Muito se agradece a chamada atenção do consulente, que dá uma pista muito interessante para a história da ortografia da língua portuguesa. Trata-se, com efeito, de uma interpretação que parece apenas válida no Brasil.
O que diz Fernando Pestana decorre do que se lê nas normas ortográficas vigentes no Brasil e em Portugal nos últimos 75 anos. Por exemplo, no Formulário Ortográfico de 1943, que vigorou no Brasil até 2009, lia-se que (XII, 43):
«16ª – O acento grave assinala as contrações da preposição a com o artigo a e com os adjetivos ou pronomes demonstrativos a, aquele, aqueloutro, aquilo, os quais se escreverão assim: á, às, àquele, àquela, àqueles, àquelas, àquilo, àqueloutro, àqueloutra, àqueloutros, àqueloutras.»
No Brasil, a norma ortográfica de 1943 só previa, portanto, o acento grave nas contrações da preposição a com o artigo definido a. O Acordo Ortográfico de 1945 e o atual Acordo Ortográfico de 1990, que é hoje comum ao Brasil e Portugal, não se afastam deste preceito, o qual fará supor, por exemplo, a locução «à vista» se escreve assim porque o à constitui uma contração. Em Portugal, assim se julga, até porque é o que sugere a sua pronúncia como "a" aberto, claramente contrastada com a pronúncia da preposição a e do artigo definido, que, isoladamente, soam com "a" fechado.
Contudo, tem fundamento histórico e justifica-se a visão de Manoel P. Ribeiro e de Evanildo Bechara, a qual é, afinal devedora de Manoel Said Ali, que assinalou, num estudo intitulado "O acento em á" (inserto em Meios de Expressão e Alterações Semânticas, São Paulo/Belo Horizonte, 1930, pp. 7-20), que a grafia à não marca uma contração (não representa, portanto, uma crase), mas, sim, a simples preposição a. Segundo Said Ali, o acento serve, como servia no passado (podia aplicar-se o acento agudo em alternativa), apenas para indicar que a vogal é francamente aberta, e não fechada como, em português de Portugal, se ouve, por exemplo, «a ferro e fogo». Sendo assim, «à bala» ou «à faca» são, historicamente, locuções que incluem apenas a preposição, e não uma contração.
Em suma, Manoel P. Ribeiro e Bechara estão bem apoiados no que afirmam acerca da ocorrência de à em muitas locuções.