Inês Gama - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Inês Gama
Inês Gama
9K

Licenciada em Português com Menor em Línguas Modernas – Inglês pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e mestre em Português como Língua Estrangeira e Língua Segunda (PLELS) pela mesma instituição. Fez um estágio em ensino de português como língua estrangeira na Universidade Jaguelónica em Cracóvia (Polónia). Exerce funções de apoio à edição/revisão do Ciberdúvidas e à reorganização do seu acervo.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

As seguintes frases me causaram dúvidas:

1. «A quem você quer impressionar?»

2. «A quem estimamos?»

Minhas dúvidas consistem no seguinte: conforme consultei no dicionário de regência verbal de Celso Luft, ambos verbos regem o acusativo, sendo vulgar a utilização do objeto indireto. Portanto, surgiu a questão: estão erradas as duas frases, já que utilizam a preposição a antes do pronome quem? Sei que, especialmente quando o objeto direto se refere a uma pessoa (e o pronome quem, salvo engano, sempre se refere a pessoa), pode (ou deve?) ele ter a si anteposta uma preposição (= objeto direto preposicionado). Contudo, não sei se seria o caso…

Caso me pudessem esclarecer a questão, ficaria grato!

Resposta:

Ambas as frases estão corretas.

Nas frases apresentadas pelo consulente, quem ocorre na forma de um pronome interrogativo, e a ausência ou presença da preposição deve-se à função sintática que este desempenha. Por conseguinte, nas frases apresentadas, «a quem» tem a função sintática de complemento direto. Em geral, quando desempenha esta função, o constituinte quem não é introduzido por uma preposição, sendo mais comum o uso de estruturas como: «Quem você quer impressionar?» ou «Quem estimamos?». No entanto, em algumas situações, quando o complemento direto é selecionado por verbos que exprimem sentimentos, como impressionar e estimar pode ser preposicionado, como se pode observar nos exemplos (1) e (2):

(1)    «Você quer impressionar a todos os professores.»

(2)    «Estimamos a todos os benfeitores.»

Note-se que, nestes exemplos, «a todos os professores» e «a todos os benfeitores» são constituintes com a função de complemento direto, selecionados pelos verbos impressionar e estimar, e que têm a particularidade de s...

Pergunta:

Estou com algumas dúvidas na identificação de classe de palavras na expressão: «milhares de turistas»– nesta expressão, «milhares» é um quantificador ou um nome?

Agradeço a vossa atenção.

Resposta:

Segundo a atual terminologia linguística usada no ensino básico e secundário em Portugal (Dicionário Terminológico), a palavra milhar pertence à classe dos nomes comuns.

Não obstante, tradicionalmente algumas gramáticas tendem a incluir o termo milhar na classe dos numerais coletivos, contemplada apenas pela terminologia linguística de 67. É o caso das edições mais antigas da Nova Gramática do Português Contemporâneo, de Celso Cunha e Lindley Cintra, que assinala «Assim se denomina certos numerais que, como os substantivos coletivos, designam um conjunto de pessoas ou coisas. Caracterizam-se, no entanto, por denotar o número de seres rigorosamente exato. É o caso de novena, dezena, década, dúzia, centena, cento, lustro, milhar, milheiro, par». Numa nota na edição mais recente (2015), é referido que as palavras incluídas nos numerais coletivos pertencem atualmente à classe dos nomes comuns (cf. pág. 461).

Recorda-se também que João PeresTelmo Móia em

A linguística portuguesa feita no feminino
As mulheres que deixaram a sua marca no estudo da gramática e da língua portuguesa

«Apesar do caminho sinuoso e dos obstáculos impostos, várias foram as mulheres que procuraram deixar a sua marca na investigação desenvolvida em torno da língua portuguesa», afirma a consultora Inês Gama, neste apontamento em que se analisam os contributos de algumas mulheres na área da gramática e língua portuguesa.

As dificuldades na expressão de uma língua
Reflexão na sequência de uma entrevista dos alunos do Iscte ao Ciberdúvidas (III)

Na sequência de uma entrevista aos alunos do Iscte pelo Ciberdúvidas*, a consultora Inês Gama apresenta, neste apontamento, uma reflexão sobre as dificuldades de expressão de uma língua.

*Ver "O que pensam os falantes de português da sua língua?" (09/02/2024).

Pergunta:

Num livro de português para estrangeiros, de uma editora portuguesa, encontrei a designação de «futuro imperfeito do indicativo» para a conjugação de verbos no futuro simples. Qual a origem do imperfeito nesta designação? Muito obrigada.

Resposta:

A designação «futuro imperfeito do indicativo», usada por algumas gramáticas e manuais escolares para identificar a conjugação de verbos no futuro simples do indicativo, tem o intuito de fazer referência ao valor aspetual imperfetivo que este tempo verbal assume.

O futuro imperfeito ou futuro simples do indicativo é utilizado quando o falante tenciona exprimir uma situação futura relativamente a um momento presente num contexto formal, exemplificado em (1). Para além disso, pode também ser usado para exprimir dúvida, incerteza ou desconhecimento de uma situação presente, como em (2).

(1) Amanhã, teremos aula de português.

(2) O João não veio à aula porque estará doente.

Neste sentido, como as situações descritas em (1) e (2) não estão terminadas e a sua conclusão é ainda incerta, considera-se que este tempo expressa um valor aspetual imperfetivo.

Por oposição, o futuro perfeito ou futuro composto do indicativo exprime uma situação futura que deverá já estar terminada em relação a outra situação também futura, como se pode observar em (3). Nesta perspetiva, o futuro composto do indicativo apresenta um valor aspetual perfetivo uma vez que descreve uma situação cuja conclusão está definida no tempo.

(3) Quando chegarmos a casa, o filme já terá terminado.

Note-se, no entanto, que os termos «futuro imperfeito» e «futuro perfeito» são designações contempladas pela nomenclatura gramatical portuguesa de 1967. Atualmente, o Dicionário Terminológico, documento de referência para o ensino não universitário português, refere os tempos do futuro do indicativo como «futuro simples» e «futuro c...