«(...) Quem se opõe frontalmente ao AO90 pode tentar usar os meus artigos como mais uma justificação para que seja denunciado pelo país. Volto a sublinhar que é minha firme convicção de que o Acordo Ortográfico é já irreversível. Representa a vontade coletiva de `alguma união ortográfica na língua portuguesa´, expressa pelos países da CPLP que o assinaram. O risco de Portugal o denunciar é, agora, uma cisão na língua inaceitável. Assim, penso que a posição mais sensata será tentar fazer-lhe os melhoramentos que forem possíveis, ...cuidando sempre de não desvirtuar esta nossa preciosa herança.»
ÍNDICE
Por ordem cronológica descendente
Dezembro de 2016: Clarificação pessoal sobre os melhoramentos no AO90
Setembro de 2016: A minha evolução no apreço pelo AO90
Setembro de 2016: O pôr-de-sol e o simplificacionismo no hífen
Maio de 2016: A irreversibilidade da aplicação do AO90 em Portugal
Abril de 2016: Propósitos do Autor no aperfeiçoamento do AO90. Orientações-base para um vocabulário Ortográfico no AO90, próprio para o português europeu, pós-VOC
Dezembro de 2016
CLARIFICAÇÃO PESSOAL SOBRE OS MELHORAMENTOS NO AO90
1. Notícia que veio a público sobre o estudo da ACL
As minhas propostas estão todas nesta entrada do meu domínio ou em Ciberdúvidas. São públicas. A Academia das Ciências de Lisboa (ACL) fará as suas. Se forem aceitáveis, ponderá-las-ei, atendendo a que esta entidade continua com a missão de dar parecer sobre a língua. O que se depreende é que os respeitados académicos linguistas da ACL terão concluído que “algo não está perfeito no reino do AO90”. Ora eu vou bem longe, e digo que tem imperfeições com que não me conformo. De facto e seja como for, a aplicação do AO90 precisa mesmo de ser aperfeiçoada, pois não faz sentido que se continue no desagrado, por exemplo, de haver múltiplas palavras inventadas, afinal contrariando a unificação pretendida; de se teimar em paraquedas, confundir compostos com locuções, se escrever "para para" forma verbal.
2. Só o Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP) pode propor alterações ao texto do AO90
Não aceito esta imposição. O IILP assumiu a missão de elaborar o Vocabulário Comum (VOC), um trabalho meritório e muito útil para a análise dos termos comuns, legais no universo da língua; mas é só essa a autoridade que lhe reconheço, mais nenhuma. Não tem autoridade no Vocabulário Nacional (VON) português. E se o Brasil no seu VON se considera com direito às suas especificidades (por exemplo, recusa o co-herdeiro que está exatamente assim no texto do AO90), Portugal também tem direito às suas. Aliás, lembro que na entrada em vigor do AO90 se andou, como o povo diz, “com a carroça à frente dos bois”, pois o VOC veio depois, quando, segundo o Preâmbulo do AO90, deveria vir antes da entrada em vigor do Acordo. Assim, agora estará inquinado de defeitos que estratificaram com o tempo, nos VON que têm sido aplicados.
3. Enquanto não houver mudanças legalizadas, temos de obedecer à Resolução 8/2011 do C. M. que obriga a seguir um determinado vocabulário
Esta ideia não faz sentido. Primeiro, porque uma Resolução do C. M: não tem força de lei geral e só se aplica internamente, no Estado. Depois, porque o vocabulário, de que se exige obediência na Resolução, estipula que todas as consoantes não articuladas em Portugal devam ser suprimidas. Ora, a alínea b) da Base IV do AO90, deixando dúvidas graves, não permite essa conclusão. Logo, a decisão desse vocabulário limitou-se a seguir um critério meramente fonético, com dano para a qualidade da língua no português europeu; além de ser notório que muitas entidades idóneas recusam segui-lo taxativamente.
4. É preciso não fazer confusões, atendendo aos hábitos já adquiridos.
Houve esse cuidado na introdução intempestiva do AO90 no ensino, sem a devida maturação prévia e o conselho habilitado das universidades, escritores, dicionaristas, docentes, em debate público? A resistência à mudança de quem se opõe ao AO90 aparece agora também em quem defende o AO90 tal qual. E estamos livres de confusões num critério fonético taxativamente imposto? Não aparecem *compato por compacto, *ineto por inepto e até fato por facto?
Aceito que em muitas simplificações feitas houve mérito, mas noutras, francamente não, para o português europeu. Dever-se-ia, só, ter analisado os casos em que o Brasil manifestamente acabou por não poder aceitar a Norma de 1945 e também aproveitar para fazer as simplificações que fossem sensatas, dado esta Norma ter já mais de meio século.
Contudo, num espírito de tolerância, compreendo que seja difícil aplicar agora este critério mais conservador. Assim, por exemplo, depois destes 6 anos de aplicação do AO90, já transijo na supressão da consoante das sequências internas, se o fechamento da vogal conduzir a uma palavra sem sentido (ação pronunciada |âção|, não tem sentido em palavra autónoma). Igualmente se aceitam simplificações dominantes quando a consoante sucede a vogal átona fechada ou a tónica aberta (por exemplo, acionar, exato, ótimo).
5. Liberdade de escolha
Num VOC, símbolo da língua portuguesa planetária, todos os termos registados são legais na língua, com as várias duplas grafias. Temos nesse VOC uma liberdade de escolha país a país; e temo-la, também, no facto de cada um poder ter vocabulários específicos, mais completos. Mas penso que num mesmo país se devem limitar as duplas grafias. Por isso, tenho diversas variantes que recuso ou não recomendo no meu vocabulário para uso pessoal, em estudo.
Há quem defenda a conveniência de haver muita escolha para permitir avaliar como a língua vai evoluir; mas creio que isso, sim, só gera confusão.
6. Conclusão
Quem se opõe frontalmente ao AO90 pode tentar usar os meus artigos como mais uma justificação para que seja denunciado pelo país. Volto a sublinhar que é minha firme convicção de que o Acordo Ortográfico é já irreversível. Representa a vontade coletiva de `alguma união ortográfica na língua portuguesa´, expressa pelos países da CPLP que o assinaram. O risco de Portugal o denunciar é, agora, uma cisão na língua inaceitável. Assim, penso que a posição mais sensata será tentar fazer-lhe os melhoramentos que forem possíveis, ...cuidando sempre de não desvirtuar esta nossa preciosa herança.
D’ Silvas Filho
CSC
Setembro de 2016
A MINHA EVOLUÇÃO NO APREÇO PELO AO90
1. Posição de base e acordos anteriores
Nunca entendi por que razão, designando-se as duas línguas por língua portuguesa, afinal os linguistas de Portugal e do Brasil foram deixando que as ortografias se afastassem tanto. É numa ortografia comum que as línguas se identificam como tais. Sempre julguei necessário um qualquer acordo que aproximasse as duas ortografias ao máximo, para prestígio da comum língua, na força de um grande número de falantes.
