Sandra Duarte Tavares - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sandra Duarte Tavares
Sandra Duarte Tavares
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É mestre em Linguística Portuguesa pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. É professora no Instituto Superior de Comunicação Empresarial. É formadora do Centro de Formação da RTP e  participante em três rubricas de língua oortuguesa: Agora, o Português (RTP 1), Jogo da Língua  e Na Ponta da Língua (Antena 1). Assegura ainda uma coluna  mensal  na edição digital da revista Visão. Autora ou coa-autora dos livros Falar bem, Escrever melhor e 500 Erros mais Comuns da Língua Portuguesa e coautora dos livros Gramática Descomplicada, Pares Difíceis da Língua Portuguesa, Pontapés na Gramática, Assim é que é Falar!SOS da Língua PortuguesaQuem Tem Medo da Língua Portuguesa? Mais Pares Difíceis da Língua Portuguesa e de um manual escolar de Português: Ás das Letras 5. Mais informação aqui.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Como é que se classificam as orações na frase:

«Quer esteja no quarto, quer esteja na sala, de casa não saio»?

Resposta:

A sequência «quer esteja no quarto, quer esteja na rua» é constituída por orações coordenadas disjuntivas – mas definir a relação que permite a oração «de casa não saio» já se torna mais difícil.

A análise complica-se depois, ou melhor, parece fugir aos padrões mais frequentes e conhecidos de articulação entre orações. Com efeito, a relação entre estas coordenadas e a restante frase parece enquadrar-se no que certos autores denominam como «orações justapostas», como acontece com Evanildo Bechara (Moderna Gramática Portuguesa, Rio de Janeiro, Ediora Lucerna, 2002, pág. 507), que fala em orações justapostas de valor contextual adverbial. Parece-me que uma das leituras atribuíveis à frase em questão é próxima da seguinte análise, propposta por Bechara (idem):

«A justaposição pode, no nível do texto, apresentar as seguintes interpretações:

a) concessivas: tendo o verbo no subjuntivo anteposto ao sujeito ou caracterizadas por expressões do tipo digam o que disserem, custe o que custar, dê onde der, seja o que for, aconteça o que acontecer, venha donde vier, seja como for, etc.:

Tivesse ele dito a verdade, ainda assim não lhe perdoaríamos.

Sairemos, aconteça o que acontecer. [...]»

Tendo em conta esta perspetiva, eu parafrasearia a frase em discussão deste modo:

1. Ainda que ele/ela/você esteja na sala ou no quarto, eu não saio de casa (pressupondo como contexto uma situação de conflito doméstico, em que se disputa um espaço que era comum, e a presença de outra pessoa não é considerada razão para o abandono desse espaço por parte do sujeito do enunciado).

Mas ou...

Pergunta:

Sou "frequentadora" assídua do vosso site e quero dar-vos os parabéns pelo serviço que prestam.

Tenho uma dúvida que não consigo esclarecer nem em gramáticas nem no vosso site. É a seguinte: em «O rapaz declarou-se à menina», qual é a função sintática de se e em que classe de palavras se insere?

Desde já grata pela vossa resposta.

Resposta:

O se presente nesta frase não desempenha nenhuma função sintática, dado que não é um argumento do verbo declarar, mas, sim, uma propriedade lexical do próprio verbo. É denominado se inerente. Trata-se do mesmo se de verbos como queixar-se, comprometer-se, arrepender-se, esforçar-se, atrever-se.

Há duas grandes diferenças entre o se inerente e o se reflexo:
 
1. O se inerente não desempenha nenhuma função sintática; o se reflexo desempenha uma função sintática na frase, normalmente a de complemento direto (podemos substituí-lo por um grupo nominal – cf. Exemplo b): 
(a)    «A noiva maquilhou-se sozinha.»
(b)    «A noiva maquilhou a sua madrinha.»
 
2. O se reflexo admite a coocorrência de expressões como «a si próprio/a», ao passo que o se inerente não admite: 
(c)    «A noiva maquilhou-se a si própria.»
(d)   «O João lavou-se a si próprio.»
 
(e)   * «O aluno queixou-se a si próprio ao diretor.»
(f)     * «O rapaz declarou-se a si próprio à menina.»
 
Por conseguinte, o se presente na frase «O rapaz declarou-se à menina» é designado se inerente. 

Pergunta:

Na frase «Eu como fruta e bebo água porque me faz bem à saúde», a oração «Eu como fruta» é coordenada, a oração «e bebo água» é coordenada copulativa, e «porque me faz bem à saúde» é subordinada causal.

A minha questão é: a oração subordinante não existe? Esta oração está subordinada a uma oração coordenada?

Obrigada, desde já, pela atenção dispensada.

Resposta:

A oração subordinante existe, sim, correspondendo à frase complexa «Eu como fruta e bebo água».

Assim:

Oração subordinante: «Eu como fruta e bebo água»

Oração subordinada adverbial causal (ou explicativa): «porque me faz bem à saúde»

Oração coordenada: «Eu como fruta»

Oração coordenada copulativa: «e bebo água»

Pergunta:

Qual seria a opção correcta de entre estas duas opções nesta frase?

«Eu pensei que ele não vinha/viesse.»

Na minha opinião, eu penso que ambas estão correctas, porque ambas me soam bem ao ouvido. No entanto, não sei bem se alguma destas opções estaria errada nesta situação.

Resposta:

De acordo com o semanticista Rui Marques, a seleção do modo é condicionada por fatores de natureza modal, ou seja, a escolha do indicativo ou do conjuntivo depende da atitude do enunciador. O autor postula que os predicados epistémicos (achar, pensar, considerar) podem expressar diferentes graus de crença, formando uma escala.

Os que expressam um forte valor de crença selecionam indicativo; os que expressam um fraco valor de crença selecionam conjuntivo, e os que estão associados a valores intermédios admitem ambos os modos:

(1)  «A Maria acredita que o João receba o prémio.»
(2)   «A Maria acredita que o João recebe o prémio.»


Por conseguinte, ambas as frases apresentadas se consideram corretas: «Eu pensei que ele não vinha/viesse.»

¹ Rui Marques, 1997, “Sobre a selecção de modo em orações completivas”, Actas do XII Encontro Nacional da Associação Portuguesa de Linguística (Braga-Guimarães, 30 de Setembro a 2 de Outubro de 1996), Vol. I, Lisboa: Associação Portuguesa de Linguística, pp. 191-202. 

Pergunta:

Qual(is) a(s) forma(s) correta(s) de entre as frases seguintes?

– «Um automóvel pode ser designado carro.»

– «Um automóvel pode ser designado por carro.»

– «Um automóvel pode ser designado como carro.»

– «Um automóvel pode ser designado de carro.»

 

Resposta:

Todas as frases apresentadas estão corretas.

Regra geral, o predicativo do sujeito não é introduzido por preposição: 

(a)    «Esse automóvel é potente.»

(b)   «Esse automóvel é um Mercedes.»

(c)    «Um automóvel pode ser designado carro.»

 

Porém, o predicativo do sujeito pode vir antecedido de uma preposição: 

(d)   «Um automóvel pode ser designado por carro.»

(e)   «Um automóvel pode ser designado de carro.»

 

Ou ainda pelo conectivo como

(f)     «Um automóvel pode ser designado como carro.»