Ó pá! A interjeição portuguesa que conquistou Astérix
Uma análise linguística e cultural da expressão «ó pá» na nova BD Astérix na Lusitânia
Entre os vários acontecimentos do final de outubro de 2025, destacou-se o lançamento da mais recente aventura da dupla gaulesa Astérix e Obélix, intitulada Astérix na Lusitânia. Leram bem, uma das coleções mais famosas de banda desenhada do mundo trouxe as suas duas personagens principais para uma aventura vivida no jardim à beira-mar plantado, hoje designado por Portugal, um território que, nos tempos dos romanos, era conhecido por Lusitânia.
Esta obra explora diversos elementos da cultura e da língua portuguesa de forma bem-humorada. Encontramos referências ao bacalhau (acepipe de que o nosso amigo Obélix, mais dado aos prazeres da carne, não é muito apreciador), à saudade, ao fado e aos azulejos. Do ponto de vista linguístico, na tradução portuguesa, destaca-se a opção do tradutor em recorrer frequentemente, e de modo um pouco excessivo, à interjeição «ó pá». Ao longo das suas páginas, são várias as personagens lusitanas que a usam. Face a esta opção redundante, justifica-se a questão: em que tipo de situações usam, de facto, os falantes de português «ó pá»?
A interjeição «ó pá» (ou «oh, pá», variante aceitável) é uma forma coloquial muito típica do português europeu. Já consta das abonações da forma vocativa pá no Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa e tem uso amplamente difundido na linguagem informal. O Ciberdúvidas até já abordou esta questão, referindo que grafias como epá, opá são tentativas de transcrição da oralidade, sem estatuto oficial, mas com forte presença no português falado.
«Ó pá» resulta da junção da interjeição ó, usada para chamar alguém ou iniciar uma frase, com pá, uma forma abreviada de rapaz. Deste modo, «ó pá!» serve para assinalar uma marca de informalidade no discurso. Pode ser usada em múltiplos contextos da oralidade, com diferentes intenções comunicativas, como para expressar surpresa ou indignação («Ó pá, não acredito!»); para chamar a atenção ou iniciar uma frase («Ó pá, ouve lá o que te estou a dizer!»); para manifestar impaciência ou protesto («Ó pá, já chega!») e até serve, com uma determinada entoação, para ameaçar alguém («Ó pá, não sei se não levas resposta!»)
No Brasil, regista-se opa (sem acento), forma também usada como interjeição, mas com sentidos ligeiramente diferentes. Usa-se geralmente para exprimir admiração, mas também pode ocorrer como saudação informal (cf. Dicionário Houaisss). Já em Portugal, «ó pá» tende a ser mais expressivo, com uma carga emocional e muitas vezes usado para iniciar frases como: «Ó pá, não me digas isso!» ou «Ó pá, que cena!». Embora o uso brasileiro de opa como saudação tenha cabimento, não parece haver uma relação direta com as variantes portuguesas mencionadas. Aliás, vale a pena referir também a interjeição epa, comum no português brasileiro, que expressa surpresa ou espanto, conforme se pode verificar, por exemplo, no dicionário Michaelis.
Concluindo, embora peque por um ligeiro excesso de uso ao longo das 48 páginas do livro, a interjeição «ó pá» acaba por ser uma ótima maneira de nos pôr a rir de nós próprios, como quem se vê ao espelho e reconhece, com carinho, os seus próprios tiques linguísticos. Afinal, se há algo que os Lusitanos sabem fazer bem é resistir com graça, reclamar com estilo e ser melancólicos e alegres ao mesmo tempo. E, ó pá, isso é que é afinal a verdadeira essência lusitana!
Na imagem, a capa da tradução portuguesa de Didier Conrad e Fabcaro, Astérix na Lusitânia, Edições ASA, 2025.
