São muitos e variados os erros de língua portuguesa que se ensinam por aí. Aqui e agora, apreciemos alguns deles, mas, antes, permita-se-me uma nota prévia: não identifico as obras e os autores que vou criticar, apenas os cito, pois nunca quis nem quero melindrar pessoalmente ninguém.
Debrucemo-nos, então, sobre alguns desses erros...
1 – Há quem diga que a gramática ensina a falar e a escrever correctamente.
Diz isto, por exemplo, o Prof. Janeiro Acabado na sua Gramática da Língua Portuguesa, pág. 5, 6.ª edição:
«Gramática Portuguesa é o estudo das regras que nos ensinam a bem falar e escrever a nossa língua e a perceber o que as outras pessoas falam ou escrevem.»
a) Será verdade? Suponhamos duas crianças da mesma idade, criadas no mesmo meio, com a mesma cultura e com o mesmo coeficiente intelectual. A uma, ensinamos só gramática; e à outra, somente a ler e compreender, a escrever e a falar.
Ao fim do ano, qual delas sabe falar e escrever melhor? Claro que não é aquela que apenas estudou gramática.
b) Mas qual delas conhece melhor, mais profundamente a língua na morfologia, na sintaxe, isto é, nas suas estruturas?
c) Já se pensou no quanto estes conhecimentos são necessários para conhecer profundamente a nossa língua e não somente como meio de comunicação?
d) Já se pensou no quanto tais noções são indispensáveis para aprendermos línguas como o latim e o grego, tão necessárias para o estudo e compreensão das características da nossa língua?
2 - Diz-se também por aí que a vírgula indica uma pequena pausa.
Que ignorância!
a) A vírgula não serve para indicar nenhuma pausa – nem pequena nem grande. Ora vejamos o exemplo n.º 1, escrito pela nossa bem conhecida Maria Leonor (Carvalhão) Buescu no livro Gramáticos Portugueses do séc. XVI, Biblioteca Breve, vol. 18, pág. 69. Façamos pausa, não onde está a vírgula, mas onde se encontra o traço vertical.
Coisa interessante: no exemplo (4), façamos uma única pausa, embora haja cinco vírgulas – pausa onde nem sequer há vírgula.
Como vemos, a vírgula não indica uma pausa, como geralmente se ensina.
(1) «O Diálogo, / bem como, afinal, a gramática, / visa, pois, / secundária / mas efectivamente, / uma afirmação de individualidade da língua portuguesa (…)»
Outros exemplos:
(2) «Notemos, porém, / que passados vinte anos, / ou seja, em 1985, quando da sua morte, / já a sua fama / tinha ultrapassado / as fronteiras.»
(3) «Dizes então, que, no domingo / e, talvez, até no sábado, / não estás em casa, não é verdade?»
(4) «O Pedro é, sem dúvida, inconveniente / e, às vezes, até, malcriado.»
Vejamos ainda mais este caso de pausa e vírgula:
(5) «O João disse / que nunca / mais / lá / voltava a ir.»
É evidente que a pausa fazemo-la aqui ou ali conforme exige o contexto e/ou a situação. E, assim, esta mesma frase pode ser lida de várias maneiras quanto à pausa:
«O João / disse que nunca mais / lá voltava a ir.»
Etc.
3 – Vejamos agora estes versos da poesia "O Cavaleiro do Cavalo de Pau" de Afonso Lopes Vieira:
(6) Vai a galope o cavaleiro sem cessar
galopando no ar sem mudar de lugar.
E galo/pa e galo/pa e galo/pa, para/do,
e galo/pa sem fim nas tábuas do sobrado.
É conveniente que façamos pausa apenas onde se encontra o traço, para que a nossa leitura dê a sensação do galopar.
A vírgula, num período, serve para separar os elementos desse período, que são as orações. Mas, primeiro que tudo, é indispensável sabermos quais as orações que se separam e as que não se separam.
Não separarmos o verbo da oração integrante que o completa:
a) «Não quero que venhas tarde.»
b) «Diz-me se podes vir amanhã.»
A vírgula, numa oração, separa os elementos dessa oração. Mas é preciso sabermos quais os que se separam e os que não se separam. Não se separa, como sabemos, o sujeito do predicado; nem o verbo se separa do seu complemento directo:
«A Maria cantou lindas canções.»
