Artigo de Maria Regina Rocha sobre a formação do plural, na coluna "A vez… ao Português", do "Diário do Alentejo", de 1 de Agosto de 2008.
Formar o plural de uma palavra acrescentando um -s ao singular é a regra geral: todos o saberão. Mas existem palavras que, no singular, não terminam em vogal, havendo, por vezes, dúvidas na formação do plural.
É o caso de item, líquen, íman: são palavras que não chegaram ao português vindas do caso acusativo latino, como aconteceu com a maioria dos substantivos, mas que vieram do nominativo (por exemplo, gérmen, de germen, germinis; líquen, de lichen, lichenis) ou de outras línguas (por exemplo, íman, do francês aimant, este da mesma palavra grega que originou o termo diamante).
A palavra item provém da latina com igual grafia e o significado de "igualmente, do mesmo modo, também", sendo depois usada para designar cada uma das cláusulas que formam a argumentação do requerimento inicial de uma causa e, por extensão de sentido, cada um dos artigos de uma exposição, de um contrato, de um regulamento, um artigo ou uma unidade de qualquer coisa que se inclui numa enumeração, num relato, num total de uma conta. Esta palavra já é utilizada como palavra portuguesa, e não latina, formando-se, assim, o plural como as palavras portuguesas terminadas em -m, isto é, mudando-se o -m em -n e acrescentando-se -s. Exemplos: itens, homens, jovens, parabéns, reféns.
Quanto às palavras líquen, gérmen, íman, hífen, a formação do seu plural segue a regras das palavras terminadas em -n, -r ou -z: acrescenta-se -es. Assim: líquenes, gérmenes, ímanes, hífenes.
Outros termos há que oferecem dúvidas na formação do plural. É o caso das palavras terminadas no ditongo -ão. Os substantivos assim terminados podem fazer o plural em -ões (a maioria, por exemplo, eleições, nações), em -ãos (por exemplo, cristãos, irmãos), ou em -ães (por exemplo, cães, pães).
A diferente formação do plural destas palavras tem que ver com a etimologia. Embora no singular todas essas palavras terminem no mesmo ditongo, essa uniformização em -ão deu-se já no português. No entanto, no plural permanece a marca da diferença etimológica. Assim, as palavras cujo plural termina em -ãos provêm maioritariamente de palavras latinas cujo acusativo terminava em -anum (por exemplo, órfão, do grego, pelo latim orphanu-), aquelas cujo plural termina em -ães provêm de palavras terminadas em -anem (por exemplo, pão, de pane-) e aquelas cujo plural termina em -ões provêm de palavras terminadas em -onem (por exemplo, leão, de leone-).
Há, ainda o caso de palavras terminadas em -ão com mais do que um plural, por exemplo, verão (verãos e verões), aldeão (aldeãos e aldeões), ancião (anciãos e anciões). Nestas situações, coexiste um plural de base etimológica com um novo plural que segue a formação mais comum, em -ões. É por essa tentativa de seguir a regra da maioria que ocorre a incorrecção do plural "corrimões", em vez de corrimãos, termo correcto, que respeita a formação da palavra, associação do verbo correr e do substantivo mão.
A terminar este passeio pela formação do plural, poderemos ainda referir o plural de algumas palavras compostas: deverá dizer-se navios-escola, tal como carruagens-bar ou personagens tipo, pois o segundo termo de composição é um substantivo que funciona como determinante específico do primeiro. E, já agora, sem a marca do plural, existem os guarda-jóias, os sem-terra e os sem-abrigo.
Curiosidades da nossa língua...