A expressão escreve-se corretamente1:
(1) «Benza-o Deus.»
A frase tem afinidade semântica com esta outra:
(2) «Oxalá que Deus o benza.»
A forma benza é o conjuntivo (ou subjuntivo, como se diz no Brasil) de benzer.
Na frase, não parece ocorrer, portanto, nenhum vocativo. O o aberto – como em mó, cujo símbolo fonético é [ɔ] –, que muitos falantes articulam, pelo menos, em Portugal, é o resultado fonético de um encontro vocálico, na ligação entre palavras na frase. Assim, é típico da oralidade a contração em o aberto de um -a átono e de um o, que pode marcar um artigo definido ou um pronome pessoal átono. Por exemplo, a frase «via o pai» soará "viò pai todos os dias" (transcrição fonética: [ˈviɔ paj]; e a sequência "via-o muito" pronuncia-se frequentemente como "viò muito" (transcrição fonética: [ˈviɔ ˈmũj̃tu]). O que aqui se descreve é, no fundo, muito semelhante, se não igual, ao que acontece às contrações de a e para com o artigo definido masculino o: ao («vou ao cinema») soa como "ó" («vou "ó" cinema»); e para o («para o povo») como "pró" («"pró" povo»)2.
A primeira frase em questão ilustrará, portanto, este fenómeno de ligação de palavras:
(3) «"Benzò" Deus.» [neste caso, o o aberto não é a interjeição de vocativo, mas emerge, sim, como foi dito, por causa do encontro vocálico «-a o»]
Quanto ao segundo exemplo em apreço, configura este um fenómeno sintático, com o apagamento do pronome pessoal o:
(4) «Benza Deus.» [suprime-se o pronome pessoal átono]
Tanto (3) como (4) são pronúncias aceitáveis numa situação de comunicação informal e representam até usos da fala espontânea, de que os falantes mal se apercebem. No entanto, em contextos que exigem formalidade, mesmo no discurso oral, espera-se que não se verifiquem.
1 A pergunta parece referir-se à exclamação «benza-o Deus», que exprime «admiração, ou [é usada] como voto da proteção de Deus, ou ironicamente (ora, benza-o Deus)» (Dicionário Houaiss). Pode, no entanto, supor-se que, por algum erro de interpretação de uma sequência fonética semelhante, se pretende antes falar da possibilidade de produzir uma frase como «benza, ó Deus». Se for este o caso, trata-se de uma sequência gramatical, em que «ó Deus» é um vocativo, a marcar o destinatário do chamamento. Contudo, do ponto de vista das fórmulas com as quais se interpela Deus, afigura-se menos habitual o emprego de verbos e pronomes pessoais na 3.ª pessoa do singular (ou seja, as formas que se usam com as formas de tratamento você e o senhor/a senhora). Observe-se que, em português, a tradição cristã católica associa formas da 2.ª pessoa do plural à palavra Deus, como acontece com o pai-nosso: «Pai nosso que estais no céu...» Entre protestantes, prefere-se a 2.ª pessoa do singular: «Pai nosso que estás nos céus....» (cf. Portal Luteranos e Igreja Luterana de Portugal).
2 Não foi possível atestar este fenómeno nas variedades do português do Brasil, no contexto das quais o consulente encontrou motivo para a questão levantada. Em relação ao português de Portugal, há registo desta transformação fonética no encadeamento frásico de palavras, como se verifica por dois exemplos apresentados por António Emiliano, em Fonética do Português Europeu (Lisboa, Guimarães Editores, 2009, p. 192): «conhecia-os [kuɲɨˈsiɔʃˈ]»; «pára os carros» [ˌpaɾɔʃˈkaʀuʃ]» (mantém -se a grafia pára, é anterior à prevista pelo Acordo Ortográfico de 1990, para, do verbo parar).