Inês Gama - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Inês Gama
Inês Gama
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Licenciada em Português com Menor em Línguas Modernas – Inglês pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e mestre em Português como Língua Estrangeira e Língua Segunda (PLELS) pela mesma instituição. Fez um estágio em ensino de português como língua estrangeira na Universidade Jaguelónica em Cracóvia (Polónia). Exerce funções de apoio à edição/revisão do Ciberdúvidas e à reorganização do seu acervo.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Recentemente, questionaram-me: «Posso dizer "Desmarquei uma marcação?"»

Não me parece que o significado da palavra marcação abarque o próprio intervalo de tempo que é alvo da marcação (sendo marcação apenas referente ao verbo marcar). Mas gostaria de ter o vosso parecer sobre o tema.

Muito obrigada!

Resposta:

A frase «desmarquei uma marcação» é possível do ponto de vista semântico, no entanto, do ponto de vista sonoro e estilístico, é estranha. Neste tipo de situações, o mais usual será dizer «cancelar uma marcação» ou «anular uma marcação».

O nome marcação, segundo o Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa (DLPACL), tem como uma das suas aceções possíveis «fixação antecipada de uma data para a realização de alguma coisa», como, por exemplo, «marcação de férias», «marcação de reuniões» ou «marcação de consulta médica».

Por outro lado, o verbo desmarcar tem como um dos seus sentidos «desfazer um compromisso que havia sido anteriormente assumido, relativamente a um acontecimento a ter lugar no futuro» (DLPACL) como, por exemplo, «desmarcar um encontro» ou «desmarcar uma consulta». Nestes casos, verbos como cancelar ou anular funcionam como sinónimos.

Portanto, ao analisar os sentidos de marcação e desmarcar, verifica-se que estas duas palavras, embora sejam usadas para descrever situações opostas que ocorrem em momentos diferentes, partilham a mesma noção («fixar prazo») e o mesmo radical (marc-), os de marcar, pelo que «desmarquei uma marcação» produz um efeito de redundância e eco, discutíveis do ponto de vista estilístico. Com efeito, a repetição d...

O plural de <i>arco-íris</i>
O plural das palavras compostas

Apontamento da consultora Inês Gama sobre o plural de arco-írisIncluído no programa Páginas de Português, na Antena 2, no dia 18 de maio de 2025.

Pergunta:

Na frase «A perseverança ajuda-nos a lidar com esse tal de medo» a preposição destacada é necessária?

Obrigado.

Resposta:

Na frase apresentada pelo consulente a preposição de não é necessária, sendo que o uso mais aceitável, em português europeu, será «A perseverança ajuda-nos a lidar com esse tal medo». 

 Em dicionários e gramáticas do português, não se encontram informações relevantes sobre o uso da preposição de com «esse tal». Contudo, uma pesquisa no corpus do português, organizado por Mark Davies, mostra que o uso da preposição de com «esse tal» é sobretudo comum no português do Brasil, mas apenas com nomes próprios, como ilustram os exemplos (1) e (2). 

(1) «Eu não conheço esse tal de Jerônimo.» (Pedro Correa Cabral, em “Xambioá – Guerrilha do Araguaia”)

(2) «Em primeiro lugar em as pesquisas, está esse tal de Francisco Cardoso Fernando Henrique Cardoso.» (Folha de São Paulo)

Já em português europeu, parece existir e tendência para usar a expressão «esse tal» sem preposição a segui-la, quer com nomes próprios, como exemplificado em (3), quer com nomes comuns, como se observa em (4). 

(3) «também o teu mais recente padrão de génio universal, esse tal Proust.» (José Régio, em “Os Avisos do Destino”)

(4) «E então, esse tal ...

Pequenas curiosidades sobre a expressão «sumo pontífice»
A propósito da eleição do novo papa, Leão XIV

A propósito da eleição do novo papa, Leão XIV, a consultora Inês Gama dedica um apontamento sobre a expressão «sumo pontífice» e outras palavras relacionadas.

Pergunta:

Na frase seguinte, podia esclarecer como o louca vem antes do substantivo «a tua mulher» e, ainda mais, como é que pode justificar o uso do da entre a louca«tua mulher»? Parece-me que a versão mais clara seria «a tua mulher louca», não é?

«Nunca se sabe quando vais ter de safar a louca da tua mulher.»

Muito obrigado.

Resposta:

A palavra louco/(a) pode, segundo a grande maioria dos dicionários de língua portuguesa, pertencer a duas classes de palavras diferentes: nomes e adjetivos. 

Na frase «Nunca se sabe quando vais ter de safar a louca da tua mulher», a palavra louca pertence à classe dos nomes e, por conseguinte, a expressão «da tua mulher» funciona como modificador do nome, uma vez que completa o sentido do nome louca. Regra geral, os modificadores e complementos do nome são, em português, introduzidos pela preposição de, por isso se coloca da (contração da preposição de como artigo feminino a) entre o nome louca e a expressão «tua mulher». 

Já na frase «Nunca se sabe quando vais ter de safar a tua mulher louca», a palavra louca funciona como um adjetivo, tendo a função de caracterizar aquela mulher específica como louca. Neste caso, a ocorrência do adjetivo louca é à direta do nome mulher, lugar tipicamente ocupado pelos adjetivos em português.

Note-se, contudo, que «a louca da tua mulher» e «a tua mulher louca» têm certa equivalência semântica, isto é, segundo Celso Cunha e Lindley Cintra, em Nova Gramática do Português Contemporâneo, trata-se de um «recurso expressivo, generalizado nas línguas românicas» e «é a caracterização de um substantivo por meio de um nome (substantivo ou adjetivo) anteposto,