Inês Gama - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Inês Gama
Inês Gama
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Licenciada em Português com Menor em Línguas Modernas – Inglês pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e mestre em Português como Língua Estrangeira e Língua Segunda (PLELS) pela mesma instituição. Fez um estágio em ensino de português como língua estrangeira na Universidade Jaguelónica em Cracóvia (Polónia). Exerce funções de apoio à edição/revisão do Ciberdúvidas e à reorganização do seu acervo.

 
Textos publicados pela autora
A Cidade Eterna e a sua referência presente na língua
Exemplos de alguns provérbios relacionados com a cidade de Roma

Neste apontamento a consultora Inês Gama explora alguns dos provérbios que existem em português com a referência à cidade de Roma.

Pergunta:

Boa tarde. Na frase seguinte, podemos considerar o advérbio nunca (repetido) com função conetiva? Com valor conetivo? 

«É música livre, porque imprevisível, nunca sabemos por onde irá seguir, mas nunca fica perdida, nunca abdica de se ancorar na estrutura.»

Obrigado pelo vosso excelente trabalho.

Resposta:

Na frase apresentada pelo consulente, o advérbio nunca não está a desempenhar uma função conetiva.

De acordo com o Dicionário Terminológico (DT), os conetores discursivos «são uma classe de marcadores discursivos, que ligam um enunciado a outro enunciado ou uma sequência de enunciados a outra sequência, estabelecendo uma relação semântica e pragmática entre os membros da cadeia discursiva (...), têm a mesma distribuição da classe de palavras a que pertencem e contribuem de modo relevante para a coesão textual, orientando o recetor na interpretação dos enunciados, na construção das inferências, no desenvolvimento dos argumentos e dos contra-argumentos». Neste sentido, na frase apresentada, identifica-se, logo de imediato, dois conetores: porque, com valor explicativo; mas, com valor adversativo. 

Note-se que as omissões dos conetores de uma frase não afetam o valor dos nexos estabelecidos, pois este pode ser inferido. Deste modo, identifica-se na frase, entre a segunda e a terceira oração («porque imprevisível, nunca sabemos por onde irá seguir») e a penúltima oração e a última («nunca fica perdida, nunca abdica de se ancorar na estrutura»), uma conexão aditiva e que se recupera por inferência. Estas orações estabelecem entre si uma relação de coordenação, sendo consideradas coordenadas assindéticas, visto nenhuma delas ser introduzida por uma conjunção. Segundo Macário Lopes e Rio-Torto, em Semântica<...

A diferença entre as expressões «em vez de» <br> e «ao invés de»
Relações semânticas entre locuções prepositivas

A relação semântica entre as expressões «em vez de» e «ao invés de» é o tema do apontamento gramatical da consultora Inês Gama (divulgado no programa Páginas de Português, da Antena 2, em 08/12/2024).

Pergunta:

Sei que o conjuntivo é usado com verbos de opinião na forma negativa, como «não acho que...». Mas também é possível usá-lo em perguntas?

Por exemplo, «Achas que ele fale português»?

Também gostaria de saber se é usado quando nos referimos ao passado. Por exemplo, «Achas que ele fosse a casa?», em vez de «Achas que ele foi a casa?».

Ou depende do grau da incerteza?

Muito obrigado.

Resposta:

As frases «Achas que ele fale português» e «Achas que ele fosse a casa» não são aceitáveis em português.

O modo conjuntivo serve para exprimir situações ainda não realizadas, hipotéticas ou irreais. É o modo através do qual se transmite a incerteza, a dúvida, o desejo pela realização de alguma coisa, a condição, a possibilidade, a eventualidade.

Neste sentido, o conjuntivo é por excelência o modo da frase subordinada, pedido por conjunções ou locuções conjuncionais, ou por verbos que exprimem dúvida, vontade, necessidade, ordem, obrigação, permissão, proibição e expectativa. Por conseguinte, os verbos declarativos e os verbos de crença como achar selecionam basicamente, segundo a Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian), o modo indicativo no verbo subordinado. Portanto, são aceitáveis frases como (1) e (2).

(1)  «Achas que ele fala português?»

(2)  «Achas que ele foi a casa?»

No entanto, como se assinala na mesma obra, quando a oração principal é uma negação frásica, o modo conjuntivo é aceitável no verbo subordinado, como se observa em (3) e (4).

(3)  «Não achas que ele fale português?»

(4)  «Não achaste que ele fosse a casa?»

Note-se que, por norma, o pretérito imperfeito do conjuntivo só pode ocorrer quando na oração subordinante o verbo está num dos tempos do passado do modo indicativo ou no condicional. 

Pergunta:

Diz-se «não vejo melhorias» ou «não vejo melhoras»?

Obrigado

Resposta:

Ambas as frases estão corretas e podem, nalguns contextos de uso, ter um sentido equivalente.

O nome melhora tem, segundo a grande maioria dos dicionários da língua portuguesa, o nome melhoria como um dos seus possíveis sinónimos em alguns dos seus sentidos. Por conseguinte, quando se pretende referir uma «mudança para um estado, uma condição ou uma situação mais favorável; ato ou efeito de melhorar ou de se melhorar» (Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa), os termos melhora e melhoria são sinónimos, ou seja, têm equivalência quando se referem a coisas ou situações. Portanto, imagine-se que se pretende referir o facto de, no futuro, as condições de vida não irem ficar boas, é possível dizer:

(1) «Não vejo melhorias das condições de vida.»

(2) «Não vejo melhoras das condições de vida.»

Outro sentido em que o nome melhora pode ser usado como sinónimo de melhoria é quando se aborda a «transição para um estado de saúde, uma condição física ou psíquica mais saudável; alívio de doença» (Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa). Com efeito, numa situação em que se tenciona mencionar que o estado de saúde de alguém não apresenta uma evolução positiva, pode-se dizer:

(3) «Não vejo melhorias no seu estado de saúde.»

(4) «Não vejo melhoras no seu estado de saúde.»

Contudo, nos casos em que se pretende desejar a alguém que, por situação de doença, se encontra num estado físico vulnerável, uma breve recuperação, em português europeu, a tendência é para usar apenas o nome...