Mas como se ensina erradamente que a vírgula indica uma pequena pausa, aqui vão alguns erros extraídos de jornais:
a) «Estamos certos, que Deus caminhará connosco…»
b) «Pensar bem. E, depois decidir.»
c) «E se o cristão, é aquele que ama, perdoa como Jesus Cristo…»
d) «Num quarto de hora, sem esperar, como, e volto à secretária (…). O dia estava claro e o sol, batia acolhedor frente aos degraus de acesso aos escritórios.»
4 – Quanto ao ponto e vírgula e ponto final, são igualmente sinais de separação.
5 – Não se diz o Alcorão, diz-se o Corão – afirma um professor universitário da Faculdade de Letras de Lisboa:
E explica, dizendo:
• A sílaba Al- é o artigo arábico.
• Dizer o Alcorão é o mesmo que dizer o o Corão.
Segundo esta doutrina, temos então de dizer assim:
(7) «Fui ao Garve e trouxe de lá uma cofa de faces e outra de farrobas. Depois vim por casa do meu amigo Meida que mora em Modôvar; e depois, regressei a Lisboa e fui para Fama, que é onde eu moro.
Já tenho lido em livros escolares de História esta palermice: o livro sagrado dos árabes é o Corão.
6 – Comprei na Feira do Livro uma obrinha de ensino que me pareceu boazita.
Há uns meses, consultei-a nas páginas dos sufixos para ver aqueles que significam profissão. Tem oito exemplos:
O primeiro é herbanário; o segundo é taberneiro:
herbanário < lat. Herba+n+árium – o que vende ervas medicinais.
taberneiro
motorista
cirurgião
professor < lat. professore-.
corretor < ital. Corretore.
Significa agente comercial q. serve de intermediário entre o vendedor e o comprador;
corredor
bailarino
Temos aqui um conjunto de oito sufixos de profissão, em que encontrei três que estão errados: é o herbanário, o professor e o corretor.
Depois vi outro conjunto de sufixos intitulado: «diminutivos e expressivos». São ao todo 42 exemplos. Encontrei 11 que estão errados. E digo «errados», porque não se encontram formados em português, conforme o autor ensina.
Comecei a ler este conjunto de exemplos:
Livrete
Papelinho
Papelzinho
Papelito
Papelucho
Burrico
casebre < lat. med. casibula-,casinha, cabana, pelo provençal casebre com o mesmo significado.
casota
casinhoto
morfema – Não há aqui o sufixo –ema, porque também não há a nossa palavra morfe/morfa/morfo/etc.
E esta palavra está formada com os seguintes elementos de origem grega:
a) morfo – do gr. morphé, forma, elemento de composição. Exprime a ideia de “forma”, que vemos, por exemplo, em morfologia, morfossintaxe , morfogenia, polimorfo, amorfo.
Provém do substantivo, também grego, morfé, forma; – daqui morfo-.
Ao elemento morfo-, juntou-se o elemento, também grego [fon]ema, ao qual se suprimiu o elemento fon. Daqui proveio o nosso vocábulo morfema < morfo + [fon]ema.
Como vemos, verdadeiramente não temos aqui o sufixo -ema, que se juntou a uma nossa palavra morfe ou morfa/morfo… não sei. O autor da gramática é que sabe, porque ele é que inventou a palavra portuguesa, a que se juntou o suposto sufixo -ema.
7 – Unidade mínima de significação, de natureza gramatical ou lexical: - va (de amava) [natureza gram.]; bola [natureza lexical].
Depois temos mais os seguintes vocábulos:
carreta
poemeto
chamusco – este não tem o sufixo –usco, porque é um derivado regressivo de chamuscar;
glóbulo < lat. globulum;
gabarola
soneca
bandeirola
cápsula < lat. capsulam, caixinha;
cortelho < lat. cohorticulum, dim. de cohortem, curral;
poetastro < poeta + astro;
fidalgote
cidadela < it. Cittadella
clarinete < fr. Clarinette
camarim < it. camarino, câmara pequena;
homúnculo < lat. homunculum;
probleminha
florinha
florzinha
florita
coitadinha
raboto
pecadilho < cast. Pecadillo
barbicha < fr. barbiche, pequena barba no queixo;
riacho
folheto
chuvisco
aranhiço
quintalório
cordel < provençal cordel;
pedantice
São ao todo 19 erros.
8 – Vejamos agora os prefixos.
O dito livrinho apresenta 31 grupos de prefixos; os que significam abundância e excesso, privação, adição, etc.
