DÚVIDAS

Crase e locuções: «saíam às cinquenta, às cem moedas...»
Lendo Os Maias, deparei-me com este uso da crase: «Isolou-se então – sem fechar todavia a sua bolsa, donde saíam às cinquenta, às cem moedas...» O contexto: o rapaz se isolou, mas continuou a fazer caridades. O uso dessa crase em «às cinquenta» e «às cem» seria análogo àquele da expressão «às pressas», «às escondidas» ou «aos montes» (masc.), como um advérbio? «Saíam moedas aos montes.»
A expressão «estar a fim de (algo/alguém)»
Na expressão «estar a fim de algo/alguém», e.g., (1) «estou a fim de você» ou (2) «estou a fim de ver um filme», qual função sintática da locução «a fim de» bem como da partícula que a sucede: (1) «você» e (2) «ver um filme»? Seriam iguais em ambos os casos ou assumiriam funções diferentes? Desde já exprimo meu sentimento de gratidão e apreço pelo vosso trabalho!
A expressão «fora de órbita»
Sendo aspirante a tradutor-intérprete, deparo-me, por vezes, com dúvidas relativas ao uso correto de certas expressões (idiomáticas, populares, entre outras). Neste sentido, venho pelo presente perguntar se é legítimo o uso da expressão «fora de órbita» no seguinte contexto, com o intuito de dar à mesma uma conotação negativa e com o intuito de esta significar que algo é anormal e negativamente muito elevado: «O ano passado, em algumas águas, as condições revelaram ser de um calor tão inusitado que os níveis de stress térmico estavam ao pé da letra fora de órbita para o sistema de alerta da NOAA.» Muito obrigado pela atenção!
Construção comparativa: «a mais do que»
Aproveito essa oportunidade para agradecer a toda a equipa do Ciberdúvidas o trabalho que têm desenvolvido incessantemente ao longo dos anos. A plataforma tornou-se um recurso mais que valioso para muitos seguidores da lusofonia e, sobretudo, permitam-me aqui uma nota, um meio de preservação e pesquisa de particularidades que destacam precisamente o português de Portugal, bastante e imerecidamente preterido hoje em dia em materiais didáticos estrangeiros e pela Internet fora. Ao assunto. 1. Apareceu-me uma frase: «[O sobrinho]… respondeu-me com o braço por cima dos meus ombros, cresceu quase meio metro a mais do que eu e tem gosto em sentir que nos protege (...)» (P., 18/08/24, por B.W.). Embora eu tenha visto tal uso diversas vezes em edições precolendas portuguesas (Público, etc.), ouvido estar em plena circulação no português do Brasil e tenha sido o fenómeno registado em: 1. Dicionário Priberam e 2. Infopedia – nos exemplos não verificados pelos editores e na descrição do verbete, sempre me deixa em dúvida a "convivência" das duas expressões, a meu ver, distintas: «qualquer coisa mais (do) que qualquer coisa» e «qualquer coisa a mais». Na maioria esmagadora dos resultados que obtive ao pesquisar, a preposição a surgia na formação «a mais do que qualquer coisa», enquanto a regência verbal («... corresponde a mais do que metade...») ou nominal («referência/algo referente a mais do que...»), e não como parte da locução comparativa única. Ou, se ocorria «a mais», era seguida de um ponto final: «tantas vezes a mais»; «uns anos a mais»; «ficou com moedas a mais», etc. O mesmo acontecia a «a menos». Se bem que isto não pareça apresentar uma agramaticalidade, se tanto, será que se precisa de a em «a mais do que» do exemplo exposto? Em tese, podia (ou devia?) ser algo como: «...cresceu mais alto (do) que eu, ficou com meio metro a mais [ponto final]»? Haverá cambiantes de acepção ou estilo tanto no contexto do português de Portugal como no âmbito brasileiro?  Obrigado.
Metáfora: «criar/ganhar cama»
Qual é o significado das expressões «criar cama» e «ganhar cama» usadas em Húmus de Raul Brandão, terceira edição: «As paixões dormem, o riso postiço criou cama, as mãos habituaram-se a fazer todos os dias os mesmos gestos. Só eu me afundo soterrado em cinza. Terei por força de me habituar à aquiescência e à regra? Crio cama e todos os dias sinto a usura da vida e os passos da morte mais fundo e mais perto. ... e finjo, e o sorriso acaba por ganhar cama, a boca por se habituar à mentira...» Agradecia a ajuda
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