Na frase que apresentou, o uso do presente do indicativo do verbo haver («há») é actualmente aceitável. Embora no contexto ocorram verbos no passado (pretérito perfeito do indicativo – encontrei – e pretérito imperfeito do indicativo – via), a forma há é actualmente usada como se fosse uma partícula que marca o tempo transcorrido.
Na tradição gramatical purista considera-se (ou considerava-se) que a circunstância de tempo introduzida por haver tinha de respeitar a concordância temporal. Assim, Napoleão Mendes de Almeida, no Dicionário de Questões Vernáculas, recomendava o seguinte:
«Subordina-se o verbo haver, quando impessoalmente, empregado em expressões de tempo (= passar-se, ter decorrido, ser decorrido), a regras de correlação ou correspondência temporal; será simples verificar o acerto ou o erro do tempo do verbo, se substituirmos haver por fazer: “Em consequência de uma seca que já durava havia meses” (= que já durava fazia meses – e não: que já durava faz meses). O imperfeito aí se impõe, não se podendo dizer: “… que já durava há meses”. Outro exemplo: “Havia poucos dias que era chegado”.»
Napoleão Mendes de Almeida refere ainda Vasco Botelho de Amaral (Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa, Porto Editora, Educação Nacional, 1938), que definia o seguinte preceito:
«Modernamente, contra a índole da língua dos melhores escritores, com frequência se perde de vista o paralelismo das formas verbais, e redige-se: “Há dias que se trabalhava”. Evite-se esta construção.»
Quase setenta anos depois, penso que é tempo de aceitar o facto: o uso actual é o de não alterar «há», quando se refere ao tempo que já decorreu no passado. Que se empreguem ainda as «regras de correlação temporal» com haver em expressões de tempo é perfeitamente aceitável; o que não se pode é condenar o uso de há em tais contextos.