Soube com tristeza que após haver várias aproximações e promessas de Portugal de rever as consoantes não articuladas, o Acordo de 1945, elaborado em comum, acabara por ser denunciado pelos brasileiros.
Veio então o Projeto de 1986 para tentar de novo a aproximação. Projeto que começou por ser para mim uma lufada de esperança. Depois de ler as Notas Explicativas, só quando avancei nas Bases Analíticas reparei que tinha lido as Notas sem dar pela falta dos acentos nas esdrúxulas. Mas o estudo mais aprofundado das Bases levou-me a concluir que o Projeto era inaceitável nas mudanças drásticas preconizadas, muitas vezes contra a índole da língua. Por isso, numa avaliação pública, de iniciativa da então Sociedade da Língua Portuguesa, votei contra a aceitação do Projeto.
2. O Acordo ortográfico de 1990
A esperança renasceu quando, quatro anos depois, foi assinado o AO90 por todos os países de língua oficial portuguesa, a que se associou Timor mais tarde. Pensei que iríamos ter, finalmente, um documento consensual de união na língua portuguesa, sem o risco de ser denunciado depois.
A primeira edição do meu Prontuário, ed. TEXTO 1994, foi dos primeiros trabalhos portugueses a apresentar um capítulo (35 páginas, numas modestas então 200) só dedicado ao, como então se dizia, Novo Acordo Ortográfico. O Prontuárioapresentava inúmeras palavras nas quais, estudando o texto do Acordo, encontrara diferenças em relação à Norma de 1945. Algumas surpreendiam-me no português europeu, mas como no Preâmbulo se prescrevia que iria haver um Vocabulário Comum, fiquei na esperança de que no estudo desse Vocabulário imperasse o bom senso.
Vocabulário Comum que nunca mais aparecia. Isto durante 20 anos. Já com receio de que o Acordo fosse um nado-morto, fui defendendo a necessidade do Acordo na minha página e em Ciberdúvidas. Mas já descrente, deixei de referir a nova ortografia depois da 3.ª edição do Prontuário. Contudo, ia sempre tecendo loas ao Acordo e à necessidade de haver uma língua portuguesa universal. Sem o aplicar ainda, era um defensor acérrimo do AO90. Os excessos de encómios devem atribuir-se nessa altura à campanha de defesa e à fé que continuava a ter nas virtudes do texto do AO90.
Com a decisão unilateral do Brasil de avançar sem um Vocabulário Comum e a pressa de Portugal em acompanhar agora a iniciativa, o AO90 readquiriu interesse, e na 5.ª edição do Prontuário (2010) voltei a dedicar-lhe um capítulo de várias páginas, sugerindo mesmo um pequeno vocabulário para o AO90, com algumas alternativas que me pareceram servir melhor o nosso idioma.
3. As imperfeições do AO90
No estudo dos vários vocábulos, começaram a deparar-se-me muitas incongruências e inadequações ao português europeu. Data dessa altura o início das minhas críticas ao AO90, de tal modo que, entre o meus pares defensores do AO90, comecei a ter a fama de ser anti-Acordo. A minha oposição centralizava-se, então, sobretudo na questão de perda das virtualidades no hífen, que o transporte de regras do Projeto de 1986 implicaram no AO90.
Para provar que continuava a defender a existência de uma língua comum, a 6.ª edição do Prontuário foi toda escrita no AO90 e seguindo os vocabulários mais divulgados, existentes para o novo AO (VOP do ILTEC e Infopédia da Porto Editora). Mas já em revolta frequente, incluí no Prontuário um Anexo (III) no qual aponto defeitos graves, critico severamente o AO90 também nas consoantes não articuladas e sugiro nesse Anexo um vocabulário pessoal com algumas diferenças em relação Vocabulário seguido em geral no livro com base no VOP e no da Infopédia.
Presentemente construí um vocabulário pessoal (entrada aqui neste portal) no qual aplico o AO90, mas cuidando da língua portuguesa que aprendi a respeitar. Por exemplo, recuso em Portugal: conceção, tinta da china, para forma verbal. Será com base no meu vocabulário que passarei a escrever no futuro. Só mudarei quando houver uma lei oficial que me obrigue, pois considero, incluindo o VOC, que ainda não há nenhuma, pois uma Resolução não é uma lei geral.
Já escreveram que não mereço credibilidade, dada a mudança que fiz no meu apreço pelo AO90. Quando se sofre uma espécie de desilusão após grande fé, a tendência é para se ter menor tolerância. Mas faço esforços hoje por ser moderado e não esquecer os muitos pontos positivos do AO90.
Que fique bem claro que não me considero um dos donos da língua. Ninguém o é, embora alguns se arroguem esse direito. Também não tenho veleidade de pensar que o meu vocabulário possa mudar a ortografia em Portugal para o AO90. Anima-me unicamente o desejo de proteger o português europeu. Penso que um Vocabulário Comum com os termos convenientes na intercomunicação lusófona e internacional, base para uma língua portuguesa universal, não impede que cada país tenha também os seus termos e arranjos peculiares.
Não me envergonho de ter mudado quanto ao apreço pelo AO90. Creio que presentemente a melhor forma de o defender é aperfeiçoá-lo. A adaptação é o segredo da sobrevivência, uma frase muleta, mas que nem sempre foi considerada indiscutível, e ainda hoje ignorada pelos convencidos das suas verdades.
Se mudei no apreço pelo pormenor, não mudei na ideia base de que o AO90 é útil e necessário; e sinto-me no dever de dizer, também, que, mesmo quando lhes aponto incongruências, não esqueço a enorme gratidão que sinto por todos aqueles que conseguiram que o AO90 se realizasse.
D’ Silvas Filho
Setembro de 2016
O PÔR-DE-SOL E O SIMPLIFICACIONISMO NO HÍFEN
Publicado no Pórtico da Língua Portuguesa, da Academia das Ciências de Lisboa
1. Locuções e compostos semânticos
Com as suas características analíticas, quando não encontra um vocábulo para traduzir exatamente um conceito, a língua usa o artifício de formar um conjunto de vocábulos para esse fim. As locuções são um exemplo. No seu significado, equivalem a uma palavra que tivesse o mesmo sentido. Às vezes são redundantes com palavras já existentes (de novo → novamente), outras vezes parecem redundantes, mas apresentam subtis diferenças, como, por exemplo em cima de, que parece ter a mesma acepção que a palavra sobre, sugere de facto mesmo contacto, enquanto sobre pode ser também por cima de.
Sendo equivalentes a uma só palavra, as locuções são sentidas como uma unidade típica no seu significado e, por isso, grafadas sem hífenes. Têm um sentido significativo objetivo como a palavra que representam ou representariam.
Ainda nesta qualidade analítica, a língua inventou mais um recurso: ampliar a comunicação com a junção de vocábulos que formem uma unidade semântica transcendendo o significado objetivo das palavras do conjunto. É um jogo do faz-de-conta. Quando se diz que «ele é um saco-roto, pois não se lhe pode dizer um segredo», nesse “jogo”: faz-se de conta que ele é como um saco que está roto para os segredos.
