Sandra Duarte Tavares - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sandra Duarte Tavares
Sandra Duarte Tavares
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É mestre em Linguística Portuguesa pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. É professora no Instituto Superior de Comunicação Empresarial. É formadora do Centro de Formação da RTP e  participante em três rubricas de língua oortuguesa: Agora, o Português (RTP 1), Jogo da Língua  e Na Ponta da Língua (Antena 1). Assegura ainda uma coluna  mensal  na edição digital da revista Visão. Autora ou coa-autora dos livros Falar bem, Escrever melhor e 500 Erros mais Comuns da Língua Portuguesa e coautora dos livros Gramática Descomplicada, Pares Difíceis da Língua Portuguesa, Pontapés na Gramática, Assim é que é Falar!SOS da Língua PortuguesaQuem Tem Medo da Língua Portuguesa? Mais Pares Difíceis da Língua Portuguesa e de um manual escolar de Português: Ás das Letras 5. Mais informação aqui.

 
Textos publicados pela autora
Salganhada <i>vs.</i> salgalhada

Na esteira dos parlapiês e das coisas escanifobéticas (ou escaganifobéticas!), há, entre tantas outras, mais uma palavra de uso bastante frequente, mas que, para grande surpresa de todos nós, não se encontra consagrada nos nossos dicionários: salganhada!

Pergunta:

Qual a pronúncia correcta da palavra racista? Com a aberto, ou com a fechado?

Obrigada.

Resposta:

Apesar de muitas palavras derivadas manifestarem um fechamento da vogal do radical (exemplos: casa > casinha; porta > portão; belo > beleza), a palavra racista pronuncia-se com a aberto, sendo uma excepção a essa regra: raça > racista.

Pergunta:

A título de uma dúvida, consultei a vossa base de dados e obtive a resposta n.º 7248 – Compartilhar/partilhar, respondida por M.R.L. a 12/12/2000: «Os verbos partilhar e compartilhar podem ser sinónimos quando significam tomar parte em, compartir, o que se verifica na frase que apresenta como exemplo: "Vem compartilhar/partilhar os teus conhecimentos connosco."»

A minha questão é a seguinte: existe outra possibilidade de estes verbos não serem sinónimos? E quais os seus significados?

Resposta:

Os verbos partilhar e compartilhar são, de facto, sinónimos, quando significam «fazer a partilha de, compartir»:

(1) «A Leonor e a amiga partilharam o lanche.»

(2) «A Leonor e a amiga compartilharam o lanche.»

Porém, o verbo partilhar apresenta significados que não são partilhados (este é um deles!) pelo verbo compartilhar:

1. Enquanto verbo transitivo directo, tem também o significado de «dividir, distribuir»:

(3) «Ela partilhou as suas roupas velhas (entre os pobres).»

2. Enquanto verbo transitivo indirecto, significa «tomar parte (em); participar (de); experimentar o mesmo ponto de vista, sentimento, etc.»:

(4) «Homens e mulheres, apesar de diferentes, partilham da mesma essência.»

Pergunta:

É correcto usar o superlativo absoluto analítico do adjectivo absoluto («muito absoluto»), ou deveremos apenas usar absolutíssimo?

Obrigada.

Resposta:

Existem duas grandes subclasses de adjectivos: os adjectivos predicativos e os adjectivos não predicativos (ou relacionais).

Os primeiros predicam, ou seja, atribuem uma qualidade a um nome, por exemplo: bonito, quente, generoso, humilde.

Os segundos não têm uma função predicativa, mas, sim, classificatória: «jornal mensal», «flores campestres», «câmara municipal», «equipamento informático».

A principal diferença entre estes dois grupos de adjectivos é o facto de os predicativos serem graduáveis e, por isso, admitirem variação em grau:

(1) «Esse quadro é muito bonito!»

(2) «A sopa está muito quente.»

Os adjectivos relacionais estabelecem uma relação com o nome que modificam e não são quantificáveis — não admitem variação em grau:

(3) *«Essa câmara é muito municipal.»

(4) *«Este equipamento é muito informático.»

Ora, o adjectivo absoluto pertence, a meu ver, a esta subclasse de adjectivos — os relacionais —, pelo que não admite qualquer variação em grau — nem superlativo absoluto analítico, nem sintético:

(5) *«O poder do rei é muito absoluto.»

(6) *«O poder do rei é absolutíssimo.»

Nota: o asterisco indica ...

Pergunta:

Em relação à resposta enviada em 19/11/2008 com o título: «Dois tipos de máquinas» e «várias marcas de refrigerantes», apesar de bem explicado, ainda me restaram dúvidas. Com relação ao nome açúcar, quando nos referimos à quantidade, foi explicado que não podemos dizer "três açúcares", motivo pelo qual o correto é: «três quilos de açúcar».

Sabendo que há mais de um tipo de açúcar, por exemplo açúcar refinado, açúcar mascavo, glicose, dizemos: «comprei dois tipos de açúcar: um tipo é o refinado e o outro é o mascavo.» Nesse caso não seria possível utilizar a palavra açúcares, não a se referir à quantidade, mas aos tipos (refinado e mascavo)?. O mesmo não acontece quando dizemos «a indústria fabrica dois tipos de máquinas; uma para cortar e outra para dobrar»? Quando vamos ao supermercado e compramos "refrigerantes", normalmente estamos nos referindo a duas ou mais embalagens plásticas que contêm uma certa quantidade em litros do produto (refrigerante). Se dissermos apenas que compramos "dois refrigerantes", não sabemos a quantidade; nesse caso como podemos dizer que "refrigerante" é contável, conforme foi explicado?

Desculpem-me por insistir.

Resposta:

Os especialistas em semântica nominal consideram a existência de duas operações de quantificação nominal: operação de quantificação de contagem e operação de quantificação de medição.

Quando nos referimos aos diferentes tipos de açúcar — refinado, mascavo, etc. — não estamos a contar, mas sim a medir.

E, neste caso, quando nomes não contáveis designam tipos ou qualidades de uma dada substância, admitem, efectivamente, plural:

(1) «Essa região produz excelentes vinhos

(2) «Este supermercado vende diferentes açúcares» (prescinde-se da expressão «tipos de»).

Estes exemplos no plural ilustram bem a possibilidade de recategorizar nomes não contáveis. Nomes como sumo ou refrigerante são não contáveis, mas, através de um processo de metonímia, passam a ter um comportamento contável:

(3) «O João bebe só sumo à refeição.» [não contável]

(4) «Ontem, o João bebeu três sumos!» [contável]

(5) «Ontem, comprámos dois refrigerantes!» [contável]