D´Silvas Filho resume e comenta as propostas da Academia das Ciências de Lisboa para a aplicação, em Portugal, do Acordo Ortográfico de 1990. Texto também disponível no Pórtico da Língua.
Documentos consultados pelo autor, servindo de orientação para o seu vocabulário:
1. Sugestões para o aperfeiçoamento do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, publicação da Academia, com as propostas para o AO90 aprovadas em Plenário de efetivos.
2. A Base IV do AO 90, artigo de Ana Salgado, publicado no Pórtico [da Língua].
DOCUMENTO 1. Interpretação do autor:
1.1. Acentos
Nos acentos, a ACL segue o AO90, salvo em pára, péla/o, pêlo e nas terminações –êem, mas estas em revisão.
1.2. Hífen
No hífen, a ACL dá uma interpretação mais tradicional que a do AO90, e que se considera legítima, aos compostos com elementos de ligação, separando-os de locuções. Cuida em evitar más pronúncias na supressão do hífen. Na generalidade também respeita o AO90, nas suas simplificações.
1.3. Sequências internas
Nas sequências internas cc, cç, ct e pc, pç, pt, a alínea e) do documento 1 atesta que a ACL respeita o AO90, seguindo o estabelecido na Nota Explicativa do AO90 (não na forma como tem sido erradamente aplicado em Portugal). A alínea f), no entanto, permite, nas palavras: «a consoante tem valor significativo etimológico e diacrítico», alguma ressalva nas características peculiares da variedade europeia.
Documento 2. Interpretação do autor:
Seguem também as conclusões do autor sobre este documento, que, em linhas gerais, é uma sistematização das regras para as sequências internas, a aplicar no documento oficial 1 (e na alínea acima 1.3). Sintetizam-se abaixo estas regras, em palavras do autor, mas seguindo a ordem como são apresentadas no artigo 2:
2.1. Critério Fonético. ― Quando a consoante da sequência é pronunciada, a grafia é obrigatória sempre. É um critério fonético impositivo, mas só neste caso, coincidindo com o etimológico (ex.: compacto).
2.2. Grafias inventadas. ― Não são aceites grafias em Portugal que não existiam “na língua” antes da aplicação do AO90, abusivas por não se ter respeitado a Nota Explicativa do Acordo (ex.: existia e existe concepção na língua, logo a palavra inventada conceção contraria a unificação pretendida e, além disso, tira qualidade à língua, por assim ser possível uma pronúncia idêntica à de concessão).
2.3. Ambiguidades. ― A supressão das consoantes não pode provocar ambiguidades que não existiam na Norma de 1945 (ex.: ótica por óptica).
2.4. Valor diacrítico das consoantes. ― Preconiza-se que se procure, sempre, que na ortografia haja a simplificação e a unificação que forem possíveis. Não obstante, a ACL aceita a alternativa com a consoante, quando há o risco de pronúncias incorretas em Portugal. Exemplo: a ACL segue o AO90 na palavra simplificada coletivo; mas, como há o risco de confusão com |cultivo| por fechamento do e, aceita também a variante colectivo (note-se que o VOLP brasileiro também regista as duas variantes coletivo/colectivo).
2.5. Incoerências. ― Não se aceitam incoerências num mesmo texto (ex.: Egito e egípcio). Neste caso, recomenda-se também a alternativa: Egipto, quando há formas grafadas egip-.
2.6. Duplas igualmente válidas. ― As duplas grafias defendidas no AO90 não são caso novo em Portugal. Termos eruditos em coabitação com os estabelecidos no uso dos falantes surgem com frequência no léxico (ex.: herbanário, ervanário); e também as duplas têm existido nos casos em que a consoante da sequência interna oscila entre a pronúncia e o emudecimento (ex.: setor/sector). Este facto legitima a dupla grafia para evitar as incoerências (ponto 2.5) e a novidade, no artigo 2 da ACL, em considerar a alternativa de ponderar o valor diacrítico das consoantes quando útil (ponto 2.4) na variedade portuguesa da língua.
Subentende-se que num dado texto será usada a sempre a mesma variante.
