Vasco Botelho do Amaral, no seu Glossário Crítico das Dificuldades do Idioma Português (Porto, Ed. Domingos Barreira, 1947, pp. 53-54), regista a expressão «boceta de Pandora» como «uma poética imagem [...] muito empregada pelos literatos», simbolizando todos os males trazidos por Pandora e que se espalharam pela terra.
Essa expressão tem a sua origem na mitologia, segundo a qual Zeus enviou Pandora — a primeira mulher, fruto do contributo de todos os deuses, sob a ordem de Zeus —, dentro de uma boceta, como presente a Epimeteu, irmão de Prometeu: «Darei de presente aos homens, diz Zeus, um mal com que todos, do fundo do seu coração, desejarão rodear de amor a sua infelicidade» (Jean Chevalier e Alain Gheerbrant, Dicionário dos Símbolos, Lisboa, Teorema, 1994).
Pandora é, assim, «num mito hesiódico, a primeira mulher, criada por Hefesto e por Atena, com o auxílio de todos os outros deuses, por ordem de Zeus. Cada um deles lhe atribuiu um dom: recebeu assim a beleza, a graça, a destreza manual, a capacidade de persuadir e outras qualidades. Mas Hermes colocou no seu coração a mentira e a astúcia. Hefesto fê-la à imagem das deusas imortais, e Zeus destinou-a à punição da raça humana, à qual Prometeu tinha acabado de dar o fogo divino. Foi esse o presente que todos os deuses ofereceram então aos homens, para lhes causar a desgraça» (Pierre Grimal, Dicionário da Mitologia, Lisboa, Difel, 1992).
Trata-se, portanto, de uma expressão simbólica, de sentido figurado, atestada pelos dicionários, que representa a «origem de todos os males» (Grande Dicionário da Língua Portuguesa, Porto Editora, 2010).
É de referir que o nome/substantivo boceta — «do francês antigo boucette, diminutivo de boce ou bosse, "vasilha" [...], de que há registo no séc. XIV : "... que fosse feyto boceta de alabaustro de jnguentos bem cneyrantes"» (Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado)» —, embora pouco usado isoladamente, faz parte do léxico português, designando «pequena caixa redonda ou oval, para guardar objetos pessoais; caixa de rapé».
Não podemos deixar de assinalar que, no Brasil, este termo é considerado grosseiro ou ofensivo na maioria dos contextos, figurando entre os chamados palavrões, por estar associado ao «órgão sexual feminino» (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, 2010; Grande Dicionário da Língua Portuguesa, ob. cit.). Demarca-se, portanto, como termo tabu, sendo substituído por «caixa» na expressão «caixa de Pandora». Por essa razão, não é aconselhável o emprego desta palavra em situações que possam abranger o universo brasileiro, de forma a evitar-se interpretações desagradáveis.
No entanto, não devemos esquecer-nos, também, de que o uso da expressão «boceta de Pandora» é revelador de marca cultural, de conhecimento da mitologia, assinalando o domínio de uma linguagem simbólica que se adequa na perfeição a situações em que nos queiramos referir a qualquer realidade que, «debaixo da sua aparência sedutora, é a origem de todos os males» (Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, 2001).
Cf. Pandora