Texto publicado no jornal i, sobre o mau uso na imprensa portuguesa do verbo ficar-se, no sentido de «restringir-se».
No mesmo artigo de jornal: «Lisboa seguiu a tendência positiva, mas ficou-se pelos 2,62 por cento (PSI 20)»; e mais adiante: «A valorização dos quatro bancos portugueses cotados no PSI 20 ficou entre os seis e os oito por cento.»
Em que é que ficamos: «ficar-se», ou «ficar»?
Ficar é dos verbos mais utilizados em português. Merece 22 significados no dicionário da Academia [das Ciências de Lisboa], que também regista mais de uma dezena de utilizações de ficar como verbo auxiliar (como, por exemplo, «ficar assente», «ficar-se a rir» e «ficar a chuchar no dedo»).
Ficar-se é muito menos utilizado. Significa «permanecer em determinado lugar», «demorar-se», «deter-se», «conservar-se». Com alguma imaginação, talvez fosse possível aproximá-lo vagamente de «não ultrapassar», que é o significado que lhe é atribuído com mais frequência no “economês” e no “politiquês” dos jornais. Os livros de estilo da ANOP (1980) e da Lusa (1992) “arrumavam” o assunto em poucas palavras. Afirmava o primeiro:
«O português coloquial admite a forma ficar-se com o sentido de "conservar-se", "demorar-se". Por exemplo: "Vai à serra e fica-te por lá."» A imprensa portuguesa tem utilizado com muita frequência ficar-se no sentido de «restringir-se»: «O ministro ficou-se nas críticas à oposição», o que é incorreto.
Mais de 30 anos depois, é justo perguntar: será que o erro veio para ficar?
In jornal i, de 4 de novembro de 2011, na crónica semanal do autor, Ponto do i, que assinala alguns erros da escrita jornalística, em Portugal