Inês Gama - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Inês Gama
Inês Gama
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Licenciada em Português com Menor em Línguas Modernas – Inglês pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e mestre em Português como Língua Estrangeira e Língua Segunda (PLELS) pela mesma instituição. Fez um estágio em ensino de português como língua estrangeira na Universidade Jaguelónica em Cracóvia (Polónia). Exerce funções de apoio à edição/revisão do Ciberdúvidas e à reorganização do seu acervo.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Qual a construção mais correta?

– «Lembrarmo-nos daqueles a quem servimos.»

– «Lembrarmo-nos daqueles que servimos.»

Grato.

Resposta:

Ambas as construções estão corretas. No entanto, o antecedente retomado pelos constituintes «a quem» e que pode ser diferente, o que faz com que os seus sentidos sejam ligeiramente diferentes.

Nas duas frases, os constituintes «a quem» e que são selecionados pelo verbo servir que, neste caso, se comporta como um transitivo direto. Quer isto dizer que tanto «a quem» como que desempenham ambos a função sintática de complemento direto. Note-se que, segundo Anabela Gonçalves, na Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian), «tipicamente, o complemento direto em português não é introduzido por uma preposição, quer seja um sintagma nominal quer seja uma oração. Existem, no entanto, alguns contextos especiais em que um complemento direto é introduzido pela preposição a; nestes casos, o complemento direto tem sempre o traço [+humano], caracterizando-se também por ser semanticamente específico», página 1169. Por conseguinte, pode-se assumir que «a quem» retoma como referente o pronome daqueles

Pergunta:

Antes de datas devemos usar próclise ou ênclise? Exemplo: «Em 2024 apresentou-se à frente de...» ou «Em 2024 se apresentou à frente de...»?

Muito obrigado!

Resposta:

Antes de datas, em português europeu (PE), o correto será usar a ênclise.

Em PE, a posição dos pronomes clíticos é variável e sintaticamente condicionada. Por conseguinte, nas várias gramáticas consultadas de PE, os contextos em que o pronome clítico deve surgir em próclise (antes da forma verbal), de uma forma geral, são: i) negação (1); ii) orações subordinadas finitas (2); iii) interrogativas parciais com constituinte interrogativo anteposto (3); iv) advérbios como tambémainda, entre outras possibilidades (4).

(1) O João não se apresentou à turma. 

(2) Disseram que o João se apresentou à turma.

(3) Quando é que o João se apresentou à turma?

(4) O João já se apresentou à turma. 

Assim, conclui-se que a referência a uma data na frase não é por si só um contexto que exija a realização da próclise. Neste sentido, caso na frase apenas esteja mencionada a data, sem que nenhum dos contextos referidos anteriormente ocorra, então, em PE, deve-se colocar o pronome em situação de ênclise, como exemplificado em (5): 

(5) Em 2024, o João apresentou-se à frente dos colegas de turma.

Note-se ainda que se recomenda colocar uma vírgula depois da data quando esta inicia a frase, tal como ocorre em (5).

Quando o francês se inspirou no português
Algumas palavras francesas de origem portuguesa

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Pergunta:

Gostaria que me esclarecessem, por favor, se a forma correta deverá ser «Os estudantes devem comparticipar os custos de formação» ou «Os estudantes devem comparticipar nos custos de formação»?

Muito obrigada.

Resposta:

Ambas as frases estão corretas. No entanto, enquanto em «Os estudantes devem comparticipar os custos de formação» o complemento direto não é introduzido por uma preposição, em «Os estudantes devem comparticipar nos custos de formação» a preposição que introduz o complemento pertence à lista das possíveis preposições que podem ser regidas pelo verbo comparticipar. Os dicionários consultados atestam ambas as possibilidades, embora pareça ser mais frequente o uso do verbo comparticipar com preposição.

Segundo o Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa (DLPACL), comparticipar tem como significados possíveis «tomar parte em determinada ação, processo ou acontecimento, em conjunto com outras pessoas ou entidades» ou ainda «partilhar os custos ou lucros de alguma coisa; ter uma comparticipação», sendo este último o sentido usado nas frases indicadas pela consulente. 

Quanto aos seus usos, de acordo com o Dicionário Gramatical de Verbos Portugueses (Texto Editores)comparticipar rege as preposições de e em, isto é, pode-se usar com as preposições de ou em, como ilustra o exemplo seguinte: 

(1) a. O estado comparticipa de algumas despesas de saúde. 

     b. O estado comparticipa em algumas despesas de saúde.

Já a nota existente no dicionário 

O Ciberdúvidas da Língua Portuguesa e a Geração Z
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