Sandra Duarte Tavares - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sandra Duarte Tavares
Sandra Duarte Tavares
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É mestre em Linguística Portuguesa pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. É professora no Instituto Superior de Comunicação Empresarial. É formadora do Centro de Formação da RTP e  participante em três rubricas de língua oortuguesa: Agora, o Português (RTP 1), Jogo da Língua  e Na Ponta da Língua (Antena 1). Assegura ainda uma coluna  mensal  na edição digital da revista Visão. Autora ou coa-autora dos livros Falar bem, Escrever melhor e 500 Erros mais Comuns da Língua Portuguesa e coautora dos livros Gramática Descomplicada, Pares Difíceis da Língua Portuguesa, Pontapés na Gramática, Assim é que é Falar!SOS da Língua PortuguesaQuem Tem Medo da Língua Portuguesa? Mais Pares Difíceis da Língua Portuguesa e de um manual escolar de Português: Ás das Letras 5. Mais informação aqui.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Em relação à resposta enviada em 19/11/2008 com o título: «Dois tipos de máquinas» e «várias marcas de refrigerantes», apesar de bem explicado, ainda me restaram dúvidas. Com relação ao nome açúcar, quando nos referimos à quantidade, foi explicado que não podemos dizer "três açúcares", motivo pelo qual o correto é: «três quilos de açúcar».

Sabendo que há mais de um tipo de açúcar, por exemplo açúcar refinado, açúcar mascavo, glicose, dizemos: «comprei dois tipos de açúcar: um tipo é o refinado e o outro é o mascavo.» Nesse caso não seria possível utilizar a palavra açúcares, não a se referir à quantidade, mas aos tipos (refinado e mascavo)?. O mesmo não acontece quando dizemos «a indústria fabrica dois tipos de máquinas; uma para cortar e outra para dobrar»? Quando vamos ao supermercado e compramos "refrigerantes", normalmente estamos nos referindo a duas ou mais embalagens plásticas que contêm uma certa quantidade em litros do produto (refrigerante). Se dissermos apenas que compramos "dois refrigerantes", não sabemos a quantidade; nesse caso como podemos dizer que "refrigerante" é contável, conforme foi explicado?

Desculpem-me por insistir.

Resposta:

Os especialistas em semântica nominal consideram a existência de duas operações de quantificação nominal: operação de quantificação de contagem e operação de quantificação de medição.

Quando nos referimos aos diferentes tipos de açúcar — refinado, mascavo, etc. — não estamos a contar, mas sim a medir.

E, neste caso, quando nomes não contáveis designam tipos ou qualidades de uma dada substância, admitem, efectivamente, plural:

(1) «Essa região produz excelentes vinhos

(2) «Este supermercado vende diferentes açúcares» (prescinde-se da expressão «tipos de»).

Estes exemplos no plural ilustram bem a possibilidade de recategorizar nomes não contáveis. Nomes como sumo ou refrigerante são não contáveis, mas, através de um processo de metonímia, passam a ter um comportamento contável:

(3) «O João bebe só sumo à refeição.» [não contável]

(4) «Ontem, o João bebeu três sumos!» [contável]

(5) «Ontem, comprámos dois refrigerantes!» [contável]

Pergunta:

Gostaria de saber qual das formas está correta: «A secretária de Estado Americano Condoleeza Rice...», ou «A secretária de Estado Americana Condoleeza Rice...»?

Em minha opinião o adjetivo americano deve concordar com Estado, já que não importa a nacionalidade do profissional, mas sim qual Estado ele representa, brasileiro, americano..., ou seja, para mim, a forma correta é no masculino. Entretanto, todos os jornalistas utilizam a forma do feminino. Então, quero saber o porquê desse uso.

Grata.