A gramática distingue, então, `o sentido objetivo´ das palavras e esse `sentido subjetivo com que ficam no faz-de-conta´, com as designações denotativo para o objetivo e conotativo para o subjetivo. Ora os nossos bons escritores e linguistas idóneos conceberam uma forma de mostrar quando se está no “jogo”, para que haja rigor na escrita. A grafia usada revela que o sentido é conotativo quando os vocábulos estão ligados por hífen, diferentemente do que se faz nas locuções. Por exemplo o conjunto «nascer do Sol», equivalente à palavra “amanhecer” é uma locução mas um cavalo-de-batalha, argumento insistente, não é um cavalo de batalha, animal usado na guerra.
Há o critério de se dizer que as palavras com hífen ficam com um sentido aparente (parecem ter um sentido real mas têm outro). Ora como o que nos interessa é o sentido diferente com que ficam e não o que perdem, neste trabalho vamos designar esse sentido conotativo (que sugere, implica), por “sentido imaginativo”. Distinguindo de locuções, designamos estas associações de palavras no sentido conotativo por compostos (Norma de 1945: «combinação de palavras em que o conjunto dos elementos, mantida a noção de composição, forma um sentido único ou uma aderência de sentidos»).
Independentemente desta utilização figurada, o hífen tem múltiplas outras aplicações, como se sabe:
• na ênclise e na tmese;
• na realização de ortografias de pronúncias exatas, por exemplo ob-reptício, mal-escolhido (sem hífen haveria retorno inconveniente da grafia sobre a fonia, e esta questão é sempre fundamental nas regras ortográficas, esquecida no Projeto de 1986;
• na unidade de conceitos diferentes, por exemplo, tio-avô (uma aderência de sentidos);
• na caracterização de uma subtileza de diferenças, por exemplo, primeiro-ministro (primus inter pares);
• no respeito pela tradição, como em segunda-feira (semanas já sem feiras);
• na conversão de locuções em nomes, exemplos: o à-vontade dele, as boas-festas;
• nos gentílicos, como em norte-americano;
• no recurso à qualidade analítica da língua para, com palavras de acepções objetivas, gerar compostos objetivos traduzindo conceitos impressivos (de função: conta-gotas, de forma: cê-cedilha, de aspeto: azul-escuro, etc.).
Em resumo, a aplicação do hífen só é um segredo para quem ignora os seus efeitos e virtudes, concebidos no génio dos nossos ancestrais. Eliminar o hífen, na fobia de simplificar ao máximo a língua, é tirar-lhe virtualidades.
2 Simplificacionismo do hífen no Projeto de 1986 e no AO90
Ora, na ideia peregrina de simplificar a língua ao máximo para assim conseguir um hipotético máximo de unidade entre idiomas já bem diferenciados, os obreiros do imponderado (e desnecessário tão drástico) Projeto de 1986, liquidaram muitas virtudes do hífen (as palavras ou aglutinavam sempre, e apareciam, entre muitos outros, os retornos que surpreendem de tão inconvenientes: bemaventurança, panelénico, ou ficavam sem hífen os «compostos aparentes», e lá vinham sem hífen guarda noturno, médico cirurgião, água de colónia, este também com inicial minúscula..., cor de rosa, primeiro ministro, mais que perfeito).
Taxativamente, na senha contra o hífen, prescreviam também que todos os “compostos” ligados por preposição passavam a não o ter.
No AO90, Base XV, desistiram dessa supressão drástica e sempre aceitaram o hífen em compostos (os exemplos das múltiplas aplicações do hífen acima indicadas (de ob-reptício a azul-escuro) continuam a ser aceites no AO90.
Só que, continuando alguns dos colaboradores no Projeto de 1986 ainda no grupo de estudo para o AO90, o critério de suprimir o hífen nos compostos ligados por preposição foi transportado do Projeto de 1986 para o AO90. Então, para o justificar apresentaram um critério diferente do adotado na Norma ortográfica em vigor
A Norma de 1945 (sob a égide do reputado Rebelo Gonçalves) distinguia claramente e em separado (Base XXVIII), os compostos das locuções. A Norma estabelecia, mesmo, nas locuções (alínea b) como exemplo de distinção, que cor-de-rosa não é uma locução
Mas os autores do AO90 impuseram para o AO90 o princípio novo de considerar que os compostos no sentido aparente, desde que ligados por preposição passavam todos a ser também locuções... Justificaram assim a ideia de suprimir neles também os hífenes, como tradicionalmente acontece nas locuções. Nem se deram ao cuidado de notar que o conjunto de “locuções” especiais que se viram obrigados a aceitar no 6.º da Base XV está todo no sentido conotativo:
Água-de-colónia, arco-da-velha, cor-de-rosa, mais-que-perfeito, pé-de-meia, ao deus-dará, à queima-roupa.
Contrariamente, por exemplo, aos casos indicados em a) e b), no sentido denotativo:
Cão de guarda, fim de semana, sala de jantar, cor de açafrão, cor de café com leite.
Esses, sim, locuções, como já o eram alguns deles como exemplos, na Norma de 1945 (fim da Base XXVIII) e que estão no sentido real.
3. Aplicação geral da regra do Projeto de 1986, recusado.
Embora no AO90 não esteja escrito que nos “compostos” aparentes ligados por preposição sejam proibidos os hifenes, o erro de os confundir com as locuções e a desculpa inválida de reservar estes hífenes só para as espécies (já não haverá reservas se não há preposição...), levou a que os obreiros dos apressados vocabulários para o AO90 considerassem, abusivamente, que era uma lei “só nas exceções indicadas se admitirem os hífenes nesses compostos”, como se a lista indicada fosse exclusiva, o que não está expresso no texto do AO90. Isto em discordância com o próprio texto do AO90 na Base XVIII, que tem com preposição e hífen:
Borda-d´ água, estrela-d’ alva, pau-d’ alho, pau-d’ óleo, etc.
4. Caso de pôr-do-sol
Não se deve aceitar a proibição dos hífenes nos compostos conotativos ligados por preposição, como aliás entidades idóneas estão fazendo, nomeadamente a Imprensa Nacional - Casa da Moeda.
Assim, pôr-do-sol, como composto imaginativo, não é uma locução, e deve ter hífenes, pois, para ser uma locução, deveria escrever-se com maiúscula pôr do Sol (equivalente às palavras ocaso ou poente).
“Um pôr-do-sol”, melhor “um pôr-de-sol” não representa só o Sol a desaparecer no horizonte, mas um conjunto figurativo que tem em conta o eventual espetáculo no céu e a impressão significativa que deixa aquele términos.
Como resumo desta nota, se queremos continuar a ter a magia estilística que a língua nos oferece, não podemos submetê-la a simplificacionismos exagerados.
D’ Silvas Filho
Maio de 2016
A IRREVERSIBILIDADE DA APLICAÇÃO DO AO90
EM PORTUGAL
Artigo publicado em Ciberdúvidas
Soube-se que o atual Titular da Presidência da República, Professor Marcelo Rebelo de Sousa, usa a norma ortográfica de 1945 nos seus textos não institucionais. Correu a notícia de que, se Moçambique e Angola não ratificassem o AO90, o Professor defenderia uma nova discussão sobre o AO90.
