A Peregrinação e «o caráter aventuroso» da narrativa
Tenho uma dúvida acerca da correcção do exame nacional de português do 12.º ano. Enderecei a dúvida ao GAVE, que me disse que "da questão colocada não decorre necessidade de esclarecimento", algo que é em si mesmo ridículo. Para mais, a dúvida parece-me legítima. Confiante de que a equipa do Ciberdúvidas, que muito prezo, me poderá esclarecer sobre a questão, decidi enviar-vos este e-mail.
A dúvida é a que se segue.
Como é que a resposta correcta à pergunta 1.1 das perguntas de escolha múltipla da versão 2 pode não ser a A? Afinal, ainda que no texto seja feita referência a uma defesa da Peregrinação, essa coincide na repreensão de que o autor é alvo por relatar acontecimentos falsos. Não coincidirá noutra repreensão que outras leituras críticas façam da obra, mas por certo coincide na repreensão de que o autor é alvo por relatar acontecimentos falsos, já que é escrita em defesa do autor, motivada por se afirmar em leituras críticas que Fernão Mendes Pinto relata acontecimentos falsos. Coincide, assim, nessa repreensão, que, sublinhe-se, não é uma repreensão qualquer: é a repreensão de que o autor é alvo por relatar acontecimentos falsos. Não a subscreve? Não.Mas aborda-a. Incide nela. "Co-incidem" – as leituras da obra – nessa repreensão.
Um caso de oração subordinada causal
Na qualidade de encarregada de educação, venho colocar uma dúvida, embora acabe de ter conhecimento que o Ciberdúvidas se encontra interrompido; no excerto que se segue, como se classifica a oração sublinhada («Porque logo a filha revelou espíritos por de mais alevantados...»)?
«Os próprios pais de Amância o acharam; mas sem se atreverem a tentar qualquer pressão sobre o espírito da filha. Porque logo a filha revelou espíritos por de mais alevantados na filha de um modesto amanuense, declarando não corresponder Domingos ao seu "ideal".»
José Régio, «Os Namorados de Amância», in Contos (excerto)
«Cheguei a casa» (Portugal) e «em casa» (Brasil)
Uma expressão muito comum no Brasil, «ontem cheguei cedo em casa», que em Portugal se dirá «cheguei cedo a casa», pode considerar-se correcta?
O uso das formas enquete e inquérito, treinamento e treino
Poderia citar outros exemplos de diferenças no português de ambas as nações, mas fico-me apenas por um, que me parece claramente um galicismo, enquete, que é muitíssimo utilizado no Brasil com o sentido que, em Portugal, damos a inquérito.
Já a palavra treinamento me parece legítima, apesar de não ser utilizada em Portugal, mas, sim, a sua "prima" treino...
«Todo (o) mundo» = «toda a gente»
Creio que é pela forma "forte" como no Brasil se pronunciam as vogais, incluindo na última sílaba, que ambas as formas da expressão «todo o mundo», que em Portugal leva o artigo definido o e no Brasil se escreve simplesmente «todo mundo», soam aos nossos ouvidos de forma quase idêntica.
De qualquer forma, é ou não necessário o uso desse artigo definido?
Parada e paragem = sinónimos
Muitas vezes, em textos de origem brasileira, deparo-me com a utilização da palavra parada, em situações em que em Portugal se usaria paragem. Por exemplo: «O trabalhador deu entrada no hospital após desmaio, tendo falecido no dia seguinte com parada cardíaca.»
Podemos usar qualquer uma das duas palavras indiscriminadamente, ou trata-se de um uso específico do português do Brasil? Ou é, simplesmente, um erro?
«De/das aprendizagens»
Deve dizer-se «elaborar um porta-fólio reflexivo de aprendizagem ou de/das aprendizagens»? Coloco esta questão por ser mediadora de um curso Efa e sentir a necessidade de informar devidamente os formandos.
Poder, um caso modalidade epistémica
Com o segmento «a própria ciência, mais e melhor do que ninguém, poderá prever, evitar e diminuir os riscos» [Carlos Fiolhais (2011), A Ciência em Portugal, Lisboa, Fundação Francisco Manuel dos Santos, página 64], o enunciador recorre à modalidade epistémica, ou deôntica?
«Sei, porque sei», redundância?
Ao ser questionado sobre um conhecimento (adquirido naturalmente), eu respondi «sei, porque sei», querendo dizer que eu simplesmente sei, porque aprendi, sem esforço algum.
A minha colocação «sei, porque sei» foi recebida como erro da língua portuguesa. É uma redundância? Posso dizer?
Interpretação de excerto de Sermão de Santo António aos Peixes
No Sermão de Santo António aos Peixes, no primeiro capítulo, surgiu a seguinte pergunta: «Está o sal a cumprir a sua função? Justifica.»
Estou na dúvida, pois penso que é possível responder sim e não, uma vez que: «Ou é porque o sal não salga, ou porque a terra não se deixa salgar.»
Agradeço o vosso esclarecimento.
