Sobre os ideofones1, Ernesto d´Andrade, em Línguas Africanas: Breve Introdução à Fonologia e à Morfologia (Lisboa, A. Santos, 2007, pág. 127), faz o seguinte comentário:
«O conceito de ideofone foi estudado por Welmers (1973) em várias línguas africanas e é um termo criado por Doke (1935), que significa "a representação vívida de uma ideia com sons". É uma palavra que descreve um predicado, qualificativo ou advérbio, relativamente ao modo, à cor, ao cheiro, à intensidade, à dor, ao tamanho, etc. Digamos que é como se fosse uma onomatopeia ou uma interjeição. Sendo expressivos, alguns são ambíguos e só o contexto pode dar uma interpretação correcta. Os ideofones tendem a ser icónicos e a ter um comportamento sonoro-simbólico.»
Não encontrei elementos sobre o funcionamento dos ideofones em quimbundo2, mas é possível que em contexto narrativo lhes sejam atribuídas várias funções, se atendermos ao que se verifica noutras famílias linguísticas fora de África. Por exemplo, em mundurucu, língua indígena do Brasil, está documentado o modo como os ideofones tornam as narrativas mais animadas.3
Considera-se que, nas línguas europeias (indo-europeias ou não), os ideofones têm nula ou escassa importância. No entanto, vários linguistas incluem as onomatopeias e as interjeições na categoria dos ideofones,4 pelo que, em português, podem identificar-se formas ideofónicas como:
tereuteutéu (para sugerir o ruído de uma conversa incomodativa e imparável)
babau (para o bebé)! (para sugerir falhanço, fracasso, decepção)
(num) fofe (sugerindo rapidez)
trouxe-mouxe (sugerindo descuido)
«uma menina e zá!» (quando se quer descrever uma rapariga que é ou pretende ser exemplar)
Entre estas formas, encontram-se palavras que são ou foram unidades autónomas, mas que, ocorrendo em expressões idiomáticas, se salientam pela sua sonoridade expressiva. Seja como for, trata-se de uma área do português por investigar.
1 Ideofone é a mais forma adequada para designar um certo tipo de unidade linguística de natureza fónica, como acontece com fone e alofone. Embora "ideófono", "fono" e "alófono" não sejam impossíveis, na realidade a variante átona deste radical, -fono, especializou-se, ocorrendo preferencialmente em palavras como anglófono, lusófono (ver artigos sobre -fone e -fono no Dicionário Houaiss). Não confundir o termo em causa com idiofone, idiofono ou idiófono: «diz-se de ou qualquer instrumento cujo som é produzido pela vibração de seu próprio corpo (p. ex., o xilofone, o triângulo, o prato etc.)» (idem).
2 Em lugar de "kimbundu", existe dicionarizado o aportuguesamento quimbundo, que tem tradição em estudos descritivos das línguas de Angola.
3 Leia-se o artigo de Marjorie Crofts Complexidades Sociolinguísticas Ocorrentes na Tradução da Literatura de Autoria Indígena para a Língua Nacional (consultado em 15/06/2010).
4 Outras definições de ideofone são possíveis.
O termo é assim explicado num artigo disponível na Internet: «Ideophones are depictive of the ideas they express. Westermann (1930) refers to them as ‘picture words’, Doke (1935) defines an ideophone as a ‘vivid representation of an idea in sound’ and Duthie (1996) notes that they are ‘vocal gestures’. All these statements point to the defining feature of ideophones; that is the sounds that are produced show the concepts that they express. Mostly these sounds are taken from the natural environment based on what people hear and the movements they see around.» [tradução livre: «Os ideofones retratam as ideias que expressam. Westermann (1930) refere-se a eles como "palavras-retrato", Doke (1935) define um ideofone como uma "representação sugestiva de uma ideia pelo som", e Duthie (1996) assinala que se trata de "gestos vocais". Todas estas definições apontam para o traço definidor dos ideofones, que é o de os sons produzidos mostrarem os conceitos que expressam. A maioria destes sons tem origem no ambiente natural, com base no que as pessoas ouvem e nos movimentos que vêem em redor.»]
Yeda Pessoa de Castro ("Das Língua Africanas ao Português Brasileiro", Revista Afro-Ásia, n.º 14, 1983, págs. 81-106) refere-se aos ideofones no contexto do conta{#c|}to do português com as línguas africanas (manteve-se a ortografia original):
«[Os ideofones], de uso geral nas línguas bantas, podem ser descritos como formas de substituição para exprimir certos sentidos de uma maneira diferente dos da linguagem corrente, um tanto próxima das onomatopeias no que diz respeito ao aspecto fônico, mas que exprimem idéias bem delimitadas, como as outras categorias de palavras, e não simples imitações de ruídos [...].»