Então, quem se opõe tenazmente ao AO90 ficou a pensar que haveria possibilidade de revogar a sua entrada em vigor, e passarmos outra vez à norma ortográfica antiga.
Venho afirmar que essa expectativa é já irrealizável.
1. Histórico
Depois da Reforma Ortográfica de 1911 em Portugal, o Brasil sentiu-se inconformado por ter ficado de fora e desejou maior entendimento na língua. Já tinha enveredado por algumas simplificações, mas o seu Vocabulário de 1943 ainda foi baseado no excelente trabalho da Academia das Ciências de Lisboa (ACL), nessa data muito prestigiada em todo o mundo de língua portuguesa.
O reconhecimento desse prestígio da ACL e dos seus linguistas, nomeadamente Rebelo Gonçalves, levou ao Acordo Ortográfico de 1945, com a assinatura do Brasil. Só que, passado pouco tempo, as elites brasileiras verificaram que, nesse Acordo, algumas simplificações na língua, já em vigor no seu país, e prometidas antes por Portugal, não tinham, afinal, sido respeitadas.
Por exemplo, nas supressões das consoantes não articuladas o Acordo de 1945 lá vinha com a determinação imperativa: «Conservam-se ..... nos casos em que ..... ocorrem em seu favor outras razões, como a tradição ortográfica, a similaridade do português com as demais línguas românicas .....»; o que obrigava o Brasil a repor consoantes já eliminadas na sua escrita corrente. Compreende-se que, depois de se habituarem a um língua mais simplificada, os brasileiros tivessem recusado voltar à ortografia anterior.
Os linguistas bem-intencionados dos dois países, a que se juntaram os de Angola, Cabo Verde, Moçambique e S. Tomé e Príncipe, tentaram em 1986 apresentar um Projeto verdadeiramente unificador na língua. Por exemplo, para resolver as diferenças de timbre entre Portugal e o Brasil com os acentos de algumas esdrúxulas, simplesmente retiravam-se os acentos em todas. Esta medida não era bem uma novidade, mas o problema com o cágado e outros foi um escândalo. A verdade é que o Projeto era excessivamente drástico, com retornos da grafia sobre a fonia inaceitáveis.
Sem desistir, os linguistas elaboraram “uma versão menos forte”, espécie de compromisso, na “mistura” entre a Norma de 1945 e o Projeto de 1986:
2. O AO90
Esta “boa intenção” não convenceu lá muito bem e esteve fechada na gaveta durante cerca de 20 anos. Até que o autor começou a sentir que entre os linguistas brasileiros havia um desejo acentuado de unificar a língua. Talvez não fosse para evitar que vencesse a corrente que no Brasil defendia a existência de uma língua brasileira, mas era certamente porque se haviam formado dois blocos numerosos distintos na língua, Brasil num lado e Portugal mais os PALOP no outro, o que não agradava politicamente ao Brasil, ansioso por ter uma língua universal, já com os seus cerca de 200 milhões de falantes e uma importância crescente na economia mundial.
Num colóquio sobre a comum língua, onde estava presente um reputado académico da Academia Brasileira de Letras (ABL), o autor ainda pediu que o Brasil esperasse até que Portugal tivesse um vocabulário para o AO90. Espera que se avizinhava para as calendas, e, por isso, o Brasil não esperou. Em 2009, a ABL publicou um monumental vocabulário com 350 000 entradas para o AO90, e o Brasil decretou que o AO90 passasse a ser aplicado no ensino, com entrada em vigor geral no país 2 anos depois (mais tarde prolongada para 2016).
Os responsáveis portugueses ficaram alarmados nessa altura. Quiseram pôr o Acordo em vigor em Portugal mesmo sem vocabulário adequado, o que era uma tolice. Quando Cabo Verde alinhou como o Brasil, o pânico generalizou-se, e apareceram vários vocabulários, alguns com fraca qualidade, outros com interpretações discricionárias do texto do AO90. Até que a Resolução do Conselho de Ministros 8/2011 pôs, sem mais análises, o AO90 em funcionamento nas escolas e na Administração, com uma moratória até entrar em vigor definitivo, o que aconteceu em meados de 2015.
Ou seja, já lá vão vários anos de aplicação do AO90 quer em Portugal quer no Brasil, com uso generalizado, não só no ensino mas na comunicação social. Pode haver ilusões de se poder agora revogar o AO90 em Portugal?
Será possível aperfeiçoá-lo para o adaptar melhor ao português europeu, dada a ineficácia da ACL na altura em que foi “implantado” no ensino. Mas revogá-lo, já não.
Quem se habituou a escrever com uma ortografia mais simplificada já não aceita voltar à mais complexa. Aconteceu no Brasil como vimos, aconteceria em Portugal, sobretudo nos estratos mais jovens da sociedade. Porque, independentemente de alguns dislates para o português europeu, dado o pouco tempo de sedimentação na “mistura” e a pretensa bandeira fonética preferencial (em rigor não exclusiva, nem o pode ser porque dividiria os falantes, em vez de os unir), ...a verdade é que o texto do AO90 simplifica a ortografia em muitos casos nos quais a complexidade já é meramente histórica (por exemplo, nas consoantes desnecessárias, como: exatidão, correto, ótimo, etc.; em vários casos nos hífenes, como: coopositor, contrarregra, autoestrada, etc.). Podemos condenar as escolhas de vocabulários nos quais imponderadamente se perdem virtualidades na língua numa simplificação excessiva para o português europeu, mas quando a simplificação é manifestamente útil, já não é possível voltar a complicar, depois de todos estes anos com a nova escrita.
Claro que quem se opõe ao AO90 poderá continuar a escrever na Norma de 1945. Em democracia, não é legítimo proibi-lo e não é cortês acusar essa escolha de ignorância sobre as novas regras, ou de que não as quer aprender (regras, aliás, reduzidas e simples). Digamos que os defensores da escrita anterior são saudosistas dos bons valores do passado. Mas esses valores remontam a que passado?
Vamos supor, por absurdo, critério possível na investigação, que a corrente saudosista tinha conseguido vencer a reforma revolucionária de 1911 e que essa corrente permanecia dominante na ditadura de Salazar, impedindo também mudanças substanciais na língua, como as que a Norma de 1945 implicava.
Então, neste século XXI, poder-se-iam encontrar ainda grafias ortográficas remotas, algumas frequentemente referidas como exemplo, e possíveis respetivas justificações, como:
Sciência (é com sc inicial que estamos em presença da verdadeira sciência, que já vem da Antiguidade greco-latina).
Ennovelar (repare-se que é o segundo n que dá mesmo a ideia de novelo, nesta sugestiva palavra).
Pharmácia (sem o ph e com f, a palavra farmácia perde dignidade e já nem parece mesmo designar uma respeitável pharmácia).
Abysmo (reparemos que é este y, impressivo na palavra, que lhe dá o seu caráter abismal...).
