Sara de Almeida Leite - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara de Almeida Leite
Sara de Almeida Leite
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Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Português e Inglês, pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa; mestre em Estudos Anglo-Portugueses; doutorada em Estudos Portugueses, especialidade de Ensino do Português; docente do ensino superior politécnico; colaboradora dos programas da RDP Páginas de Português (Antena 2) e Língua de Todos (RDP África). Autora, entre outras obras, do livro Indicações Práticas para a Organização e Apresentação de Trabalhos Escritos e Comunicações Orais ;e coautora dos livros SOS Língua Portuguesa, Quem Tem Medo da Língua Portuguesa, Gramática Descomplicada e Pares Difíceis da Língua Portuguesa e Mais Pares Difíceis da Língua Portuguesa.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Como traduzir o termo inglês ecphory, que, segundo consegui apurar, vem do grego ekphorein? Ao pesquisar palavras portuguesas, encontrei écfora e, num manual de saúde brasileiro (que não sei qual o seu valor), ecforia, que no português europeu parece não existir.

Agradeço a vossa atenção.

Resposta:

A palavra ecphory designa, em inglês, um processo mental que envolve a interacção entre algo específico, que funciona como uma espécie de “deixa”, e uma informação guardada na memória, que é assim reactivada. O étimo grego ekphorein significa tornar conhecido, revelar.

Em português, existe, de facto, a palavra écfora, mas o seu significado inscreve-se no âmbito da arquitectura: «saliência de qualquer peça arquitectónica», pode ler-se no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa.

Ecforia não existe nos dicionários de língua portuguesa, tanto quanto pude apurar. Contudo, há bases
de dados terminológicas
que registam a palavra, dando-lhe um significado muito próximo do termo inglês cunhado por Tulvin em 1972.

Eu atrever-me-ia, portanto, a traduzir ecphory pelo neologismo ecforia, justificando, de forma adequada ao contexto, a minha opção — por exemplo, em nota de rodapé ao texto traduzido.

Pergunta:

Como se pode traduzir para português a palavra truancy?

Resposta:

O substantivo inglês truancy (derivado do adjectivo truant) implica a ideia de «ausência sem permissão», sugere a falta a um compromisso (a uma aula, ao emprego, etc.) por vadiagem, ou, mais genericamente, o não cumprimento das obrigações por preguiça ou irresponsabilidade.

Truancy pode traduzir-se de várias formas em português, dependendo do contexto e do registo de linguagem em que a palavra é utilizada. Num registo informal, poderão ser usados os termos portugueses gazeta e cabulice, no sentido em que um truant student poderá designar-se como um «aluno gazeteiro» ou como um «aluno cábula», conforme a sua atitude particular.

Nos regist{#|r}os corrente e cuidado, e sobretudo quando o contexto envolve o meio escolar, podemos utilizar absentismo para designar o incumprimento das obrigações escolares ou profissionais. Mas também é possível optar por vadiagem e vagabundagem, ou ainda por ociosidade. Tudo depende da frase em que a palavra surge!

Pergunta:

Quando por exemplo se analisa o grau de progresso de um atleta em função do seu melhor desempenho prévio, diz-se em inglês que se está a fazer uma avaliação ipsative, ou seja, do próprio contra ele próprio. Não encontro um vocábulo equivalente em português, ainda que aquele termo, bem como os seus derivados (e.g., ipsatization) derivem do latim ipse. Não existindo, porque não se cria? Será que as propostas "ipsativa"/"ipsatização" fazem sentido?

Resposta:

De facto, ipsative designa, em inglês, um tipo de medida ou de avaliação do desempenho de alguém que se faz em comparação com outros desempenhos da mesma pessoa (e não com desempenhos de outrem). Isto pode ser facilmente compreendido se pensarmos que, ao jogarmos um qualquer jogo individual, por exemplo no computador, tendemos a avaliar o nosso resultado em função dos resultados que obtivemos anteriormente, para assim verificarmos, não se somos melhores ou piores do que outros jogadores, mas se evoluímos.

Sendo derivado do latim ipse/a/um, que significa «mesmo, ele mesmo, de si mesmo» (segundo o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado), parece-me que o termo “ipsativo” seria legítimo na nossa língua. Já temos, aliás, ipseidade (o carácter individual de um ente) e ipsilateral (que está do mesmo lado), com a mesma raiz.

Criar o adjectivo “ipsativo” é, pois, possível, até porque a terminação em -ivo é comum em português (inventivo, invocativo, limitativo...). Quanto a “ipsatização”, será um nome adequado, quando se criar igualmente o verbo “ipsatizar”, por meio do sufixo -izar.

E porque não, se estes conceitos forem úteis aos falantes? Efectivamente, tudo depende da nossa vontade, enquanto comunidade linguística.

Pergunta:

Qual o certo? «Maria e seus pares», ou «Maria e suas pares», em se tratando só de mulheres?

Resposta:

«Maria e seus pares» é que é a construção correcta, pois par é um nome sobrecomum, ou seja, tem apenas um g{#é|ê}nero (neste caso, o masculino), embora possa designar seres de ambos os sexos, tal como membro e indivíduo.

Do mesmo modo, não devemos dizer *«a minha par é a Maria», e sim «o meu par é a Maria».

Pergunta:

Como se forma o plural de meia-noite? "Meias-noites"? É uma palavra invariável em número?

Resposta:

O plural do substantivo meia-noite é meias-noites, não se tratando, portanto, de palavra invariável em número.