Resposta:

O grupo nominal «secretária de Estado americana/o» admite duas leituras:

1. [secretária de Estado] americana

2. secretária de [Estado americano]

Porém, na minha opinião, a forma mais correcta é: «secretária de Estado americana». Explico porquê:

Se tivéssemos a contracção da preposição de com o artigo definido o, teríamos um significado mais específico, logo, o adjectivo americano modificaria apenas o nome Estado: «secretária [do Estado americano]».

No entanto, a preposição simples de exprime um sentido mais genérico, pelo que a leitura mais imediata é considerar o constituinte [secretária de Estado] uma unidade linguística coesa.

Esta unidade linguística tem como núcleo o nome secretária, logo, o adjectivo americana deve concordar em género e número com esse nome, por exemplo: «secretárias de Estado americanas»; «secretários de Estado americanos».

Espero que a minha resposta tenha sido esclarecedora!

Pergunta:

Cresci a ouvir dizer "emanetado". Numa frase simples do género: «Ando para aqui todo emanetado.» Gostaria de saber se se pode utilizar como uma palavra provinciana, calão, ou pura e simplesmente não deve ser pronunciada?

Obrigado!

Resposta:

Não encontrei tal palavra em nenhum dicionário que consultei. Os verbos com grafia mais aproximada são: maniatar (Dicionário da Porto Editora) e imantar (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa e Mordebe).

Tratar-se-á provavelmente de um regionalismo, ou então de uma palavra usada unicamente em gíria familiar.

Pergunta:

Li tudo o que têm vindo a explicar sobre a forma enfática e a dupla negação, contudo ficou-me uma dúvida: numa frase com dupla negação, a forma é enfática? É que eu tinha a ideia de que uma das características da forma enfática era o facto de se por retirar da frase os elementos que dão ênfase, sem prejuízo algum para o sentido da mesma frase, mas, na dupla negação, isto não acontece. Agradeço todo e qualquer esclarecimento.

Obrigada pela disponibilidade!

Resposta:

A forma enfática diz respeito ao destaque que é dado a certos elementos da frase através de diferentes processos:

— Entoação:

(1) «Quem comeu a TARTE DE MAÇÃ?!»

— Palavras ou expressões enfáticas:

(2) «O Joãozinho comeu a tarte de maçã.»

— Topicalização (deslocação de um constituinte da sua ordem básica):

(3) «A tarte de maçã, o Joãozinho comeu-a num instante!»

— Focalização (utilização da expressão ser... que):

(4) «Foi o Joãozinho que comeu a tarte de maçã.»

Dupla negação (ou concordância negativa) é a propriedade que algumas línguas têm de permitirem a ocorrência de mais de um operador negativo numa mesma frase, sem que por isso o enunciado passe a ser interpretado como positivo:

            (5) «Não encontraste ninguém conhecido no concerto?»

Se uma frase com dupla negação contiver alguns dos elementos mencionados acima, a sua forma é enfática, por exemplo:

            (6) «Foste tu que não encontraste ninguém conhecido no concerto?»

            (7) «Não encontraste

Pergunta:

Qual a família de palavras de pão?

Obrigado pela atenção.

Resposta:

Convém lembrar que família de palavras designa um conjunto de palavras que partilham o mesmo radical e que se relacionam etimológica e morfologicamente.

Família de palavras de pão:

Padaria, padeiro, pãozeiro, pãozinho, panificação, panificador, panificar, pão-de-ló, pão-de-leite, pão de forma, pão integral, pão ázimo, pão saloio, pão de milho1

1 Maçapão, ao contrário do que se poderia pensar, não é um composto de pão. Segundo o Dicionário Houaiss, tem origem no italiano marzapane, «doce de pasta de amênoda e açúcar, por intermédio do castelhano mazapán. A palavra italiana, que designava o doce e a pequena caixa de madeira que o continha, é de origem controversa: «têm sido propostos como fontes, entre outros, o vocábulo dialetal (Sul da Itália) martrapane, o ár. mautabān "nome de uma moeda em curso no tempo das cruzadas", o árabe mahxabān der. de háxab "madeira"» (ibidem).