3. Conclusão
Resumindo, a grande Reforma Ortográfica de 1911 obedeceu, já nessa data, ao critério expresso: «princípio capital da simplificação». Ora esse princípio capital, embora ensombrado agora com a tónica excessiva no critério fonético e, por isso, impondo melhoramentos, também esteve presente no AO90. Um mérito que não se pode negar, e que o bom senso dos falantes certamente não desejará perder.
Nesta data, o AO90 está em vigor em Portugal, Brasil, Timor-Leste, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. Em Moçambique já foi aprovado pelo respetivo Parlamento, mas ainda não foi ratificado; por outro lado, já foi ratificado na Guiné-Bissau, mas ainda não aplicado.
Pode-se dizer que na Lusofonia só falta Angola tomar uma decisão definitiva sobre o AO90. Contudo, em Abril pp., foi afirmado oficialmente neste país que, embora falte o Vocabulário Nacional em estudo e a retificação de Bases carentes de informação técnico-científica, ...Angola não está parada na ratificação do AO90.
Independentemente das simplificações que já não se dispensam, o AO90 é irreversível, mesmo do ponto de vista das nossas responsabilidades na CPLP. Aliás, consta que a Academia das Ciências de Lisboa, presentemente com o Instituto de Lexicologia e Lexicografia da Língua Portuguesa muito ativo, só o que deseja é fazer aperfeiçoamentos, não revogar o AO90. Como o autor.
D’ Silvas Filho
CONTRIBUTOS PARA O APERFEIÇOAMENTO DO AO90
abril de 2016
Os textos seguintes, publicados em Ciberdúvidas, foram retirados do Projeto do Autor:
APERFEIÇOAMENTOS DO AO90
ADEQUAÇÃO AO PORTUGUÊS EUROPEU,
APÓS VOCABULÁRIO COMUM
VOCABULÁRIOS DO AUTOR
PROPÓSITOS DO AUTOR E RESUMO DAS ORIENTAÇÕES-BASE
Orientações-base aqui
Este trabalho teve como objetivo ser uma orientação do autor na constituição de um vocabulário pessoal e que possa também contribuir para a elaboração de um Vocabulário Ortográfico Nacional (VON) para o AO90 após a finalização do Vocabulário Comum (VOC). O autor pretende no trabalho defender o português europeu, tão maltratado nos atuais vocabulários portugueses para o AO90.
Aproveita-se para sugerir aperfeiçoamentos no AO90, mas não se pretende reformulá-lo completamente, pois seria agora inaceitável nova mudança drástica ortográfica. Deseja-se unicamente esclarecer os pontos dúbios e adaptar melhor o AO90 ao português europeu.
Nas Notas Descritivas do AO90 diz-se, alínea 3, que «se “privilegiou” o critério fonético (ou da pronúncia), com um certo detrimento para o critério etimológico». Então, os obreiros de vocabulários decidiram que este critério fonético era “sempre” determinante, ou seja, não ponderaram que na palavra “privilegiou” está implícita a tolerância de não ser tudo assim, nem que a relatividade da palavra “certo” permite que nalguns casos o critério etimológico ou outro sejam considerados.
Então, por exemplo, num dos vocabulários para o AO90, embora meritório no trabalho realizado, foi estabelecido como critério taxativo: «Em cada variedade nacional, eliminam-se as consoantes <c> ou <p> quando precedem um <c>, <ç>, ou <t> e não são realizadas foneticamente como consoante oclusiva .....» (som [k], articulado). Esta decisão drástica implicou a eliminação de muitas consoantes que eram úteis no português europeu para abrir a vogal anterior, deu origem a inúmeras ambiguidades em palavras nas quais a consoante distinguia o significado e a invenção de novas palavras que não existiam na língua. Estas novas palavras implicaram mesmo o paradoxo de, nelas, converter a língua em duas diferentes quando o português era antes comum: sempre que o Brasil mantém a consoante como única solução e o vocabulário para o português europeu a suprime nas palavras.
O autor, no presente trabalho, não pretende, nas consoantes não articuladas, voltar à harmoniosa Norma (para Portugal) de 1945, pois que esta foi causa da separação entre a nossa grafia e a do Brasil. Deseja de facto alguma uniformização gráfica e que possamos dizer que existe uma `dita língua portuguesa´ única quanto possível. Além disso, reconhece ao AO90 o mérito de ser mais uma tentativa para esta uniformização.
Mas não pode abdicar em tudo o que seja manifestamente prejudicial para o português europeu. A relativa barafunda presentemente instalada e as vozes das pessoas que clamam contra ela devem ser consideradas. Lembremos que estando nós em democracia não se pode impedir que se prolongue durante muito tempo a existência de duas grafias em Portugal (a do AO90 e a de 1945), e o reverso da união global pretendida é ficar o próprio país dividido ortograficamente.
Assim, o autor, defensor da unificação desde sempre, e depois de imenso tempo a meditar na questão, está neste trabalho a pedir tolerância de parte a parte.
Sugere nele as seguintes soluções de compromisso, que se resumem e se desenvolverão adiante:
Consoantes das sequências: cc, cç, ct e pc, pç, pt:
Aceitou o critério fonético; mas só restrito e então impositivo, quando as consoantes são articuladas (mesmo que o sejam só restritamente).
Aceitou suprimir as consoantes não articuladas num critério de simplificação, dominante em relação à coerência; mas só nos casos em que a sua ausência:
a) não traga inconvenientes no português europeu (quando não tenham manifestamente nenhuma influência na vogal anterior ou quando a palavra ficar sem sentido no emudecimento dessa vogal);
b) não implique ambiguidades que não havia na Norma ortográfica de 1945;
c) não crie no português europeu palavras novas desnecessárias ou com retornos da grafia sobre a fonia inaceitáveis.
Contudo, quando a incoerência ou outros inconvenientes se tornarem gritantes, a supressão da consoante é ponderada, podendo ser proposta como variante a solução da Norma de 1945.
Acentos:
Aceitou o AO90, exceto com a manutenção de pára e de pêlo, desejadas como variantes.
Hífen
Considera as simplificações feitas no AO90 úteis, mas tem reticências quanto a se ignorar o sentido conotativo nos compostos ligados por preposição, resultantes da supressão generalizada dos hífenes nestes compostos.
Julga que com esta estratégia dará um contributo para pacificar “os prós e os contras” ao AO90 em Portugal, no objetivo de uma linha comum de união ortográfica para a almejada língua portuguesa universal.
