Sara de Almeida Leite - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara de Almeida Leite
Sara de Almeida Leite
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Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Português e Inglês, pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa; mestre em Estudos Anglo-Portugueses; doutorada em Estudos Portugueses, especialidade de Ensino do Português; docente do ensino superior politécnico; colaboradora dos programas da RDP Páginas de Português (Antena 2) e Língua de Todos (RDP África). Autora, entre outras obras, do livro Indicações Práticas para a Organização e Apresentação de Trabalhos Escritos e Comunicações Orais ;e coautora dos livros SOS Língua Portuguesa, Quem Tem Medo da Língua Portuguesa, Gramática Descomplicada e Pares Difíceis da Língua Portuguesa e Mais Pares Difíceis da Língua Portuguesa.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Na transposição do discurso directo para o discurso indirecto, o imperativo passa a ser substituído pelo modo conjuntivo. Contudo, algumas, poucas, gramáticas também referem o infinitivo (pessoal ou impessoal?).

«O farmacêutico disse:

— Espera a tua vez, menino!»

Este exemplo poderá dar origem à frase seguinte: «O farmacêutico disse ao menino para esperar a sua vez», ou «O farmacêutico disse para esperar a sua vez»?

São frases gramaticalmente correctas e a sua estrutura é própria de um registo de língua normal (padrão)?

Obrigada pela atenção.

Resposta:

Com efeito, pode ser considerado mais correcto o uso do modo conjuntivo para substituir, no discurso indirecto, o imperativo. Por exemplo, «— Espera a tua vez, menino!» passa a «O farmacêutico disse ao menino que esperasse a sua vez.»

No entanto, em linguagem corrente/oral, é mais frequente empregar-se o infinitivo pessoal («O farmacêutico disse ao menino para esperar a sua vez.»), sendo o conjuntivo usado num regiso mais formal/escrito.

Pergunta:

Qual é o radical das palavras patrimônio, apadrinhar, padronizar e padroeiro. Elas têm algo em comum?

Resposta:

Património vem do nome latino patrimonium, que significava o «conjunto de bens pertencentes ao pater» (segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa).

Apadrinhar é uma palavra derivada do radical padrinho, ao qual foram acrescentados o prefixo a- e o sufixo -ar, para criar o verbo a partir do substantivo. O radical padrinho, por sua vez, vem do latim vulgar patrinus, também proveniente da raiz pater.

Padronizar tem por étimo o substantivo padrão, na forma padron-, à qual se agregou o sufixo -izar. O termo padrão provém, igualmente, da palavra latina pater.

Padroeiro tem a mesma origem latina, porque tem por base o nome patronus (+ -eiro), sendo este nome um outro derivado de pater.

E o que significava pater, que é o étimo comum a todas as palavras em causa?

O dicionário acima citado explica que pater significava «"pai" (com um valor mais social e religioso do que de simples paternidade física)».

Deste conceito partiram inúmeras derivações em vernáculo, com significados tão diversos como «pai; avô ou antepassado; fundador; benfeitor»; e também «patrono, protector dos plebeus; advogado, defensor»; ou ainda «modelo», entre muitos outros.

Assim se compreende, portanto, que termos tão distintos tenham a mesma origem.

Pergunta:

Ao pronunciar-se vejo ("véjo") está a cometer-se algum erro linguístico?

Obrigada.

Resposta:

Embora a pronúncia-padrão da forma verbal vejo seja [vâijo], é sabido que, nos diferentes dialectos e falares que a língua portuguesa engloba, esta, como tantas outras palavras, tem realizações diversas, como [vêjo] ou [véjo].

Não se pode, portanto, dizer que os falantes que pronunciam a palavra de acordo com o respectivo dialecto, ou variação regional, estão a cometer um erro linguístico.

Pergunta:

Como se deve pronunciar a cidade norte-americana Miami: /maiami/ ou "à portuguesa" /Miami/?

Resposta:

Nunca ouvi pronunciar-se o nome da cidade norte-americana Miami “à portuguesa”. A pronúncia /maiami/ é a realização fonética mais natural e, tanto quanto sei, a mais frequente entre os falantes de português europeu.


Pergunta:

"Reiquejavique" e "Reiquiavique" são duas possíveis opções para referir a capital da Islândia, ou apenas uma está correcta? Se ambas são correctas, qual delas devemos preferir?

Resposta:

Ambas as grafias são, de facto, possíveis em português, para traduzir o nome da capital islandesa, Reykjavík.

Em 1966, o Vocabulário da Língua Portuguesa (1966), de Rebelo Gonçalves, consagrava a forma Reiquiavique, mas admitia Reiquejavique como variante. Actualmente, a avaliar pelo Google, que apresenta 5200 menções de Reiquejavique na Internet, contra 4260 ocorrências de Reiquiavique, a primeira será a forma gráfica mais usada. Isto justificar-se-á, talvez, na medida em que a primeira é mais fiel à grafia original.

Considerando que, na nossa língua, ao contrário do que sucede noutras, o j não tem o mesmo valor fónico que o i, parecer-me-ia mais lógico optar pela grafia mais aproximada da pronúncia que efectivamente damos à palavra (Reiquiavique). Todavia, não é essa a escolha que tem vindo a efectuar-se.