DÚVIDAS

Sobre o quantificador, o modificador e o predicativo do complemento directo

[...] De Ana Sousa Martins, deparo hoje com um texto que me suscita comentário. Mas já antes de ontem eu tinha silenciado uma outra questão. Então, aí vão duas!

PRIMEIRA

«2. Diz-se "tudo o que foi/é possível", em que tudo é pronome indefinido. Poderíamos pensar em "tudo o possível" como uma estrutura elíptica (em que se omitem termos) de "tudo o que foi possível", mas essa estrutura é apenas hipotética, dado que não tem representatividade nos corpora consultados (CETEMPúblico e Clássicos da Literatura Portuguesa/Porto Editora), com clara dominância da estrutura tudo o + oração relativa.

3. Diz-se, no plural, "fez todos os possíveis", com a elisão do nome (por exemplo, esforços), sendo todos um quantificador. A construção correspondente no singular exige a presença de um nome: "Aplicou todo o esforço [que lhe era] possível naquela prova."»
Ana Martins, 17/02/2009 

Logo, segundo Ana Martins, nas frases:

    1. «João faz tudo o que é possível para…»
        Tudo é um pronome indefinido.    

    2. «João faz todos os esforços possíveis para…»
        Todos é um quantificador.

Que motivos terão levado Ana Martins a preferir, em 2, a classificação de quantificador à de determinante? Eu entendo que, naquele SN «todos os esforços», todos é, inequivocamente,  um determinante. Ela, não. Porquê?

SEGUNDA

Análise de Ana Martins:

«"A minha avó": sujeito
"tem uns olhos muito grandes e bonitos": predicado
"uns olhos muito grandes e bonitos": complemento directo
"muito grandes e bonitos": modificador restritivo»
Ana Martins, 19/02/2009

[...]
Na frase:
«A minha avó tem uns olhos muito grandes e bonitos»
    — «muito grandes e bonitos» não é, sintacticamente,  um modificador.
A frase deverá ser analisada:

A minha avó {tem [uns olhos muito grandes e bonitos]}

    «tem uns olhos muito grandes e bonitos» é predicado
    «olhos muito grandes e bonitos» é c. d.
    «muito grandes e bonitos» é predicativo de olhos — ou seja, é predicativo do complemento directo.

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Dicionário Teminológico:
Modificador
Função sintáctica desempenhada por constituintes não seleccionados por nenhum elemento do grupo sintáctico de que fazem parte. Por não serem seleccionados, a sua omissão geralmente não afecta a gramaticalidade de uma frase (i). Os modificadores podem relacionar-se com frases ou orações (ii), constituintes verbais (iii) ou nominais (iv).
Os modificadores podem ter diferentes formas (v) e diferentes valores semânticos (vi).
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Continuo a pensar que a inclusão dos modificadores na descrição sintáctica é um erro. Todo o modificador integra um grupo sintáctico. Logo, não há qualquer motivo para uma descrição autónoma.
Se lermos bem a definição de Modificador no DT, deparamos com esta definição:

«Modificador é função sintáctica desempenhada por constituintes que integram já um grupo sintáctico.»

Se fazem já parte dum grupo sintáctico, para quê outra classificação externa ao seu próprio grupo?
Por integrar um grupo sintáctico, a função do modificador é meramente semântica.

Resposta

As respostas em referência não se baseiam em opiniões.

1. Todos é quantificador: «Os quantificadores incluem diversos tipos de elementos (...) (iii) os quantificadores universais todos e ambos» (Mateus et al. 2003 – Gramática da Língua Portuguesa, Caminho, p. 356).

2. O predicativo do complemento directo não integra o complemento directo:

«(61) a. O ministro considera a proposta inaceitável.
b. O Pedro acha a Rita tola.
(62) a. A Ana viu um documentário interessante.
b. O Luís comprou uma televisão chinesa.

(...) Enquanto as expressões um documentário interessante e uma televisão chinesa são sintagmas nominais que funcionam como objectos directos dos verbos transitivos ver e comprar, as sequências a proposta inaceitável e a Rita tola correspondem a dois sintagmas autónomos, em que os SN (a proposta e a Rita) são o objecto directo do verbo e os SA (inaceitável e tola) funcionam como um predicativo.» (Eliseu, A. 2008 — Sintaxe do Português, Col. O Essencial sobre Linguística, Caminho, p. 63-64).

O modificador é uma função sintáctica:

 

(Ibidem, p. 47)

 

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