Rafael Bluteau (1638-1734), nascido em Londres, no seio de uma família de origem francesa, e, portanto, falante de português como língua não materna, concretizou a sua admirável intervenção fundadora da lexicografia portuguesa com o seu Vocabulario Portuguez e Latino, o qual veio mais tarde a constituir a base de desenvolvimento de outra obra marcante, o dicionário de Morais. Mas o legado de Bluteau, não se resumindo a esse dicionário, já de si extenso, é vasta e volta hoje a chamar a atenção de investigadores e divulgadores. É o duplo caso do filólogo e linguista João Paulo Silvestre (Universidade de Aveiro – UA), que, com esta edição do Vocabulário de Nomes Próprios, publicada pela UA Editora, dá nova visibilidade à amplitude da intervenção do padre Bluteau entre os precursores dos estudos de onomástica em Portugal.
O atual acesso facilitado à edição original do Vocabulario Portuguez e Latino, graças à digitalização disponibilizada na plataforma digital da Biblioteca Nacional de Portugal, tem permitido aos especialistas ou curiosos perceberem que se trata de um dicionário muito especial, rematado por dois volumes de suplementos, onde se encontra o interessantíssimo Vocabulario de nomes proprios, Masculinos, e femininos, Antigos, e não usados, Vulgares, e raros, e muito raros. A nova edição tem agora a vantagem de pôr o Vocabulário de Nomes Próprios ao alcance de um público ainda mais alargado, graças à atualização do grafismo e de vários aspetos ortográficos. É de salientar a introdução do editor, que, em linguagem clara e acessível, esclarece contextualmente a estrutura da obra, salientando a sua importância pelo facto de atestar nomes pouco documentados e por dar testemunho «do pensamento linguístico sobre antroponímia no século XVIII». Um índice remissivo facilita a consulta dos nomes com tradição de uso em Portugal.
Quanto ao dicionário antroponímico, é este composto por nove listas de nomes, formando um conjunto que servia de suplemento ao Vocabulário Portuguez e Latino, publicado em 1712 e 1728: «Vocabulário de nomes próprios, gentílicos, e cristãos, para o latim, e para os distinguir uns dos outros no bautismo»; «Vocabulário de nomes próprios masculinos, e femininos, mais, ou menos usados, mais vulgares, ou mais raros»; «Nomes muito raros de emperadores, reis, príncipes e cavalheiros»; «Nomes de cavalleiros andantes, e outros destes livros»; «Nomes de pastores, e pastoras»; «Nomes ridículos, que formaram adágios e histórias vulgares»; «Nomes de comediantes italianos»; «Nomes de comediantes franceses»; e «Nomes próprios usados dos portugueses no Brasil».
Como se destaca na contracapa desta nova edição, Bluteau «coligiu o primeiro dicionário de nomes próprios portugueses», que «contempla nomes antigos e modernos e inclui comentários sobre a frequência de uso, distinções regionais e preferências sociais». Além disso, como também aí se observa, «a presente edição contribui para o conhecimento de nomes pouco documentados – como diminutivos e variantes populares». Entre os hipocorísticos (formas de nomes próprios usados em ambiente familiar), são vários os exemplos dos sufixados por -inho, já muito correntes no tempo da publicação do Vocabulario Portuguez e Latino: Josezinho (de José, p. 72); Inezinha, isto é, Inesinha (de Inês, p. 73); Manoelzinho, ou seja, Manuelzinho (de Manuel, p. 80). Outros hipocorísticos atestados são os sufixados por -ico – Anica (de Ana, p. 41) e Joanico (de João, p. 72) – e variantes fonéticas e morfológicas, como é o caso de Antoino (de António, p. 39) ou Zabel (de Isabel, p. 73; também se regista Zabelinha), que perduraram ou ainda perduram na linguagem popular e doméstica.
Em resumo, a edição de João Paulo Silveste proporciona a vários tipos de público leitor o prazer da redescoberta do génio singular de Bluteau, a cuja apurada sensibilidade linguística tanto deve, afinal, a investigação e a reflexão metalinguísticas no mundo de língua portuguesa.
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