Eis o primeiro: abundância e excesso.
Apenas comentarei o caso que se encontra errado.
Mas antes de comentar, vejamos o seguinte: este grupo de abundância e excesso é aquele em que entra o prefixo hiper-.
Comecemos pelo primeiro vocábulo:
hiperacidez. Correcto. Temos aqui a nossa palavra acidez, a que se juntou o nosso prefixo hiper-, proveniente do grego hypér (adv.: sobre, mais; ou prep.: sobre, em cima, mais além de) + acidez.
hipersensível – correcto;
hipérbole – teremos porventura aqui o substantivo ou adjectivo bole, a que se acrescentou o prefixo hiper-? Claro que não. Sendo assim, é falso termos aqui o prefixo português hiper-. A explicação é, portanto, outra. É a seguinte:
O vocábulo hipérbole provém do latim hipérbole(m), e este do grego hyperbolé, excesso, exageração.
Hipérbole é aquilo que nós aprendemos e que os dicionários ensinam: é aquela figura de retórica que consiste em exagerarmos uma ideia ou uma expressão, de forma negativa ou positiva, ampliando a sua verdadeira dimensão. Aqui vai um exemplo bem conhecido:
«Olha, sabes? Andei a aturá-lo toda a vida mais seis meses!»
Outro:« Ele é um gigante, em vez de um homem alto.»
Como vemos, não temos aqui o prefixo hiper- na formação duma palavra portuguesa, porque ela vem de outra, do latim, e este do grego.
É evidente que há palavras portuguesas que têm o prefixo hiper-. Aqui vão algumas bem conhecidas de todos nós: hipermercado, hipertenso, hipersensível, etc.
Porque é que o autor do livro não escolheu um vocábulo como estes, correctos e tão conhecidos?
Depois, o mesmo livro apresenta outro substantivo: hipertrofia. Mas a nossa língua não tem a palavra trofia a que se acrescentou o prefixo hiper-. Isto assim não se entende.
A maneira de explicar a palavra hipertrofia só pode ser a seguinte: é formada do advérbio grego hypér mais além de, exagerado, mais o adjectivo trofós ( que alimenta, que eleva) + sufixo -ia: hipertrof[ós]ia.
Significa, pois, desenvolvimento exagerado, anormal dum órgão que, assim, aumenta exageradamente de volume.
Outro exemplo:
hipérbato. Eis aqui mais outra palavra não formada em português. Não temos aqui a palavra bato, porque não existe (com o significado relacionado), a que se acrescentou o prefixo hiper-.
O nosso vocábulo hipérbato provém do grego hypérbaton, «inversão». É uma figura de retórica e de gramática. Deriva do grego por intermédio do latim hyperbaton, com o mesmo sentido.
O último vocábulo é hipermetropia.
Não devemos afirmar que temos aqui o prefixo grego hiper- (advérbio e preposição) em cima, acima, a formar uma palavra portuguesa, porque não temos o português metropia.
O vocábulo em questão provém do já português hipermetrope/hipermétrope, aquele que tem ou sofre de hipermetropia.
Como vemos, o substantivo hipermetropia foi formado já dentro da nossa língua, apondo-se o sufixo -ia ao vocábulo hipermetrope.
É evidente que fomos ao advérbio e preposição do grego hiper para formarmos substantivos e adjectivos em português, mas o substantivo hipermetropia formámo-lo já inteiramente dentro da nossa língua, apondo o nosso sufixo -ia ao vocábulo hipermetrope, que umas vezes se emprega como substantivo, masculino ou feminino, significando «pessoa que sofre de hipermetropia»; outras vezes como adjectivo, também masculino ou feminino, a significar «que tem ou sofre de hipermetropia».
De seis palavras escolhidas com o prefixo hiper-, apenas duas estão correctas: hiperacidez e hipersensível. As outras são quatro erros que o autor ensinou. Coitados dos alunos!
9 – O c para abrir uma vogal
Ensina-se que o c, antes de outro c ou do t, serve para abrir a vogal anterior, como por exemplo, em actor, acção, recto [idem] e recta, isto obviamente no Português de Portugal, etc.
É claro que não serve, porque dizemos ilação (là), delação (là), retórica (rè) sem a letra c antes do ç e do t.
É certo (e recorrendo mais uma vez à ortografia de Portugal) que dizemos acto e tacto com a aberto; mas também dizemos mato, rato, fato, gato com o a aberto, mas sem o c antes do t.
