«(...) Se esta minoria ensinasse Português, não se preocuparia tanto com a grafia, mas com as dificuldades que os alunos (e a sociedade em geral) revelam ao nível da compreensão escrita, devido à ausência de hábitos de leitura. Estaria preocupada não com os /c/ e o /p/ etimológicos, mas com a (in)capacidade de expressão escrita (...)»
Há neologismos que se criam para determinadas realidades ou situações.
Na verdade, quando se fala de uma minoria «antiquada e lúgubre», ao estilo de Tomás de Alencar de Os Maias de Eça de Queirós, empedernida numa grafia arcaica, desatualizada, que se recusa a aprender, que se reforma, para não o fazer (porque há professores que gostam de novidades, estudando para ensinar), que sente escangalhada a sua «catedral romântica», parece ter lógica criar neologismos, agitando e evitando essa espécie de "analfabetização" que não quer compreender a evolução da nossa sagrada Língua Portuguesa.
Nesse debate, que não o foi, pois foi convocada toda uma plateia, excessivamente participativa, que «limpa os bigodes dos pingos de sopa», houve alguém que quis falar, quis explicar, que se prontificou a esclarecer, a debater (porque da discussão nasce a luz) e foi sistematicamente interrompid[o], insultad[o] por uma geração "romântica", incapaz de aceitar que todos os «meninos e meninas» deste país escrevem há quase uma década com a grafia que está em vigor. Esqueceu-se [António Jacinto Pascoal, no artigo “Acordo ortográfico? Revogar, claro!”, publicado em 16 de julho de 2019] de referir que essa pessoa não se vitimou. Aceitou um desafio. Não se autoelogiou, credibilizou-se, porque nem o seu CV foi apresentado, como o dos dois outros intervenientes.
Esta minoria fala do que não pretende saber. Não aceita um estudo apresentado pelo Grupo de Trabalho para Acompanhamento da Aplicação do Acordo Ortográfico, no âmbito da Comissão de Educação, Ciência e Cultura da Assembleia da República. Se, em vez de fazer multiplicações sem sentido, aceitasse que com o Acordo Ortográfico convergiram cerca de 5,5 vezes mais formas do que as que divergiram, pois 1230 palavras que se escreviam de modo diferente passaram a escrever-se de forma igual e que apenas 221 divergem, aceitaria o sucesso da grafia em vigor. Mesmo no que diz respeito às sequências consonânticas analisadas o número de convergências é superior.
Se essa minoria aceitasse o Vocabulário Ortográfico Comum da Língua Portuguesa (VOCLP) como uma garantia de que a norma ortográfica, legalmente aplicada em todos os oito países de Língua Portuguesa, é a mesma, dando lugar a um idêntico estatuto legal e permitindo, pela primeira vez, a participação e a contribuição de todos os países na gestão da língua, reunindo definitivamente as grafias avalizadas, então poderia, talvez, acompanhar a geração dos seus netos que não compreende a letra p na palavra ótimo, nem o c na palavra ação.
Mais: se esta minoria ensinasse Português, não se preocuparia tanto com a grafia, mas com as dificuldades que os alunos (e a sociedade em geral) revelam ao nível da compreensão escrita, devido à ausência de hábitos de leitura. Estaria preocupada não com os c e o p etimológicos, mas com a (in)capacidade de expressão escrita.
Relativamente ao h, hoje ainda se escreve assim. Mas, utilizar o h no verbo haver seria mais «chic a valer» se as pessoas soubessem conjugá-lo devidamente. Se assim fosse, poderíamos gritar ao mundo que dominamos a Língua Portuguesa, que ela surge correta e esbelta em textos coerentes, coesos e lógicos.
Talvez para esta minoria saudosista fosse preferível recuar à grafia anterior a 1911 e continuar a escrever agglutinar, alchimista, céllula, chapeo, chirurgia, damnificado, estylo, hombro, hibérico, immóvel, propheta, retrahir.
Quanto a mim, todo este saudosismo sem sentido e esta revolta que já aconteceu nos acordos anteriores me faz derramar lagrymas, como as de Teixeira de Pascoaes, que, na revista A Águia, se lamentava de ter de chorar de outra forma, sem a harmonia do y, substituído pelo i.
N.E. – Ver o contraponto a este artigo aqui + Revogar ou não revogar o Acordo Ortográfico?
Artigo transcrito do jornal Público, de 18 de julho de 2019.