DÚVIDAS

A construção concessiva «por mais» com adjetivo

«Por mais bondoso que seja, ele não dá a camisa» pode-se dizer também assim «por mais bondoso, não dá a camisa»?

O site da Inteligência Artificial da Google (Gemini) diz que se pode "informalmente" e aparece na literatura. Que exemplos ?

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Resposta

A estrutura em questão, que não poderá ser considerada incorreta, tem vários registos escritos. Constitui uma construção elítica que omite um segmento de texto.

A oração introduzida pela locução «por mais… que» tem uma natureza concessiva, como se observa em (1):

(1) «Por mais bondoso que seja, ele não dá a camisa.»

Em (1), a oração concessiva, construída pela locução «por mais + adjetivo + que + verbo no conjuntivo», descreve um obstáculo que não tem força suficiente para impedir a concretização da situação descrita na oração principal.

Encontramos registos de usos na literatura, nos quais se omite o segmento «que + verbo no conjuntivo», como se observa pelos exemplos seguintes recolhidos no Corpus do Português, de Mark Davies:

(2) «− Ninguém resiste, por mais misantropo.» (Sousa Costa, Excêntricos. 1907)

(3) «Não pôde afastá-las, eram tantas e o menor movimento com a mão, por mais breve, lhe arrancaria um grito, os dedos tão machucados.» (Guido Guerra, Vila Nova da Rainha Doida. 1998)

(4) «Riquíssima, naturalmente, porque só casava com homens riquíssimos e nunca se furtou a nenhuma fantasia, por mais bizarra.» (Adonias Aguiar, Corpo Vivo. 1962)

(5) «Não faço a apologia, mas o que fazem, por mais inconseqüente ou imoral aos olhos desse código, em nada atenta contra a integridade do ser humano.» (Bernardo Carvalho, As Iniciais. 1999)

(6) «A crença na justiça de uma luta, por mais dolorosa e sangrenta: sangue de misericórdia e não de vingança.» (Júlio José Chiavenato, As Meninas do Belo Monte. 1993)

Encontramos este uso também, por exemplo, na gramática de Napoleão Mendes de Almeida, gramático do século XX:

(7) «Por mais escabrosa, no entanto, iremos explicar esta rida e árdua questão, procurando ser o mais possível claro e sintético.» (Napoleão Mendes de Almeida, Gramática Metódica da Língua Portuguesa. p. 541

Esta construção pode também aparecer com a elipse da forma mais:

(8) «Por bondoso que seja, ele não dá a camisa.»

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