Sara de Almeida Leite - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara de Almeida Leite
Sara de Almeida Leite
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Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Português e Inglês, pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa; mestre em Estudos Anglo-Portugueses; doutorada em Estudos Portugueses, especialidade de Ensino do Português; docente do ensino superior politécnico; colaboradora dos programas da RDP Páginas de Português (Antena 2) e Língua de Todos (RDP África). Autora, entre outras obras, do livro Indicações Práticas para a Organização e Apresentação de Trabalhos Escritos e Comunicações Orais ;e coautora dos livros SOS Língua Portuguesa, Quem Tem Medo da Língua Portuguesa, Gramática Descomplicada e Pares Difíceis da Língua Portuguesa e Mais Pares Difíceis da Língua Portuguesa.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Se homesickness é nostalgia, poder-se-á chamar a sunsickness de "soltalgia"? Se não é possível, qual é a tradução correcta?

Obrigado.

Resposta:

Parece-me que o neologismo "soltalgia" corre o risco de não ser compreendido por muita gente, além de que a construção mais legítima seria “solalgia”. Isto porque, se em nostalgia temos na base os radicais gregos nostós («regresso») + algós («dor»), para formar um termo semelhante com base na ideia de «dor pelo sol», usaríamos o radical latino sole («sol») + algós.

Pessoalmente, optaria por «saudades do sol», que é uma expressão clara e uma tradução correcta do termo inglês. A menos que o termo sunsickness se refira ao problema de saúde causado pelo sol, também chamado de sunstroke ou heatstroke, em português: insolação.

Pergunta:

1) Qual a forma correcta de dizer/escrever a palavra transcriptase (inglês)?

2) Qual a forma correcta: "nucleotídeo", ou "nucleótido"?

Resposta:

O dicionário em linha da Texto Editores regista nucleótido como «composto constituído por açúcar, ácido fosfórico e uma base nitrogenada e que representa uma unidade de ácido nucleico.»  O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa regista ainda as variantes nucleotídeo e nucleotídio, remetendo-as para nucleótido, que define como «cada uma das cinco unidades formadoras dos ácidos nucleicos, compostas por base nitrogenada, ácido fosfórico e pentose».

Quanto à enzima transcriptase, ou transcriptase reversa, ainda que o termo não conste dos dicionários gerais de língua portuguesa, tem vindo a ser usado no meio científico com a mesma grafia que tem em inglês, como se pode verificar através da consulta da página da Infopédia sobre ARN.

 

Pergunta:

Usa-se frequentemente o termo de origem inglesa cover para designar uma versão de uma música que não é da nossa autoria. Gostaria de saber o género da palavra, isto é, quando é antecedida por um artigo, esse artigo deve estar no feminino ou no masculino? (Ex.: «um cover»/«uma cover».)

Obrigada!

Resposta:

No âmbito da música, tem-se usado o substantivo inglês cover para designar uma nova versão de uma canção já existente. Normalmente, assume-se que o nome é masculino, ou seja, é antecedido por um determinante masculino: fala-se de «um cover» e não de «uma cover».

No entanto, para além de ser completamente desnecessário usar esse estrangeirismo, parece-me absurdo tratá-lo como se fosse masculino quando a palavra inglesa é de género neutro e quando a sua tradução mais óbvia em português pertence ao género feminino. Mas trata-se de um dos muitos absurdos que vão vingando na língua, quer queiramos, quer não...

Pergunta:

Gostaria de saber se tem cabimento traduzir a palavra inglesa "compromise" (cedência) pela portuguesa «compromisso».

Antecipadamente grata pelo esclarecimento, deixo os votos de continuação do bom trabalho.

Resposta:

Presumo que a sua dúvida se prenda com a suspeita de que "compromisso" seja uma tradução demasiado literal e de que o seu significado em português seja diferente do que o termo compromise assume em inglês.

Acontece que cedência, como concessão, não é suficiente para veicular na nossa língua a ideia de compromise, porque a palavra inglesa designa uma espécie de acordo, de pacto, entre duas pessoas ou entidades que fazem cedências mútuas. Ora, se traduzirmos compromise por cedência não fica claro que ambas as partes cedem uma à outra, nesse acordo (pode haver cedência de uma delas, apenas). Daí que, em português, haja tendência para usar o termo compromisso para traduzir compromise. Aliás, segundo o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa, uma das acepções desta palavra é «Acordo político entre adversários, envolvendo concessões mútuas.»

Eu diria, para finalizar, que é preciso atender sempre ao contexto em que a palavra aparece para podermos decidir sobre o melhor termo para a traduzir.

Pergunta:

Bem hajam pelo fabuloso trabalho que fazem. Tenho aprendido muito, pois visito muitas vezes o Ciberdúvidas.

Ficaria muito grata se me pudessem ajudar com a tradução feita e que faz parte de um anúncio.

«I’m about to splatter all over the concrete in what they’ll call an "accident"» = Estou em vias de me esborrachar no cimento num suposto “acidente”.

Os meus colegas e eu estamos com dúvidas no uso das palavras esborrachar como tradução de splatter e do uso de suposto para traduzir «in what they will call», assim como sobre se o uso da palavra esborrachar é aceite ou se é considerada um termo calão.

Desde já muito obrigada.

Resposta:

Eu traduziria a frase que apresenta da seguinte forma: «Estou prestes a esborrachar-me no cimento, naquilo a que se chamará um “acidente”.»

No meu entender, não há qualquer problema em usar o verbo esborrachar-se (que não pertence propriamente ao domínio do calão, mas antes à linguagem familiar) para traduzir a expressão coloquial splatter all over.

Quanto ao uso de «suposto acidente», parece-me preferível fazer uma tradução mais literal da sequência «what they will call», para que seja bem clara a ideia de que, após o suicídio, as pessoas irão pensar que se tratou de um acidente, ou pelo menos referir-se ao sucedido como tal. O termo suposto também transmite essa ideia, mas não de forma tão explícita (falta-lhe o aspecto de sequencialidade que o futuro do indicativo em chamará manifesta, relativamente ao momento em que a frase é enunciada), parecendo-me menos fiel ao original.