E, coisa interessante, pronunciamos exacto com o a aberto, mas exactidão com o a fechado. Perguntar-se-á, então: para quê, pois, o c, se não o pronunciamos? É por uma questão etimológica. Conservamos o c, mesmo que não o pronunciemos, porque já em latim ele existia: actor, do latim ‘actorem’; erecto, do latim ‘erectum’; acto, do latim ‘actum’; tacto do latim ‘tactum’.
10 – Sobre a pontuação
Ponto final
Há uma gramática que ensina assim:
«O ponto final marca uma pausa longa, termina uma frase, delimita uma ideia.»
Há muitas gramáticas que dizem esta asneira: o ponto final marca/indica uma pausa longa.
Se tal doutrina estivesse correcta, teríamos, em determinado contexto e/ou situação, de pontuar da seguinte maneira:
- Olha que o João. Seria incapaz. De fazer uma coisa dessas!
Quem sabe ler, que saiba pontuar! Umas vezes faz pausa longa; outras vezes, não.
Vírgula
Uma gramática ensina o seguinte:
«Vírgula – Serve para indicar uma pequena pausa.»
Outra gramática ensina assim:
«A vírgula é o sinal que indica a menor das pausas e uma pequena inflexão da voz, que umas vezes se abaixa e outras se levanta: “Tudo cura o tempo, tudo faz esquecer, tudo gasta, tudo digere, tudo acaba. (Vieira – “Sermões”).”»
Então leiamos, fazendo uma pequena pausa, onde está a vírgula, como ensina a gramática. Depois assim:
Uma pausa longa (não muito) na palavra tempo, elevando um pouquinho a voz.
Depois outra longa em esquecer, baixando um pouco a voz; uma pausa breve em gasta e uma um pouquito mais longa em digere.
Quem tiver um jeitinho para ler, imediatamente verifica que a vírgula não é o sinal que indica uma pequena pausa. Às vezes fazemos uma pausa muito pequena, outras vezes uma longa. E outras, nem sequer fazemos pausa.
11 – Debrucemo-nos agora sobre o infixo.
Diz um dicionário de didáctica o seguinte:
«Os infixos fazem parte da classe dos “afixos” (morfemas que entram na formação das palavras derivadas), mas inserem-se na raiz em vez de lhe serem antepostos, como os “prefixos”, ou pospostos, como os “sufixos”: ex. em português a junção do infixo – z – em avozinha».
Há tantas gramáticas que também ensinam esta não-verdade!
Em avozinha, não há um infixo, mas uma consoante de ligação, que liga o sufixo -inha à palavra avó para não lermos “avoínha”, que soaria tão mal!
Não esqueçamos: em avozinha, o -z- é uma consoante de ligação, como vemos em flor-z-inha, come-z-aina, homen-z-arrão, etc. E há outras consoantes de ligação, como por exemplo em cha-l-eira, cafe-t-eira, pau-l-ada, pedre-g-ulho, etc.
Soaria tão mal dizermos “cafeeira” e “chaeira”!
O infixo não é uma consoante de ligação, como as que acabámos de ver, porque se encontra inserido na raiz da palavra, mas não servindo de elemento de ligação. O infixo pertence a outras línguas. Em latim, há apenas uns restos de infixo. Vemo-lo, se enunciarmos o verbo rumpere – quebrar com força, romper: rumpo, rumpis, rumpere, rupi, ruptum.
A raiz deste verbo é rup, que vemos no pretérito perfeito (rupi) e no particípio passado (ruptum).
Ora cá está o presente do indicativo: rumpo, rumpis, etc., em que se encontra presente o infixo m, inserido na raiz rup-; o mesmo verificamos no infinitivo rumpere.
Como vemos, o autor do referido dicionário errou.
Há também livros que denominam de infixo o pronome lo/la de casos como estes: fá-lo-ei, amá-la-ás, etc. Que disparate!
Isto provém da imprecisão de se ensinar que o infixo se insere no interior da palavra. Digamos, pois, que o infixo se insere no interior da raiz duma palavra. A Língua Portuguesa não tem infixos. Não esqueçamos isto!
Como em latim há infixos, e, certamente, por estar nesta língua a origem do nosso idioma, passou a denominar-se erradamente de infixo em português (nalguns livros apenas) ao z de avozinha (avó + -inha), ao l de chaleira (chá + -eira), o t de cafeteira (café + -eira) e assim por diante, uma vez que também se encontram no interior duma palavra, mas nunca no interior da raiz.
