«(...) O meus pais escolheram juntar dois apelidos também cheios de história e de significado. Os Querido, de Mira de Aire, e os Manha, de Minde. (...)»
Sempre que as pessoas mostram estranheza ou treslêem o meu nome, respondo «sim, é Manha, mesmo». Faço-o desde que me conheço, com o orgulho de uma família e antepassados de grande tradição numa comunidade cujo lema é «Honra teus Avós».
Ninguém escolhe a família onde nasce nem o nome que o distinguirá. Podia chamar-me João da Silva, ou João Carreira, ou João Dias, ou João Capaz — isto ponderando apenas três gerações numa terra anterior à nacionalidade. E o orgulho seria igual, porque todos esses apelidos carregariam a mesma herança genética de valor incomensurável e infinito.
Mas os meus pais escolheram juntar dois apelidos também cheios de história e de significado. Os Querido, de Mira de Aire, e os Manha, de Minde. E eu tive tempo para me habituar, primeiro ao Querido, demasiado delicado para o meu gosto, e ao Manha, demasiado explícito para o meu feitio. Mas habituei-me, até com a ajuda de um correctivo socialmente condenável pelos educadores de hoje: «João Manha, quando faz mal, apanha» — deve ter sido a primeira cantilena que aprendi e que me balizou a vida até ao sexagenário.
O nome profissional Querido Manha, com as iniciais QM, foi-me atribuído no estágio na ANOP em 1978 e assentou-me bem. Ficou.
Quando as pessoas não me conhecem, mas simpatizam chamam-me Manhã. Quando me conhecem e antipatizam chamam-me Manhoso. Os primeiros acham graça e brincam, os segundos acham-se superiores e insultam – como aconteceu nos últimos dias com a casta dos adeptos de determinados clubes irritados com um escrito da minha liberdade intelectual.
Como diz o outro, são (mais de) 40 anos disto.
Quase todos os dias há um imbecil, ou vários, que se deslumbra com a epifania de avaliar o meu carácter e integridade através do bilhete de identidade, sem pejo de alardear publicamente a sua boçalidade e ignorância.
A todos respondo da mesma forma: «É Manha, mesmo.» E, quando estou bem disposto, ainda acrescento que manhosa em calão minderico, a língua dos meus extraordinários antepassados, é o nome para o animal silvestre reconhecidamente mais inteligente das serras de Aire e Candeeiros, a raposa.
Texto do ex-jornalista João Querido Manha, transcrito, com a devida vénia, do seu blogue, JQM, com a data de 24 de maio de 2023. Manteve-se a norma ortográfica de 1945 do original.