«(...) [É] na antroponímia que a criatividade dos povos encontra a sua máxima expressão.»
A onomástica é uma área da Linguística que se dedica aos nomes próprios e que inclui como vertentes de estudo a Toponímia (nomes de lugares) e a antroponímia (nomes de pessoas). Em uma língua pluricêntrica como o português, é natural que os nomes próprios, tanto de lugares quanto de pessoas, sejam um reflexo da diversidade social, linguística e cultural dos vários países lusófonos, com suas histórias particulares e marcados por outras línguas que convivem com o português.
Mas é na antroponímia que a criatividade dos povos encontra a sua máxima expressão. Jovens pesquisadores brasileiros, como Natival Simões Neto e Letícia Rodrigues1, demonstram, por exemplo, a grande inovação que caracteriza a atribuição de prenomes no Brasil, ao contrário de Portugal, que apresenta nesse aspecto um caráter mais conservador, como já havia afirmado o Prof. Ivo Castro2. Em cada esquina brasileira há um Julielson, uma Anicleide ou duas irmãs chamadas Analimar e Mart’nália, como as filhas do famoso sambista Martinho da Vila e sua esposa Anália.
Em 15 de novembro de 2020, aconteceram as eleições no Brasil para as prefeituras e as câmaras dos vereadores dos municípios, e nada melhor do que a política para as pessoas exercitarem a criatividade na atribuição dos nomes dos candidatos; atípicos, estranhos e, claro, muito engraçados3. Afinal, tudo vale para se conseguir votos! Assim, apareceram nomes conhecidos no imaginário popular, como Barack Obama, Bob Dilam e até o Bin Laden do Bem. As referências às personagens infantis aparecem em Branca de Neve e a Barbie do Povo. E há candidatos com nomes que mais assustam do que angariam votos, como Doidão, Capeta e até a Capitã Cloroquina. As características pessoais servem de mote para Ivete do Bigode, Cara de Bolo, Sandoval Tá Lindão e Magal, um Cara Legal. Mas há também os nomes motivacionais: Dias Melhores Virão, Barriga Cheia, Sem Sequela, Pé no Chão, Flor da Sorte e o Vai Vai Lucivan. Há, ainda, nomes bizarros como Edson a Saúde Pede Socorro, Frango Bombeiro e Marcos Pai dos Sete Autistas.
Pelo que se vê, a política brasileira pelo menos nos faz rir quando vemos as doidices criativas dos candidatos, porque em tudo o mais, na política que deveria ser séria e comprometida com as necessidades do povo, só nos resta esperar que dias melhores venham.
1 SIMÕES NETO, N. A.; RODRIGUES, Letícia S. A neologia e os processos genolexicais em antropônimos brasileiros: um breve mapeamento de estudos. Mandinga – Revista de Estudos Linguísticos, v. 1, p. 110-127, 2017.
SIMÕES NETO, N. A.; SOLEDADE, J. . Nomes masculinos X-son na antroponímia brasileira: uma abordagem morfológica, histórica e construcional. Revista de Estudos da Linguagem, v. 26, p. 1295-1350, 2018.
2 Ver em: CASTRO, Ivo. A atribuição do nome próprio no espaço luso-brasileiro: dados paulistas. In: AGRELO, A. I. B (org.). Novi te ex nomine: estudos filolóxicos oferecidos ao Prof. Dr. Dieter Kremer. A Coruña: Fundación Pedro Barrié de la Maza, 2004, pp. 245-256.
3 Ver em: Revista Bula.
Registo áudio deste apontamento:
[AUDIO: Edleise Mendes – Nomes, criatividade e política]
Apontamento incluído no programa Páginas de Português, na Antena 2, em 22 de novembro de 2020.