Cautela, pois, com aqueles nossos livros didácticos, que ensinam que os afixos são os prefixos, os sufixos e os infixos.
12 – Sobre o sujeito:
Muitas gramáticas ensinam o seguinte:
«O sujeito pode ser representado por: Nome: Paris é uma cidade magnífica. Sintagma nominal: A minha amiga inglesa vem visitar-me.
Pronome pessoal: Ele é quem trabalha».
Ora, o sujeito não é representado por nome, nem por sintagma nem por nada.
O aluno é levado a pensar que, na primeira frase/oração, o sujeito não é a palavra Paris, mas a cidade que este nome está a representar.
É levado a pensar que, na segunda oração, o sujeito não é constituído por estas quatro palavras: A minha amiga inglesa, mas aquele ser humano que estas palavras representam.
E o mesmo acontece com a oração: «Ele é trabalhador.»
O aluno é levado a aprender este erro: o sujeito não é o pronome pessoal ele, mas o ser humano que este pronome representa.
13 – Seguidamente, umas observações sobre as vogais.
Ensina-se que as vogais são cinco: a, e, i, o, u.
São muito mais. As letras é que são cinco. Ora vejamos:
á – pá
â – papá
ã – lã, tanto
a – unha, mala
é – pé, Manuel
ê – pêlo, dedo, sede
e – feliz, menino
e – sabe
e (nasal) – tempo, lenço
i – vidro, ali
i (nasal) – tinta, latim, ímpar
ó – bola, avó, lavatório
ô – fôlego, maroto
o – tomar, burro
õ – bom, romper, tonto
u – húmido, Raul
u (nasal) – untar, atum
14 - Diz um livro bastante conhecido o seguinte: «Exemplos de erros comuns na formação do feminino: governante, governanta; gigante, giganta.»
Mas Celso Pedro Luft, no seu Dicionário Gramatical da Língua Portuguesa, ensina que «os substantivos terminados em e são geralmente uniformes (…); há, porém, alguns que trocam o e por a: elefante – elefanta; governante – governanta; infante – infanta; mestre – mestra; monje – monja; parente – parenta; mais raros: chefa; giganta; hóspeda; presidenta; alfaiata».
É, pois, um disparate muito grande ensinar que tais femininos são erros. De resto, é assim que diz o povo que, em certas particularidades da língua, é mais sabedor do que os cultos. Eles sabem que é fortíssima a tendência da Língua Portuguesa para formar femininos. Em Bragança, por exemplo, dizem genra, feminino de genro.
A facilidade de a Língua Portuguesa formar femininos é uma das suas características que a tornam maleável e apta a adaptar-se às várias situações.
Com a entrada da mulher nas profissões anteriormente desempenhadas pelos homens, os franceses vêem-se atrapalhados para arranjar palavras femininas para denominar as profissionais das várias ocupações.
A Língua Portuguesa só tem a perder quando lhe quererem suprimir esta óptima particularidade de tão facilmente formar palavras femininas!...
15 – Uma observaçãozita sobre a conjunção.
Sobre ela diz assim uma gramática: palavra que liga frases entre si.
Não. As conjunções não ligam frases. Ligam, sim:
a) Orações:
«Não saio quando está a chover, porque não tenho guarda-chuva.»
b) Elementos duma oração:
«O João e o Augusto foram passear.»
«Não tenho saúde nem possibilidade de a ter.»
16 – E, para terminar, resta falarmos do til.
Ensina uma gramática:
«Os acentos gráficos mais usados são os seguintes:
agudo: (´)
grave: (`)
circunflexo (^)
til: (~)»
Estes não são os mais usados, porque não há outros que se usem.
O til não é um acento gráfico, porque não indica determinado acento tónico nem secundário. Apenas indica a nasalidade duma vogal ou dum ditongo: rã, órfã, órfão. O que se pode dizer é que, nalgumas palavras, tem valor de acento: rã, maçã, mãe, põe, leão, leões. Mas uma coisa é ter valor de acento; outra coisa é ser um acento.
E pronto. Peço desculpa pela extensão deste texto… Ah!... mas há muito mais erros que se ensinam por aí!...
Cf. Ciclo Língua Portuguesa na SLP
palestra na SLP, no âmbito do Ciclo Língua Portuguesa