Texto publicado no jornal i à volta do mau uso do verbo apelar num jornal português.
As duas frases surgiram no mesmo “jornal de referência”, no mesmo dia, a propósito do «regresso aos tempos de miséria e de opressão do Estado Novo», conforme a situação do país foi caraterizada pelo PCP num recente comunicado. Dizia a primeira frase: «O líder do PCP, Jerónimo de Sousa, apelou ontem aos indignados a que participem noutras manifestações.» Na segunda, lia-se: «O secretário-geral comunista, Jerónimo de Sousa, apelou à participação na semana de luta convocada pela CGTP-IN.»
Os dois apelos são diferentes, embora tenham a mesma origem (o secretário-geral do PCP), a mesma finalidade (o pedido de participação em manifestações e semanas de luta) e a mesma causa (a péssima situação em que [Portugal] se encontra). Os dois apelos têm também em comum a má utilização do verbo apelar. Se outras razões não houvesse, esta última bastaria para que nenhum dos apelos fosse atendido.
O verbo apelar significa «pedir auxílio», «valer-se de alguém» e requer um para: «Os agricultores apelam para o governo»; «os comunistas apelam para os indignados». A preposição a poderia ser utilizada na sequência da expressão «lançar um apelo», ou «fazer um apelo»: «Os agricultores lançaram um apelo ao governo», «o dirigente comunista fez um apelo aos indignados». A expressão jurídica «apelar» pode ajudar quem tiver dúvidas: significa recorrer, por apelação, da sentença de um juiz ou de um tribunal para uma instância ou tribunal superior: «Os advogados do sr. Morais apelaram mais uma vez da sentença.» Mas isto já é outra história.
In jornal i, de 21 de outubro de 2011, na crónica semanal do autor, Ponto do i, que assinala alguns erros da escrita jornalística, em Portugal