Inês Gama - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Inês Gama
Inês Gama
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Licenciada em Português com Menor em Línguas Modernas – Inglês pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e mestre em Português como Língua Estrangeira e Língua Segunda (PLELS) pela mesma instituição. Fez um estágio em ensino de português como língua estrangeira na Universidade Jaguelónica em Cracóvia (Polónia). Exerce funções de apoio à edição/revisão do Ciberdúvidas e à reorganização do seu acervo.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Sei que o conjuntivo é usado com verbos de opinião na forma negativa, como «não acho que...». Mas também é possível usá-lo em perguntas?

Por exemplo, «Achas que ele fale português»?

Também gostaria de saber se é usado quando nos referimos ao passado. Por exemplo, «Achas que ele fosse a casa?», em vez de «Achas que ele foi a casa?».

Ou depende do grau da incerteza?

Muito obrigado.

Resposta:

As frases «Achas que ele fale português» e «Achas que ele fosse a casa» não são aceitáveis em português.

O modo conjuntivo serve para exprimir situações ainda não realizadas, hipotéticas ou irreais. É o modo através do qual se transmite a incerteza, a dúvida, o desejo pela realização de alguma coisa, a condição, a possibilidade, a eventualidade.

Neste sentido, o conjuntivo é por excelência o modo da frase subordinada, pedido por conjunções ou locuções conjuncionais, ou por verbos que exprimem dúvida, vontade, necessidade, ordem, obrigação, permissão, proibição e expectativa. Por conseguinte, os verbos declarativos e os verbos de crença como achar selecionam basicamente, segundo a Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian), o modo indicativo no verbo subordinado. Portanto, são aceitáveis frases como (1) e (2).

(1)  «Achas que ele fala português?»

(2)  «Achas que ele foi a casa?»

No entanto, como se assinala na mesma obra, quando a oração principal é uma negação frásica, o modo conjuntivo é aceitável no verbo subordinado, como se observa em (3) e (4).

(3)  «Não achas que ele fale português?»

(4)  «Não achaste que ele fosse a casa?»

Note-se que, por norma, o pretérito imperfeito do conjuntivo só pode ocorrer quando na oração subordinante o verbo está num dos tempos do passado do modo indicativo ou no condicional. 

Pergunta:

Diz-se «não vejo melhorias» ou «não vejo melhoras»?

Obrigado

Resposta:

Ambas as frases estão corretas e podem, nalguns contextos de uso, ter um sentido equivalente.

O nome melhora tem, segundo a grande maioria dos dicionários da língua portuguesa, o nome melhoria como um dos seus possíveis sinónimos em alguns dos seus sentidos. Por conseguinte, quando se pretende referir uma «mudança para um estado, uma condição ou uma situação mais favorável; ato ou efeito de melhorar ou de se melhorar» (Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa), os termos melhora e melhoria são sinónimos, ou seja, têm equivalência quando se referem a coisas ou situações. Portanto, imagine-se que se pretende referir o facto de, no futuro, as condições de vida não irem ficar boas, é possível dizer:

(1) «Não vejo melhorias das condições de vida.»

(2) «Não vejo melhoras das condições de vida.»

Outro sentido em que o nome melhora pode ser usado como sinónimo de melhoria é quando se aborda a «transição para um estado de saúde, uma condição física ou psíquica mais saudável; alívio de doença» (Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa). Com efeito, numa situação em que se tenciona mencionar que o estado de saúde de alguém não apresenta uma evolução positiva, pode-se dizer:

(3) «Não vejo melhorias no seu estado de saúde.»

(4) «Não vejo melhoras no seu estado de saúde.»

Contudo, nos casos em que se pretende desejar a alguém que, por situação de doença, se encontra num estado físico vulnerável, uma breve recuperação, em português europeu, a tendência é para usar apenas o nome...

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Pergunta:

Qual a função sintática da expressão «do mundo» em «Dando os corpos (...) a perigos incógnitos do mundo»? Modificador restritivo do nome?

Grata!

Resposta:

A expressão «do mundo» no sintagma nominal «a perigos incógnitos do mundo» desempenha de facto a função sintática de modificador restritivo do nome.

O modificador restritivo do nome tem como função principal restringir a referência do nome que modifica. Portanto, no caso apresentado pela consulente, «do mundo» está a circunscrever a entidade descrita pelo nome perigos, ou seja, os perigos mencionados no enunciado apresentado são os relativos ao mundo.

Os modificadores do nome (restritivos e apositivos) podem, por vezes, confundir-se com o complemento do nome. Contudo, enquanto os complementos do nome são selecionados por um nome, os modificadores do nome não são selecionados pelo nome, restringindo ou não a referência do nome que modificam.

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