ORIENTAÇÕES-BASE
PARA UM VOCABULÁRIO ORTOGRÁFICO NO AO90, PRÓPRIO PARA O PORTUGUÊS EUROPEU, PÓS-VOC
ÍNDICE
com links
1. PRINCÍPIOS DE BASE PARA UM VOCABULÁRIO DO AUTOR PÓS-VOC
2. CRITÉRIOS DE ESCOLHA PELO AUTOR
2.2. Critério da simplificação
2.4. Critério de se evitarem ambiguidades
2.6. Critério de evitarem retornos sobre a fonia
3. SEQUÊNCIAS CONSONÂNTICAS, ESCOLHA DAS VARIANTES
3.1. Imprecisões e dislates do AO90 na supressão das consoantes
3.2. As listas do AO90 não são exaustivas
3.3. As duplas grafias são facultativas
4.1. Variantes necessárias nos acentos
4.2. Sentido aparente ou tradicional no hífen
5. LEGALIDADE DAS ESCOLHAS NO VOC
NOTA PRÉVIA
Houve no AO90 uma preocupação excessiva em aproximar o português europeu do português brasileiro com base na fonética, quando as suas características fonéticas são bem diferentes. Como dissemos no resumo, muitos autores de vocabulários para o AO90 em Portugal adotaram o critério drástico de suprimirem as consoantes nas sequências, sempre que não articuladas (ditas mudas). Assim, foram suprimidas consoantes, que no português europeu eram úteis para desfazer ambiguidades, manter coerências ou evitar retornos da grafia sobre a fonia.
Após os estudos do Vocabulário Comum (VOC), considera-se necessário escolher soluções que melhor satisfaçam às características peculiares do português europeu.
Devidamente justificadas e com muitos exemplos no seu trabalho: Aperfeiçoamentos do AO90. Adequações ao Português Europeu, após Vocabulário Comum, o autor estabeleceu, para essa reformulação, as seguintes orientações:
1. PRINCÍPIOS DE BASE PARA UM VOCABULÁRIO DO AUTOR PÓS-VOC
Os vocabulários nacionais elaborados especificamente para o AO90 foram erradamente fundamentados num critério fonético preferencial, que divide os falantes. No estudo aprofundado de unificação, no VOC, terão sido feitos aperfeiçoamentos, ou mesmo alterações ao texto do AO90, mas considerados insuficientes pelo autor. Assim, no estudo seguinte, considera-se que:
a) O critério base do autor para a escolha da grafia das palavras obedecendo ao AO90 é a simplificação conveniente, pois era essa diferença na ortografia que dividia Portugal e o Brasil. O critério fonético só é imperioso quando a consoante é articulada. Pretendendo-se a unificação, procurar-se-á adotar palavras únicas, e as variantes são sugeridas só quando indispensáveis.
b) Atender-se-á sempre à especificidade do português europeu, na sua tendência para o fechamento das vogais.
c) É conveniente rever os vocabulários para o português europeu (PT) para o AO90, à luz das decisões tomadas no VOC.
d) Como se justifica adiante no trabalho, a palavra “facultativamente” significa que as variantes do VOC estão universalmente à opção nas duplas grafias, como no AO90. Recomendar-se-á para o português europeu a variante aconselhável (exemplo caráter), mas isso não implica a ilegalidade, no país, de outras variantes (exemplo carácter), salvo se pode fazer significativa confusão (exemplo: o fato de BR utilizado em PT com o sentido de ação, assunto, em vez de o correto em PT facto).
e) O VOC é um trabalho meritório e extremamente útil na unificação pretendida para que se consiga ter uma língua portuguesa planetária. Mas o autor não o considera lei taxativa na língua, pois continua ainda enfeudado ao critério fonético e não fez todos os aperfeiçoamentos que se impunham.
2. CRITÉRIOS DE ESCOLHA PELO AUTOR
2.1. Critério fonético
Mais ou menos etimológico, um signo linguístico, com a convencionalidade fonética dos seus grafemas, tem de representar, pelo menos de uma forma aproximada, o som com que o falante da língua portuguesa traduz um dado significado. Assim, se uma consoante etimológica das sequências é articulada no país, esta consoante tem de estar representada na grafia do signo (é um erro grave, por exemplo, em Portugal grafar-se *impato por impacto), considerando-se então: imperativo o critério fonético se a consoante é articulada (mas só neste caso: logo é um critério fonético restrito e lúcido, não `sempre aplicado´, cegamente).
Se a articulação da consoante não for geral, mas restrita, continua na mesma a predominar a grafia com a consoante, pois a sua presença não impede a pronúncia sem ela. Para evitar a confusão que as duplas grafias fazem, só deve mesmo ser prevista variante quando a consoante for muito frequentemente não articulada (exemplo só dicção, mas sector e setor)
Lembremos que, se o critério etimológico pode unir os falantes, permitindo várias prosódias, o critério fonético tende a dividi-los. Pensemos como seria diferente a escrita nalgumas regiões do nosso país se nelas fosse aplicada uma grafia adequada à legítima pronúncia dos seus falantes. Para o autor, o critério fonético em Portugal deixa de ser preferencial se não for imperativo como acabámos de indicar; e outros critérios, como a unificação, a ambiguidade, a coerência, o retorno sobre a fonia ou o bom senso recomendarem a manutenção da consoante, embora não articulada (exemplo: concepção, óptica).
Foi de facto um erro os autores dos vocabulários para o AO90 terem considerado imperiosa em Portugal a eliminação sistemática das consoantes etimológicas batizadas de “mudas”.
2.2. Critério da simplificação
“Neste trabalho”, é o critério da simplificação que orienta, como base inicial de escolha, se a consoante não articulada pode ou não ser suprimida. Além disso, se um critério fonético `sempre aplicado´ impunha taxativamente a supressão da consoante quando não articulada, o critério da simplificação atende à especificidade do português europeu, só suprimindo a consoante quando de facto dispensável.
Louva-se que um dos objetivos dos linguistas do AO90 tenha sido também a simplificação. Foi esta, lembramos, a razão da recusa posterior do Brasil quanto ao Acordo de 1945, pois este país desejava maior simplificação. O desvio para um critério fonético `preferencial sempre´ foi uma imponderada decisão de pouco cuidado com a história das palavras e com o interesse do português europeu, e que, afinal, contrariou o objetivo de unificação.
A simplificação na língua é imperiosa com o tempo, nos novos conhecimentos e costumes, para se ir adaptando ao uso dos falantes, que a vão mudando. Ora, se os especialistas não a adaptam, os falantes fazem-no arbitrariamente, como mostra a experiência.
Foi o reconhecimento dessa necessidade que impôs a grande simplificação feita em 1911, eliminando muitos resquícios ancestrais, nas imitações que os escritores anteriores iam introduzindo na língua para ostentarem erudição greco-latina. Lembremos que foram substituídos: ç inicial, ph, th, rh, y, ch com valor de k; ou simplificados: cc, dd, ff, gg, ll, mm, nn, pp, tt.
Também a norma de 1945, na sua Base VI, considerava eliminados os c em 22 palavras e o p noutras 22, algumas que hoje achamos estranho que tenham existido, como *extincção, *víctima, *absorpção, *prompto...
Nos nossos dias, em palavras como accionar, exacto (com vogal átona fechada ou vogal tónica antes da consoante etimológica), a consoante é desnecessária para abrir a vogal, e recomenda-se que as palavras sejam agora simplificadas. Noutras palavras, a ausência da consoante também não traz inconvenientes e pode suprimir-se, sobretudo quando essa ação for também útil para a unificação na língua.
