Na frase apresentada, poderemos identificar, pelo menos, dois atos ilocutórios assertivos.
Antes de mais, é importante observar que a frase abre com o verbo ilocutório1 crer. Ora, este verbo parece indicar, logo à partida, que a intenção do locutor passará por descrever uma dada situação, comprometendo-se com a verdade do enunciado apresentado2. Podemos confirmar que a frase apresentada em (1) apresenta as características básicas de uma asserção, através de uma sequência de enunciados que incide na sua verdade ou falsidade:
(1) A «– Creio que todas as etapas da vida têm defeitos e virtudes e seria pouco sagaz defender em absoluto uma delas em detrimento de outras.»
B «– Sim, tens razão.»
C «– Não, discordo.»
Note-se que se estivéssemos perante uma frase que configurasse um ato ilocutório compromissivo, por exemplo, esta sequência de enunciados já se revelaria inadequada:
(2) A «– Prometo que virei à festa.»
B *«– Sim, tens razão.»
C *«– Não, discordo.»
Relativamente à oração que termina a frase apresentada, esta poderá corresponder a um novo ato ilocutório. Neste caso, deverá existir uma pausa entre os dois atos ilocutórios, que a presença da vírgula já indicia. Esta oração poderia também constituir-se como uma frase independente, como em (3):
(3) «Creio que todas as etapas da vida têm defeitos e virtudes e seria pouco sagaz defender em absoluto uma delas em detrimento de outras. Nenhuma delas configura um período perfeito e idílico.»
A ser esta a interpretação adequada à intenção do locutor, esta segunda frase configura também ela um ato ilocutório assertivo, que poderá associar-se à frase anterior com a intenção de justificar a afirmação nela feita. Por essa razão, seria possível estabelecer a conexão entre as oração por meio do conector de valor explicativo pois:
(4) «Creio que todas as etapas da vida têm defeitos e virtudes e seria pouco sagaz defender em absoluto uma delas em detrimento de outras, pois nenhuma delas configura um período perfeito e idílico.»
Note-se, todavia, que esta interpretação levanta um novo problema de classificação, pois a oração coordenada explicativa apenas justifica a segunda oração coordenada: o facto de nenhuma etapa da vida configurar um período perfeito e idílico justifica o facto de se acreditar que seria pouco sagaz defender em absoluto uma delas em detrimento de outras. Deste ponto de vista, teríamos de considerar que a frase inicial encerra uma sequência de três atos ilocutórios assertivos.
Pelas razões expostas atrás, a frase em análise constitui um caso marcado por alguma complexidade, pelo que não será ideal para o início do estudo dos atos de fala.
Disponha sempre!
*Assinala a inadequação dos enunciados neste contexto.
1. O verbo ilocutório «é um verbo cujo conteúdo identifica uma forma ilocutória particular; constituem exemplos deste tipo de verbos, entre muitos outros [….]: informar, prometer, pedir, agradecer.» (Barbosa, Santos e Veloso in Raposo et al., Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian, p. 2519).
2. Cf. Id., ibid., p. 2521.