Inês Gama - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Inês Gama
Inês Gama
9K

Licenciada em Português com Menor em Línguas Modernas – Inglês pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e mestre em Português como Língua Estrangeira e Língua Segunda (PLELS) pela mesma instituição. Fez um estágio em ensino de português como língua estrangeira na Universidade Jaguelónica em Cracóvia (Polónia). Exerce funções de apoio à edição/revisão do Ciberdúvidas e à reorganização do seu acervo.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Num livro de português para estrangeiros, de uma editora portuguesa, encontrei a designação de «futuro imperfeito do indicativo» para a conjugação de verbos no futuro simples. Qual a origem do imperfeito nesta designação? Muito obrigada.

Resposta:

A designação «futuro imperfeito do indicativo», usada por algumas gramáticas e manuais escolares para identificar a conjugação de verbos no futuro simples do indicativo, tem o intuito de fazer referência ao valor aspetual imperfetivo que este tempo verbal assume.

O futuro imperfeito ou futuro simples do indicativo é utilizado quando o falante tenciona exprimir uma situação futura relativamente a um momento presente num contexto formal, exemplificado em (1). Para além disso, pode também ser usado para exprimir dúvida, incerteza ou desconhecimento de uma situação presente, como em (2).

(1) Amanhã, teremos aula de português.

(2) O João não veio à aula porque estará doente.

Neste sentido, como as situações descritas em (1) e (2) não estão terminadas e a sua conclusão é ainda incerta, considera-se que este tempo expressa um valor aspetual imperfetivo.

Por oposição, o futuro perfeito ou futuro composto do indicativo exprime uma situação futura que deverá já estar terminada em relação a outra situação também futura, como se pode observar em (3). Nesta perspetiva, o futuro composto do indicativo apresenta um valor aspetual perfetivo uma vez que descreve uma situação cuja conclusão está definida no tempo.

(3) Quando chegarmos a casa, o filme já terá terminado.

Note-se, no entanto, que os termos «futuro imperfeito» e «futuro perfeito» são designações contempladas pela nomenclatura gramatical portuguesa de 1967. Atualmente, o Dicionário Terminológico, documento de referência para o ensino não universitário português, refere os tempos do futuro do indicativo como «futuro simples» e «futuro c...

<i>Pronúncia</i> <i>vs.</i> <i>pronuncia</i>
A grafia correta das palavras

Neste apontamento, a consultora Inês Gama aborda a grafia das palavras pronúncia e pronuncia.

(Apontamento transmitido  no programa Páginas de Português, da Antena 2, em 25/02/2024)

Pergunta:

Mais uma vez recorro ao vosso muito útil apoio.

Creio que o sentido destes versos, que Camões põe na voz do Adamastor, será o de que o emissor ["Eu"] não conseguiu resistir à ilusão, foi ludibriado por Tétis e Dóris. Será? Contudo, à letra parece ser exatamente o contrário. Como explicar esta negação?

Obrigada, desde já!

Resposta:

O episódio do Adamastor é um dos mais relevantes da obra épica Os Lusíadas e situa-se entre as estrofes 37 e 60, do canto V. É aqui que é narrado o encontro entre a armada de Vasco da Gama e o mostrengo Adamastor, um dos protagonistas do episódio.

O verso a que a consulente faz referência pertence à narração que o Adamastor faz dos acontecimentos que o fizeram transformar-se num penedo e está inserido na seguinte frase, da estrofe 54: «Eu, que cair não pude neste engano / (Que é grande dos amantes a cegueira), / Encheram-me, com grandes abondanças, / O peito de desejos e esperanças.». Note-se que, quando o Adamastor declara «que cair não pude neste engano», está, na realidade, a manifestar que não conseguiu perceber que Dóris, mãe de Tétis, ninfa por quem nutria uma paixão, o estava a ludibriar, pois, a construção «cair no engano», no português da época quinhentista significa, tal como explica Sousa da Silveira, «percebê-lo, dar por êle.»1.

Portanto, neste verso, o Adamastor declara que não percebeu que Dóris Tétis o tinham enganado, levando-o a acreditar que poderia ter uma noite de prazer com a ninfa que amava. É este engano que o leva a, numa noite, cansado da guerra que trava com Neptuno pelo ...

O pluricentrismo do português
Reflexão na sequência de uma entrevista dos alunos do Iscte ao Ciberdúvidas (II)

Na sequência de uma entrevista aos alunos do Iscte pelo Ciberdúvidas*, a consultora Inês Gama apresenta, neste apontamento, uma reflexão sobre o pluricentrismo da língua portuguesa. 

* Ver "O que pensam os falantes de português da sua língua?" (09/02/2024).

Pergunta:

Podia dizer-me o porquê de usar o verbo no futuro de pretérito nas seguintes frases :

1- «Depois disto, o rei D. Dinis, o sexto rei de Portugal, viria a criar a Universidade de Coimbra...»

2 - «... Mas tal só viria a suceder-se em 1147, durante a governação de D. Afonso Henriques...»

3- «... a sua derrota perante os muçulmanos viria a ditar o fim do seu império no ano de 711.»

Em geral, tal aplicação de verbo no futuro de pretérito nestas frases parece seguir uma regra comum, não é?

Se sim, qual?

Obrigado

Resposta:

Nas frases apresentadas, o verbo vir, na forma viria, encontra-se na terceira pessoa do singular do condicional simples.

Segundo as gramáticas, o condicional pode ser interpretado como um modo ou um tempo. E veicula uma ideia de hipótese ou desejo e pode ser substituído pelo pretérito imperfeito do indicativo, como se observa no contraste entre os exemplos (1) e (2):

(1)    Gostaria de visitar Londres.

(2)    Gostava de visitar Londres.

Nas gramáticas em que se realça o seu uso como tempo verbal, como é o caso da Nova Gramática do Português Contemporâneo de Cunha e Cintra, prefere-se a designação de futuro do pretérito ou futuro do passado. Neste caso, o condicional utiliza-se para i) designar ações posteriores à época de que se fala, ii) como forma polida do presente, geralmente, denotadora de desejo, ...