2.3. Critério da unificação
Se um dos primeiros critérios prioritários tivesse sido o unificador na língua, haveria muito maior uniformização no AO90. Depois dos dois critérios acima indicados, este é fundamental considerar-se, porque é aquele que verdadeiramente mais justifica a existência do AO90. Quando o VOC permitir variantes e uma delas unificar mais a língua, é essa a variante que deve ser considerada preferencial. Por exemplo, entre acepção e aceção, como acepção é única no Brasil, considera-se preferencial no português europeu. A dita aproximação ao Brasil na supressão das consoantes mudas é absurda nesta palavra como em muitas outras, pois o que houve neste caso foi a ideia insensata de quererem que de futuro em Portugal só se escreva aceção, quando o p mudo nunca impediu a pronúncia correta; imposição com o inconveniente de se ter inventado desnecessariamente uma palavra e havendo o risco de ambiguidade desnecessária com acessão.
2.4. Critério de se evitarem ambiguidades
Na escolha das grafias devem evitar-se ambiguidades. Uma das qualidades da língua é a clareza. Não faz sentido que esta qualidade se exija na língua, e que depois a própria ortografia a contradiga. Depois de se considerarem os três critérios prioritários acima, deve-se ponderar o aperfeiçoamento do AO90 neste critério. Nalguns casos, o risco da ambiguidade pode mesmo ser muito importante no ponto de vista do autor (seria, por exemplo ótica para visão e para audição).
2.5. Critério da coerência
A incoerência é sempre fonte de perturbação numa aprendizagem. O intelecto estabelece naturalmente ligações cerebrais nas premissas que enfrenta. Ora tudo o que for uma descontinuidade nessas ligações, tende a ser descartado na lógica da memória. As descontinuidades têm então de ser fixadas como exceções, e regras com muitas exceções quase deixam de o ser (veja-se o caso da eliminação do ditongo com i ou u, que tem 6 exceções na norma ortográfica...).
A seguir aos três critérios prioritários, deve-se ponderar também o aperfeiçoamento do AO90 de forma a evitar incoerências.
Uma incoerência que ficou gritante foi o caso de Egito, mantendo-se várias palavras da mesma família com o p etimológico. Num mesmo texto, a coabitação com a palavra Egito pode dar origem a erros do tipo *egitólogo, ou *egitologia, convindo que, nesse caso, seja usada a variante Egipto não preferencial, proposta pelo autor deste trabalho, que, aliás sempre foi usual no português europeu e não se aceita perder.
2.6. Critério de evitarem retornos sobre a fonia
Embora se tenham presentes sempre os três critérios prioritários, devem-se escolher nos primeiros tempos de aplicação do AO90 aquelas grafias que deem maiores garantias de não trazerem retornos inconvenientes da grafia sobre a fonia (mudar a pronúncia da palavra), taxativamente se esse retorno tende a fazer confusão com outras palavras. Devemos pronunciar a palavra sem a consoante para ver se poderá haver ambiguidades, em particular nos casos em que o e pode ficar mudo sem o apoio da consoante posterior. Por exemplo, foi um disparate a supressão da consoante etimológica em espectador: a grafia espetador pode dar a pronúncia |esptador| → [ǝSpǝtŒdoR]
2.7. Critério do bom senso
É uma “opção” considerada sensata entre alternativas possíveis, sem subordinação rígida a qualquer critério. A língua não se deixa meter em talas, e os falantes é que são os seus donos, não os “fazedores” de regras e vocabulários. Mas o bom senso é relativo, pois depende do senso de cada um: por exemplo, há quem afirme que o AO90 “tem carradas de bom senso” no ponto de vista de quem o afirma; mas esta ideia não é consensual. Em muitas escolhas atrás, o autor tentou aplicar o “seu” bom senso, não seguindo taxativamente as regras.
3. SEQUÊNCIAS CONSONÂNTICAS, ESCOLHA DAS VARIANTES
3.1. Imprecisões e dislates do AO90 na supressão das consoantes
A alínea b) do 1.º da Base IV do AO90 é sintomática sobre a superficialidade dos obreiros do texto do AO90 no que se refere à supressão das consoantes não articuladas:
• Foi mal cuidada na escolha dos exemplos. • Na lista, fica a dúvida quanto ao facto de algumas das consoantes das sequências indicadas serem invariavelmente mudas. • Mesmo o estabelecimento desta condição depende da comunidade culta e de critérios discricionários. • A consoante muda não significa que seja inerte, pois pode exercer ação com sinais fonéticos.
Em resumo, esta alínea está repleta de dislates e não pode ser tomada à letra como critério para se suprimirem sempre as consoantes que se considere arbitrariamente não articuladas nas sequências cc, cç ct, pc, pç, pt. A consoante deve permanecer se for articulada mesmo restritamente e também permanecer se exercer ação determinante no português europeu, dado que não tem havido inconveniente fonético na sua presença se não articulada.
3.2. As listas do AO90 não são exaustivas
Muitos autores de vocabulários para o AO90 consideram que uma lista existente no AO90 para compostos que conservam os hífenes nas ligações por preposição foi a base para concluírem que em mais nenhum outro composto do mesmo género os hífenes eram legítimos. Então também se pode tirar conclusão semelhante (que são limitativas) de quaisquer outras das listas do texto do AO90? Claro que não. Por exemplo, abrupto não está na lista a) do 1.º da Base IV e abruto como variante de abrupto, na lista c), é um disparate. Conclusão: as listas do AO90 não são exaustivas a não ser que expressamente o indiquem.
3.3. As duplas grafias são facultativas
Um elementar bom senso indica-nos que `a palavra “facultativamente” de c) do 1.ºda Base IV do AO90´ significa que as duplas grafias autorizadas nessa lista ficam à opção livre do falante em todo o universo da língua; da mesma maneira que significa a palavra “facultativo” a assinalar as terminações verbais -ámos e -amos do 4.º da Base IX do AO90 e do “facultativamente” estabelecido no b) do 6.º da Base IX do AO90 para dêmos e demos, fôrma e forma.
Logo, logicamente, ficam também “facultativas” todas as variantes num vocabulário que se considere comum na língua portuguesa (como dissemos atrás, por exemplo, carácter ou caráter, registados no VOC), e não há critério válido, fonético ou outro, que possa anular esta facultatividade na língua comum. Pode haver aconselhamento para as pronúncias ou as grafias usuais numa dada comunidade (por exemplo, no português europeu -ámos no pretérito e facto, não fato, nessa acepção, como dissemos), mas nunca proibição do que é facultativo.
4. ACENTOS E HÍFEN
4.1. Variantes necessárias nos acentos
Assim como são permitidas diversas variantes noutros casos de acentos, recomenda-se que também o sejam na forma verbal pára/para, e no substantivo pêlo/pelo, para evitar ambiguidades.
