Sara de Almeida Leite - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara de Almeida Leite
Sara de Almeida Leite
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Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Português e Inglês, pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa; mestre em Estudos Anglo-Portugueses; doutorada em Estudos Portugueses, especialidade de Ensino do Português; docente do ensino superior politécnico; colaboradora dos programas da RDP Páginas de Português (Antena 2) e Língua de Todos (RDP África). Autora, entre outras obras, do livro Indicações Práticas para a Organização e Apresentação de Trabalhos Escritos e Comunicações Orais ;e coautora dos livros SOS Língua Portuguesa, Quem Tem Medo da Língua Portuguesa, Gramática Descomplicada e Pares Difíceis da Língua Portuguesa e Mais Pares Difíceis da Língua Portuguesa.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Como se escreve: "maré-alta", ou "maré alta"?

«Por onde» é uma locução prepositiva?

Resposta:

A expressão lexicalizada maré alta escreve-se sem hífen, mas é o mesmo que preia-mar, com hífen.

Quanto a «por onde», não se trata de uma locução, uma vez que as duas palavras não se encontram associadas com vista a exercerem uma função única e específica. Temos uma preposição (por) e um advérbio (onde), ou um pronome relativo, conforme o contexto em que surja.

Nas locuções prepositivas (ex.: antes de, em frente a, de acordo com, etc.) o último elemento é sempre uma preposição.

Pergunta:

Estranhou-me esta afirmação: «A sua argumentação a favor da manutenção da forma original dos estrangeirismos drakars e skalds parece-me válida. Todos sabemos que há estrangeirismos difíceis de adaptar (T-shirt, surf, download, abat-jour...) e outros que podem ser aportuguesados com naturalidade, sem que a sua forma cause estranheza (batom, futebol, hambúrguer, blogue).»

Por que difíceis? No Brasil há "séculos" dizemos/escrevemos camiseta, surfe e abajur. Quanto a download, ainda não apareceu uma forma aportuguesada (mas poderia escrever-se "daunloude" se se quisesse), mas muito freqüentemente diz-se baixar (algo do computador). Estas adaptações não são válidas em Portugal? Se não, por que não? E o que quiseram dizer com «adaptações difíceis»?

Mais uma vez obrigado.

Resposta:

Tem toda a razão em estranhar as minhas declarações, uma vez que no Brasil este assunto ganha uma luz bem diferente!

Utilizei a expressão «adaptações difíceis» para me referir aos estrangeirismos cujo aportuguesamento (em Portugal) não é consensual, porque causa estranheza, sendo que muitos falantes preferem a forma original, por vezes levando a que se hesite entre duas ou mais grafias — caso de atelier e ateliê, em Portugal); e também às palavras estrangeiras para as quais não é fácil encontrar uma grafia que seja inequívoca, em português, quanto à pronúncia do estrangeirismo. É o caso de surf, que não assume, entre os portugueses, a forma surfe, pois eles continuam a pronunciar a vogal u com o som [α], à inglesa. E se escrevessem “sarfe”, tentando aproximar mais a grafia do som, o problema não ficaria resolvido, dado que o a poderia ser pronunciado como aberto. É a este tipo de problemas que me refiro quando falo em adaptações difíceis.

Penso que, de maneira geral, os portugueses resistem muito mais ao aportuguesamento de estrangeirismos do que os brasileiros. Muitas palavras, como sutiã, foram rapidamente adaptadas no Brasil e levaram mais tempo a sê-lo em Portugal, ou ainda conservam a forma original (soutien).

Utilizando o seu exemplo, acredito que no Brasil fosse fácil levar as pessoas a escrever “daunloude”, até pela forma como a prosódia do Brasil facilita o seu aportuguesamento, comparativamente com Portugal.

Em suma, creio que os portugueses devem aprender com os seus irmãos brasileiros a serem mais criativos e “soltos” com a grafia das palavras, e menos servis às línguas estrangeiras, sob...

Pergunta:

Nas vias públicas e nas estradas da comunicação, os carjackers assaltam-nos todos os dias. Se os automobilistas (e a polícia) pouco podem contra o carjacking, que podemos nós propor em alternativa a esta actividade que, pelo estrangeirismo, soa a conceituado diploma internacional em vilania?

Resposta:

É, de facto, possível traduzir carjacking em português: podemos dizer «sequestro automóvel», «usurpação de viatura» ou «assalto a viatura ocupada». O Dicionário Inglês-Português da Porto Editora, por exemplo, traduz o termo por «roubo de automóvel ocupado».

Assim, o carjacker poderá ser o sequestrador, o usurpador ou o assaltante, (sendo depois o contexto elucidativo quanto ao tipo de roubo), mas podemos optar por «pirata da estrada», tendo em conta que já usamos a expressão «pirata do ar» (tradução de highjacker, ou hijacker, termo que aliás também pode designar um sequestrador de automóveis).

Pergunta:

Li, um dia destes, a gramática de Fernão Oliveira, cujo estudo introdutório era de Eugénio Coseriu, e, numas das notas ao livro, li isto:

«também deste ponto de vista, João de Barros representa um retrocesso face a Oliveira, pois admite para o português os seis casos do latim.»

«Face a…»: pelas respostas que eu já tive oportunidade de ler no Ciberdúvidas, «face a» não se deve usar; mas por que razão até os melhores erram? Estarão eles também já contaminados por todos os estrangeirismos que entram todos dias por Portugal adentro?

Obrigado.

Resposta:

Relativamente à adopção de expressões provenientes de línguas estrangeiras, como «face a», ou «há que», a minha postura é a seguinte: não devemos condená-las quando as ouvimos, pois o mais provável é que também usemos algumas. Se é verdade que muitos modismos e estrangeirismos nos podem parecer irritantes e, por vezes, absurdos, por outro lado é inegável que a sua eventual atestação, através da frequência do uso, só prova que a generalidade dos falantes os aprova e deseja para a sua língua. E contra isso nada podemos fazer!

Pergunta:

Gostava de saber se, em português, boulevard se utiliza como forma masculina, como no francês, ou feminina. Tenho visto escrito tanto «o Hollywood Boulevard» como «a Hollywood Boulevard».

Obrigada.

Resposta:

O substantivo boulevard, ou bulevar (atestado nos dicionários de língua portuguesa de ambas as formas), é masculino. Talvez seja por associação com a palavra avenida que algumas pessoas empregam o determinante feminino.