Sandra Duarte Tavares - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sandra Duarte Tavares
Sandra Duarte Tavares
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É mestre em Linguística Portuguesa pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. É professora no Instituto Superior de Comunicação Empresarial. É formadora do Centro de Formação da RTP e  participante em três rubricas de língua oortuguesa: Agora, o Português (RTP 1), Jogo da Língua  e Na Ponta da Língua (Antena 1). Assegura ainda uma coluna  mensal  na edição digital da revista Visão. Autora ou coa-autora dos livros Falar bem, Escrever melhor e 500 Erros mais Comuns da Língua Portuguesa e coautora dos livros Gramática Descomplicada, Pares Difíceis da Língua Portuguesa, Pontapés na Gramática, Assim é que é Falar!SOS da Língua PortuguesaQuem Tem Medo da Língua Portuguesa? Mais Pares Difíceis da Língua Portuguesa e de um manual escolar de Português: Ás das Letras 5. Mais informação aqui.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Na consulta a Sandra Duarte Tavares, em 14/02/2012, sob o título Análise de «Veja(m)-se as seguintes...», estranhei a resposta. No Brasil só admitimos o plural, considerando que se trata de voz passiva analítica, em que o sujeito é «as seguintes», e a partícula se é pronome apassivador.

Humildemente e no meu fraco entender a respeito de outras possibilidades, quero saber qual seria a função da partícula se no caso de usarmos o singular «Veja-se as seguintes».

Resposta:

Do ponto de vista sintático, são legítimas ambas as estruturas, ou com o verbo no plural, ou com o verbo no singular, uma vez que estamos perante um verbo transitivo direto: Alguém vê alguma coisa.

Ambos os morfemas ocupam uma posição argumental na frase, isto é, são argumentos do verbo ver, porém, desempenham uma função sintática distinta.

Na estrutura «veja-se as seguintes transcrições», em que o verbo se encontra no singular, o se é interpretado como nominativo (ou indefinido), desempenhando, assim, a função sintática de sujeito.

Na estrutura «vejam-se as seguintes transcrições», em que o verbo se encontra no plural, o se é interpretado como uma partícula passiva, desempenhando, assim, a função sintática de complemento agente da passiva.

Observe(m)-se as propriedades de cada se:

1. Se inequivocamente nominativo/indefinido.

O verbo encontra-se no singular; o se é o sujeito da frase (sendo substituível pela expressão “alguém”); não é possível termos paráfrases passivas: 

a) «Não se deve mentir.» (* «Não deve ser mentido.») 

 

b) «Vive-se depressa de mais hoje em dia.» (* «É vivido depressa de mais.»)

2. Se inequivocamente passivo.

O verbo encontra-se no plural; o se é o complemento agente da passiva; o constituinte nominal é o sujeito da frase; é possível termos paráfrases passivas...

Pergunta:

Gostaria de saber se, na frase «O tal telemóvel não era meu», o determinante demonstrativo é tal, ou «o tal».

Resposta:

O determinante demonstrativo é apenas a palavra tal, uma vez que a palavra o é um determinante artigo definido.

Pergunta:

Como analisar sintaticamente a frase «Eles tornaram-se inseparáveis»?

«Inseparáveis» = predicativo do sujeito? «Se» = ?

Resposta:

O adjetivo inseparáveis tem a função sintática de predicativo do sujeito, uma vez que predica o sujeito eles.

Em relação ao se, dado que não é um argumento do verbo, mas, sim, uma propriedade lexical do próprio verbo, é denominado de se inerente ou pseudo-reflexo.

Trata-se do mesmo se de verbos como queixar-se, comprometer-se, arrepender-se, suicidar-se, atrever-se, entre outros.

Pergunta:

Prezados, há uma dúvida muito grande no mundo jurídico no que se refere à correta regência/flexão do verbo ver quando utilizado nas seguintes frases: «Veja-se as seguintes transcrições doutrinárias» ou «Vejam-se as seguintes transcrições doutrinárias».

A primeira pergunta é: está correta a utilização do verbo na frase com a partícula se (ou seja, o correto seria «veja-se», ou «veja»)?

A segunda pergunta: qual é a flexão correta no exemplo dado, «veja-se», ou «vejam-se»?

O esclarecimento dessas dúvidas, por certo, ajudará diversos juristas que labutam na advocacia diária, bem como os magistrados.

Resposta:

Todas as construções que apresenta são corretas, correspondendo, certamente, a estruturas sintáticas diferentes. Assim,

1. «Veja-se as seguintes transcrições doutrinárias» (= alguém veja as seguintes transcrições doutrinárias)

Sujeito: se (nominativo/indefinido)

Predicado: Veja as seguintes transcrições doutrinárias

Complemento direto: as seguintes transcrições doutrinárias

2. «Vejam-se as seguintes transcrições doutrinárias» (= as seguintes transcrições doutrinárias sejam vistas)

Sujeito: as seguintes transcrições doutrinárias

Predicado: Vejam-se

Complemento agente da passiva: se

3. «Veja as seguintes transcrições doutrinárias» (= Você veja as seguintes transcrições doutrinárias)

Sujeito: nulo subentendido (você)

Predicado: Veja as seguintes transcrições doutrinárias

Complemento direto: as seguintes transcrições doutrinárias.

Nota: Confrontar, nas Controvérsias, os textos sobre Função sintática de «se»: sujeito ou complemento agente da passiva? 

Pergunta:

As seguintes palavras são palavras parónimas?

Plágio e Pelágio; remuneração e renumeração

Resposta:

Se tivermos em conta a definição de palavras parónimas – «as que, diversas na significação, têm pronúncia tão aproximada, que facilmente se podem confundir: emigrar e imigrar; descrição e discrição» –, concluímos que o nome comum plágio* e o nome próprio Pelágio**, assim como os termos remuneração (= pagamento; salário; ordenado; prémio; compensação) e renumeração (= tornar a numerar ou a escrever os números) são, do mesmo modo, exemplos de palavras parónimas, casos de paronímia.

*Do latim plagium, «ação de roubar uma pessoa, sequestrar, vender homens livres como escravos.» O conceito preciso atual aqui.

** Do grego Pelágios, «do alto mar, marinho, marinheiro», pelo latim Pĕlăgīu-. [in Dicionário Onomástico e Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado.]