4.2. Sentido aparente ou tradicional no hífen
Não se devem perder as virtualidades que o hífen tem dado à língua no sentido aparente dos compostos (figurado, de tradição, de unidade semântica). Por força de 3.2, a lista do 6.º da Base XV do AO não é limitativa sobre os compostos com preposição e ligação por hífen, caso contrário há incoerência com a lista de d) da Base XVIII, exemplo: copo-d’ água (composto em sentido figurado, hífen e preposição); e há desacordo gritante com a Imprensa Nacional, entidade idónea na língua, que regista, por exemplo: lua-de-mel, cabo-do-mar, mestre-de-obras, e muitos mais em oposição ao VOC.
E por este desencontro se justifica que o autor não considere o VOC lei na língua; • além de o autor considerar também que o VOC tem notas que podem ser interpretadas como proibições de grafias úteis na índole do português europeu, numa exagerada fixação ao critério fonético, • ou que escolhe soluções com perdas de virtualidades da língua. Aguarda que oficialmente o Estado estabeleça a lei.
Em qualquer caso, mesmo com eliminação dos hífenes, é conveniente usar um processo para distinguir estes compostos daqueles que estão no sentido denotativo. Por exemplo, o autor sugere as aspas altas, como para “anjo da guarda”, um composto que era anjo-da-guarda, unidade semântica.
5. LEGALIDADE DAS ESCOLHAS NO VOC
Para a elaboração de um VON PT pós-VOC, é possível escolher a forma mais adequada ao português europeu em todas as duplas grafias do VOC. Estas duplas são consideradas pelo autor todas legais na língua comum. Devem ser escolhidas na “tradição” ortográfica do país, segundo a Declaração do Conselho de Ministros da CPLP, no Plano de Ação de Brasília para a Difusão e a Projeção da Língua Portuguesa.
Tradição que, assim, impõe que não sejam exclusivos o critério fonético nem o da simplicidade que terão presidido na anterior escolha dos vocabulários para o AO90, mas a imperativa obediência também ao princípio fundamental de não se tirarem virtualidades ao português europeu, o que obriga a ponderar as outras condicionantes citadas atrás, nos vários critérios de escolha.
6. RESUMO DA ORIENTAÇÃO-BASE FINAL DO AUTOR PARA A ESCOLHA DOS VOCÁBULOS PARA O PORTUGUÊS EUROPEU PÓS-VOC
Vimos em 2.1 que, afinal, o critério fonético não constitui nada uma orientação `para o falante indiscriminado saber como escrever as palavras no AO90´, porque, na supressão sistemática das consoantes etimológicas, apareceram muitas aberrações, algumas que os próprios correctores ortográficos informáticos sancionam (exemplo: pacto/pato). De qualquer forma, no critério fonético sempre preferencial, passa em muitos casos a ser necessário um bom conhecimento ortoépico ou a fixação da grafia da palavra como na norma anterior.
Aceite, neste livro, que o critério fonético é só preferencial quando a consoante etimológica é pronunciada e seguindo-se as outras orientações-base de escolha indicadas, pode-se estabelecer a seguinte estratégia resumo para a escolha no AO90, pós-VOC:
1. Pronunciar a palavra. Se a consoante é articulada, mesmo restritamente, fica imperativamente na palavra preferencial (exemplo: sector). Em caso de dúvida, consultar informação idónea sobre a pronúncia correta.
2 Se não é articulada e manifestamente desnecessária (sucede a vogal átona fechada ou a tónica (exemplos: acionar, correto), ou, ainda, se na supressão da consoante o retorno sobre a fonia conduz a uma grafia sem significado (exemplo: fator), a simplificação obriga a que seja suprimida na generalidade. Este caso e o anterior são os mais gerais, e estas duas orientações permitem uma escolha fácil.
3. Se não é articulada mas não está na condição anterior, ponderar sucessivamente a unidade, a ambiguidade e a coerência (exemplos: acepção, única no Brasil; corretor ambíguo com corrector; espectáculo coerente com espectador). Finalmente, não esquecer o bom senso ou a didática quando esta for determinante (exemplos: Egipto em textos com antepositivo egip-; ou directriz para o formador sublinhar bem que não se pronuncia |dirtriz| > [dirǝtriz]).
A escolha não é tão fácil, mas também não o é seguindo-se o critério fonético, porque este cegamente leva a disparates como o *espetador para espectador. Nalguns casos será necessária ajuda (exemplo: de um corrector informático) ou da memorização, ...mas também o era na norma de 1945 (exemplo: tinha de se memorizar accionar, com uma consoante sem ação na palavra).
4. Ponderar sempre nos hífenes a conveniência em distinguir bem na escrita os sentidos conotativos ou aparentes: `figurado´ (exemplo: “cair em saco-roto”; “beber um copo-de-água”); `tradição´ (exemplo: segunda-feira); `unidade morfo-semântica´ (exemplo: tio-avô); mas não hifenizar no sentido denotativo ou real (exemplo: bom senso, “o copo de água e o de vinho na mesa” ).
5. Nos acentos, é fácil seguir o AO90 porque no português europeu as mudanças preconizadas neste livro são muito poucas: O autor adota pára para forma verbal e pêlo como nome.
7. TOLERÂNCIA
Sublinha-se a característica particular de tolerância com que se deve aplicar o AO90. Lembre-se que a Reforma Ortográfica portuguesa de 1911 aceitava não ser inteiramente seguida se isso fosse conveniente por questões didáticas. Repare-se ainda que, não obstante a sua reforma ortográfica também ser do remoto 1990, os franceses continuam a aceitar agora a escrita na norma anterior (e igualmente retiraram letras e acentos).
Em resumo, a menos que o Estado estabeleça uma lei oficial, logo com penalidades se desrespeitada, o falante em Portugal deve também ser livre de adotar o AO90 ou de continuar a escrever na norma antiga. Deve-se mesmo ser tolerante nalguma mistura entre a norma anterior e a moderna, nestes próximos tempos. Na dúvida de que a consoante possa ser suprimida, é mesmo aconselhável mantê-la, para evitar os erros grosseiros atrás indicados.
Nos organismos ligados ao Estado, incluindo ensino, em princípio segue-se a Resolução 8/2011, enquanto estiver em vigor. Note-se, porém, que nem todas as entidades respeitam inteiramente essa Resolução, que recomendava obedecer aos vocabulários então publicados, hoje postos em causa. Mesmo no ensino, é uma violência a intransigência em só se aceitarem termos desses vocabulários.
Numa fase de adaptação à nova escrita, sempre longa, tem de haver tolerância, de mais a mais estando o português europeu a sedimentar o vocabulário que melhor serve as suas características peculiares. Além disso, incluindo os defensores do AO90, como o autor, sente-se mesmo a necessidade de aperfeiçoamentos do texto do Acordo de 1990: para se reporem virtualidades da língua que eram úteis e para se conseguir uma norma ortográfica mais bem estruturada, coerente; ...e talvez mais simples (exemplo: nos textos destinados ao universo da língua, deixar opcional pôr ou não acento nas esdrúxulas com tónica em e, o quando seguidas de m, n noutra sílaba (exemplo academico, Antonio) o que evitaria a necessidade de assinalar as diferenças de timbre com os acentos gráficos agudo ou circunflexo.
Cf. Parlamento rejeita desvinculação de Portugal do Acordo Ortográfico