«(...) “Iminente” em vez de eminente; “precaridade” em vez de precariedade; “ir de encontro a” em vez de «ir ao encontro de», etc.) e acrescenta: «Numa altura em que o português é por vezes tão maltratado, julgo que devemos aproveitar todas as oportunidade para que se evitem certos lapsos e se exerça alguma pedagogia. (...)»
O provedor tem vindo a receber queixas de leitores sobre a utilização do condicional nos títulos do jornal, e sobre gralhas e erros de português na edição impressa do Público e no online.
Escreve o leitor João de Braga Filho: «Já sei que quem faz os títulos nem sempre é o autor da peça, [mas] o uso e abuso do pode em títulos do Público é irritante e, pior, um erro que fere a credibilidade do jornal(ismo). Veja só estes exemplos recentes (…).» Fui ver e pedi um comentário ao director adjunto, Tiago Luz Pedro, para quem o pode remete, aqui, para o condicional.
Diz Tiago Luz Pedro: «Somos os primeiros a resistir ao uso do condicional, e o leitor que me permita que discorde da sua visão quando afirma que o Público usa e abusa deste recurso nos seus textos. O próprio Livro de Estilo não o proíbe, recomenda sim o seu uso parcimonioso, desde logo por contrariar "a exactidão e a precisão jornalísticas". Mas esta é uma discussão relevante sobretudo para a edição impressa e para o chamado "papel do papel", que já não se limita a dar notícias e que deve ambicionar explicar e analisar, contextualizar e problematizar, apontar caminhos e traçar cenários que um dado acontecimento pode tomar. O uso do condicional, sempre raro como acima se afirmou, encontra aqui alguma razão de ser.»
O Livro de Estilo do Público é o resultado de uma reflexão profunda sobre a prática do jornalismo. Não é por acaso que ele invoca e depois restringe o uso de condicional. Esta forma verbal exprime uma verdade aproximativa e sugere ao leitor uma realidade que os factos ainda não fundamentaram. «Pode ser», «pode ter» são versões jornalísticas da velha resposta normanda, famosa pela sua completa ausência de compromisso: «Pode ser que sim, pode ser que não, antes pelo contrário!» É difícil inventar melhor em matéria de sacudir a água do capote — além de que não se trata propriamente de um exemplo de informação rigorosa, «antes pelo contrário»… O provedor, que certamente também já recorreu ao condicional, atira a si mesmo a primeira pedra.
Quanto a gralhas e a erros de ortografia, o leitor José Amado Mendes dá alguns exemplos (“iminente” em vez de eminente; “precaridade” em vez de precariedade; “ir de encontro a” em vez de «ir ao encontro de», etc.) e acrescenta: «Numa altura em que o português é por vezes tão maltratado, julgo que devemos aproveitar todas as oportunidade para que se evitem certos lapsos e se exerça alguma pedagogia.»
No mesmo sentido abona o leitor João Raimundo Correia, que sugere «(…) a criação de colunas que apanhem quem escreve e fala mal português». (O provedor recorda-se de uma revista que publicou uma página inteira sobre as gralhas cometidas no seu primeiro número e do efeito positivo que tal publicação teve nos números seguintes.)
O leitor Pedro Costa aborda o problema na perspectiva de quem lê o Público no estrangeiro. «Tudo o que vem escrito [no jornal] assume particular importância, não só para me manter informado mas também na formação da minha opinião sobre assuntos correntes. Para aqueles que se encontram emigrados, o Público é também um instrumento de contacto directo com a língua portuguesa, pelo que tem uma vertente didáctica (sobretudo para lusodescendentes).» E continua o leitor: «Em específico, noto uma tendência para o uso de simbologia (como o @ para diluir o género das palavras) que, embora aceitável numa escrita informal, se revela discriminatório, pois nem todos os leitores perceberão estes códigos que são anátemas da gramática portuguesa. (…) Como leitor assíduo do Público, gostaria de pedir um esclarecimento editorial sobre esta matéria.»
Transmiti o pedido a Tiago Luz Pedro: «Agradeço ao leitor o alerta que nos faz para os perigos da contaminação ortográfica e para o nosso dever de máxima vigilância nesta frente. Sobre o exemplo concreto que aponta (o uso do símbolo @), lembro-me de duas situações recentes em que o seu uso foi autorizado, sempre em artigos de opinião (de Paulo Guinote e Catarina Furtado) e por razões diversas. Mas serão sempre situações raras que devem merecer da nossa parte toda a ponderação. A este propósito, gostaria de deixar uma nota de tranquilidade e confiança aos leitores que é o extraordinário trabalho diário da nossa equipa de copy-desks [editor de texto, revisor]. São os primeiros a apontar-nos desvios ao uso correcto do português e a zelar pelo cumprimento escrupuloso das normas de escrita estabelecidas no Livro de Estilo. No Público, o papel essencial de guardiões do bom uso que fazemos da língua está bem entregue.»
O provedor está de acordo com o director adjunto, sobretudo no que respeita à edição impressa, e faz votos para que em breve possa dizer o mesmo em relação ao online. (...)
N. E. – A rigor, do ponto de vista da terminologia usada na descrição da língua, a construção com o verbo poder – «pode ser, pode não ser» – não é um caso de condicional, mas sim de um verbo auxiliar modal, isto é, trata-se de um auxiliar que marca a possibilidade de uma situação ou acontecimento, sem os dar como certos. Na terminologia gramatical empregada em Portugal, o termo condicional aplica-se a um modo verbal (ex.: pensaria, poderiam, julgaríamos,), que é frequente em construções condicionais («Nós julgaríamos assim, se nos fosse dada a oportunidade»).
Excerto do artigo intitulado "Talvez sim, talvez não" da autoria de José Manuel Barata-Feyo, provedor do leitor do Público, publicado neste jornal no dia 2 de janeiro de 2021.