«A leitura de alguns jornais [portugueses]», à volta da «crise grega», é «a prova de que a falta de imaginação é ainda mais grave que a falta de conhecimento e de domínio da língua», aponta aqui o jornalista Wilton Fonseca, nesta sua crónica publicada no matutino i, de 11/11/2011.
Numa admirável crónica no Expresso, Miguel Sousa Tavares descreveu a angústia do jornalista que quer “fechar” o seu artigo, mas sabe que a qualquer momento pode surgir um desenvolvimento importante.
Contornou o problema recorrendo, por um lado, à sua explicação, e criando, por outro lado, algumas linhas da melhor ficção política, o que poucos jornalistas conseguem fazer. Nem todos têm o conhecimento, a imaginação, o domínio do assunto (e da língua portuguesa) que ele, uma Teresa de Sousa ou um Paulo Moura têm mostrado quando escrevem sobre a crise «grega».
Quando ao jornalista falta o talento, a sabedoria e a imaginação desses profissionais, entram em cena os clichés. É imediato e em proporção directa. Os clichés têm pululado, por todos os lados, nos últimos dias. Como não podia deixar de ser, a expressão «tragédia grega» foi a campeã absoluta. Foi escrita e pronunciada milhares de vezes. O mesmo aconteceu com «à beira de uma crise de nervos»: os gregos, a Europa, Sarkozy, Merkel, todos os políticos do mundo, mesmo os irrequietos e aborrecidos «mercados», figuraram no centro da expressão. Como se isso não fosse suficiente, recorreu-se a quase todos os títulos popularizados pela literatura ou pelo cinema (“E agora, Papandreou?”, “Quem tem medo de Markel?”, “O que faz correr Sarkozy?”), além dos habituais «acalorada discussão», «primar pela ausência» e «titular da pasta», entre tantos outros.
Exercício enfadonho, a leitura de alguns jornais constitui a prova de que a falta de imaginação é ainda mais grave que a falta de conhecimento e de domínio da língua. Clichés.
In jornal i, de 11 de novembro de 2011, na crónica semanal do autor, Ponto do i, que assinala alguns erros na escrita jornalística, em Portugal