DÚVIDAS

Valor sintáctico do advérbio e hiperonímia
«Este livro reúne alguns dos textos que mensalmente e ao longo dos últimos anos fui publicando […]. A estranheza do título justifica uma explicação, para que ele não passe como um mero exercício de estilo. Quando era pequeno – muito pequeno, talvez oito ou nove anos – lembro-me de estar deitado na banheira, em casa dos meus pais, a ler um livro de quadradinhos. Era uma aventura de David Crockett, o desbravador do Kentucky e do Tenessee, que haveria de morrer na mítica batalha do Forte Álamo. Nessa história, o David Crockett era emboscado por um grupo de índios, levava com um machado na cabeça, ficava inconsciente e era levado prisioneiro para o acampamento índio. Aí, dentro de uma tenda, havia uma índia muito bonita – uma “squaw”, na literatura do Far-West – que cuidava dele, dia e noite, molhando-lhe a testa com água, tratando das suas feridas e vigiando o seu coma. E, a certa altura, ela murmurava para o seu prostrado e inconsciente guerreiro: “Não te deixarei morrer, David Crockett!” Não sei porquê, esta frase e esta cena viajaram comigo para sempre, quase obsessivamente. Durante muito tempo, preservei-as à luz do seu significado mais óbvio: eu era o David Crockett, que queria correr mundo e riscos, viver aventuras e desvendar Tenesses. Iria, fatalmente, sofrer, levar pancada e ficar, por vezes, inconsciente. Mas ao meu lado haveria sempre uma índia, que vigiaria o meu sono e cuidaria das minhas feridas, que me passaria a mão pela testa quando eu estivesse adormecido e me diria: “Não te deixarei morrer, David Crockett.” E, só por isso, eu sobreviveria a todos os combates. Banal, elementar. Porém, mais tarde, comecei a compreender mais coisas sobre as emboscadas, os combates e o comportamento das índias perante os guerreiros inconscientes. Foi aí que percebi que toda a minha interpretação daquela cena estava errada: o David Crockett representava sim a minha infância, a minha crença de criança numa vida de aventuras, de descobertas, de riscos e de encontros. Mas mais, muito mais do que isso: seguramente uma espécie de pureza inicial, um excesso de sentimentos e de sensibilidade, a ingenuidade e a fé, a hipótese fantástica da felicidade para sempre […]» Miguel Sousa Tavares, Não Te Deixarei Morrer, David Crockett, Nota Prévia, 26.ª ed., Lisboa, Oficina do Livro, 2007 As seguintes afirmações são verdadeiras ou falsas tendo em conta o contexto? A. «Aí» (linha 9) é um advérbio adjunto de lugar com a função sintáctica de complemento do grupo verbal. B. O vocábulo “literatura” (linha 10) tem uma relação de hiperonímia com os vocábulos “livro” (linha 5), “história” (linha 7), “combates” (linha 20), “infância” (linha 23) e “ingenuidade” (linha 25).
Sobre o quantificador, o modificador e o predicativo do complemento directo
[...] De Ana Sousa Martins, deparo hoje com um texto que me suscita comentário. Mas já antes de ontem eu tinha silenciado uma outra questão. Então, aí vão duas! PRIMEIRA «2. Diz-se "tudo o que foi/é possível", em que tudo é pronome indefinido. Poderíamos pensar em "tudo o possível" como uma estrutura elíptica (em que se omitem termos) de "tudo o que foi possível", mas essa estrutura é apenas hipotética, dado que não tem representatividade nos corpora consultados (CETEMPúblico e Clássicos da Literatura Portuguesa/Porto Editora), com clara dominância da estrutura tudo o + oração relativa. 3. Diz-se, no plural, "fez todos os possíveis", com a elisão do nome (por exemplo, esforços), sendo todos um quantificador. A construção correspondente no singular exige a presença de um nome: "Aplicou todo o esforço [que lhe era] possível naquela prova."»Ana Martins, 17/02/2009  Logo, segundo Ana Martins, nas frases:     1. «João faz tudo o que é possível para…»        Tudo é um pronome indefinido.         2. «João faz todos os esforços possíveis para…»        Todos é um quantificador. Que motivos terão levado Ana Martins a preferir, em 2, a classificação de quantificador à de determinante? Eu entendo que, naquele SN «todos os esforços», todos é, inequivocamente,  um determinante. Ela, não. Porquê? SEGUNDA Análise de Ana Martins: «"A minha avó": sujeito"tem uns olhos muito grandes e bonitos": predicado"uns olhos muito grandes e bonitos": complemento directo"muito grandes e bonitos": modificador restritivo»Ana Martins, 19/02/2009 [...]Na frase:«A minha avó tem uns olhos muito grandes e bonitos»    — «muito grandes e bonitos» não é, sintacticamente,  um modificador. A frase deverá ser analisada: A minha avó {tem [uns olhos muito grandes e bonitos]}     «tem uns olhos muito grandes e bonitos» é predicado    «olhos muito grandes e bonitos» é c. d.    «muito grandes e bonitos» é predicativo de olhos — ou seja, é predicativo do complemento directo. __________________________Dicionário Teminológico:ModificadorFunção sintáctica desempenhada por constituintes não seleccionados por nenhum elemento do grupo sintáctico de que fazem parte. Por não serem seleccionados, a sua omissão geralmente não afecta a gramaticalidade de uma frase (i). Os modificadores podem relacionar-se com frases ou orações (ii), constituintes verbais (iii) ou nominais (iv).Os modificadores podem ter diferentes formas (v) e diferentes valores semânticos (vi).__________________________ Continuo a pensar que a inclusão dos modificadores na descrição sintáctica é um erro. Todo o modificador integra um grupo sintáctico. Logo, não há qualquer motivo para uma descrição autónoma. Se lermos bem a definição de Modificador no DT, deparamos com esta definição: «Modificador é função sintáctica desempenhada por constituintes que integram já um grupo sintáctico.» Se fazem já parte dum grupo sintáctico, para quê outra classificação externa ao seu próprio grupo?Por integrar um grupo sintáctico, a função do modificador é meramente semântica.
O aportuguesamento do nome latino Titus Flavius Josephus
O historiador judeu Yosef ben Matityahu, ao se tornar cidadão romano, adotou o nome latino de Titus Flavius Josephus, com o qual escreveu vários clássicos da historiografia universal. Ao ser aportuguesado (em português moderno), o seu nome romano só poderia ficar Tito Flávio José. Deveria, portanto, ser deste modo que nós, os lusoparlantes, teríamos de nos referir a ele ou, abreviadamente, apenas como Flávio José. De qualquer forma, por descargo de consciência, indago a vós, infalíveis consultores, se a forma Tito Flávio Josefo e sua abreviação, Flávio Josefo, a qual é mais usual, têm cabimento no português moderno falado por nós todos. Lembro-vos que em português hodierno temos apenas Josefa como feminino de José, o qual é o correspondente do prenome latino de origem hebraica Josephus. Muitíssimo obrigado.
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