2.7. Eliminação sistemática das consoantes mudas. ― Satisfazendo O AO90, eliminam-se sistematicamente as consoantes que são mudas no universo da língua.
Repare-se que, no caso das palavras apresentadas como exemplo no artigo 2 (acionar, Ártico, atual, exato), não se justifica ponderar o valor diacrítico, pois as consoantes das sequências sucedem a vogais átonas fechadas ou tónicas.
Contudo, considerando o ponto 2.4, também neste caso deve ser ponderado o valor diacrítico da consoante se tem importância no português europeu; só que, então, estamos a contrariar frontalmente o AO90; e a grafia do AO90 deve considerar-se preferencial, por este motivo. Exemplo, em batista, grafia do AO90, por nela a consoante ser muda no universo da língua, a ACL recomenda a variante “não preferencial” baptista, para que não se pronuncie |bâtista| em Portugal.
NOTA: Como vimos, fora das condições de serem mudas no universo da língua, também se eliminam as consoantes não articuladas sempre que possível, de acordo com o AO90, atendendo a que o objetivo é a simplificação e a unificação; mas esta eliminação não é sistemática, como se tem pretendido (ver 2.2, 2.3 e 2.5), podendo até ser proibida.
NOTA FINAL DO AUTOR SOBRE ESTES DOIS DOCUMENTOS DA ACL
Compromisso. ― Sublinha-se o esforço da Academia em respeitar o AO90, como documento internacional, e a sua decisão de, simultaneamente, aplicá-lo com proteção do português europeu.
Atendendo, porém, ao facto de que a Academia não segue exatamente aquilo que tem sido aplicado no AO90, nota-se:
Nas consoantes não articuladas segue o que está na Nota Explicativa do AO90 (4.1. Estado da Questão), que só obriga a suprimir as consoantes «quando não são proferidas em nenhuma pronúncia culta da língua», contrariamente ao que tem sido feito, numa arbitrária simplificação. Exemplo no item 2.2.
Nos hífenes, atende também ao que está estabelecido na Nota Explicativa do AO90, em 6.2: «..... mantém o que foi estatuído em 1945, apenas se reformulando as regras de modo mais claro e simples».
Resumo das novidades em relação à aplicação atual do AO90.
No documento 1 há poucas alterações nos acentos e no hífen, embora algumas fundamentais como o acento em pára (diferente de para, como pôr de por) e a distinção básica entre compostos e locuções, mesmo quando há elementos de ligação.
Nas consoantes das sequências, a ACL recusa a supressão generalizada das consoantes mudas e o critério fonético taxativo sempre.
No artigo 2, sistematização de 1, é novo o facto de não se querer perder o valor diacrítico das consoantes nas sequências internas, quando útil na variedade portuguesa da língua, dada a nossa tendência para o emudecimento das vogais átonas. Para conseguir realizar a novidade do artigo 2, conciliadora com as pessoas que são anti-Acordo, sem por agora denunciar o AO90, a ACL recorre à aceitação de duplas grafias, considerada legítima, também segundo c) do 1.º da Base IV do AO90.
Crítica ao texto do AO90 – O ponto 4.º do documento 1 tece críticas severas ao texto do AO90, significando que a ACL não considera o AO90 uma orientação ortográfica definitiva; e que, mesmo seguindo-o, se arroga o direito de não o fazer “cegamente”, naquilo em que é controverso.
Do ponto de vista do autor, esta posição, contudo, é muito diferente da assumida pelos autores da Petição à Assembleia da República. Estes pedem «a desvinculação de Portugal do Tratado e Protocolos Modificativos ao Acordo Ortográfico de 1990», o que já não podemos fazer, como país digno. Quanto à revogação da Resolução n.º 8/2011 do Conselho de Ministros, esta Resolução está claramente posta em causa, pois o documento 1 e artigo 2 da ACL recomendam um novo vocabulário para o AO90, que pondere bem as peculiaridades da variedade portuguesa da língua.
Cf. Parlamento rejeita desvinculação de Portugal do Acordo Ortográfico