmente a opção mais adotada.

Já na frase (8), poderá existir mais resistência à adoção do masculino no predicativo do sujeito, parecendo preferível o recurso ao género feminino:

(8) «?A minha mãe foi sempre um cidadão exemplar para a nossa sociedade.»

Pelo que ficou exposto atrás, a concordância em frases copulativas entre sujeito e predicativo, quando este é um nome, obedece sobretudo a razões de ordem pragmática, relacionadas com o género do referente do mundo natural ou com a assunção do nome de profissão (por exemplo) como um conceito e não associado a uma representação de género.

Disponha sempre!

 

? Indica a dúvida quanto à aceitabilidade da frase.

1. Raposo et al., Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 2420-2421.

2. Idem, ibid., p. 2420.

3. idem, ibid., p. 2421.

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